Festa é festa

Corcovada Brito

Maria do Céu Guerra

99 anos. É a mais idosa da aldeia, estando a semanas de cumprir o seu centenário. Filha de pais emigrados no Brasil, Corcovada viveu no Brasil até aos 30 anos, data em que conheceu Alberto – um industrial português na área dos tecidos – e se apaixonou. Foi amor à primeira vista e amor de uma vida. Veio com Alberto para Portugal, casaram e tiveram um filho: António (já falecido). Corcovada enviuvou cedo (Alberto faleceu com cinquenta e poucos anos) e desde aí passou a habituar-se a viver a sua vida sozinha, pois o seu filho António foi estudar para Coimbra, onde se enamorou por uma lisboeta e fez toda a sua vida familiar lá, visitando a mãe a espaços. António também teve um único filho, João Maria, pai de Ana Carolina – bisneta de Corcovada que está de chegada à aldeia. Corcovada e João Maria nunca tiveram grande ligação, tal como Ana Carolina e a bisavó. Corcovada recusa-se a ceder à idade. É uma mulher enérgica e pouco dada a falar de maleitas, como faz a grande maioria das mulheres da sua geração. Não tem paciência para elas. Pelo contrário, dá-se bem melhor com a juventude. Por herança, dos pais e do marido, é dona de uma pequena fortuna e a grande mecenas da aldeia. Gosta de ali viver, pela tranquilidade, pela qualidade de vida e por ser a terra do seu falecido marido, a pessoa de quem mais gostou e respeitou na sua vida. Dado à sua fortuna, à sua idade bastante avançada, e ao facto de não ter muita ligação à família, uma boa parte das pessoas da aldeia vê com bons olhos fazer parte da lista de herdeiros desta centenária e vão fazer de tudo um pouco para a agradar. Só que, para pena deles: Corcovada é tudo menos parva e tem uma saúde de ferro. Muito pouco dada a medicamentos, vê no seu shotzinho de cachaça, todas as manhãs, a cura para todos os males. Por puro gozo, mantém um pequeno e discreto flirt com o taxista da aldeia, Manel, que é quem a leva a passear e às lojas dos chineses, onde Corcovada se mostra uma ávida consumidora de tudo que é chinesice e com cor. Apesar de todos os contrastes, Corcovada irá construir uma relação de amor e cumplicidade com a sua bisneta Ana Carolina, e terá no médico da aldeia o seu confidente, mas com uma condição: não se falar em doenças.