A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica validou 512 testemunhos relativos a uma estimativa de 4.815 vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022, anunciou esta segunda-feira em conferência de imprensa.
O coordenador da comissão, Pedro Strecht, afirmou que “será difícil que, a partir de agora, tudo fique igual” em relação aos abusos sexuais cometidos contra crianças no seio da Igreja, em Portugal, mesmo que admitindo que o número real de vítimas possa ser muito superior. "Não é possível quantificar o número total de crianças vítimas", disse.
Os 512 testemunhos validados constam de um total de 564 casos recebidos, sendo que 25 desses foram enviados para o Ministério Público. Um número baixo que se explica pela prescrição de grande parte dos casos.
Esses casos foram também relatados à Conferência Episcopal Portuguesa, sendo que a Comissão Independente está a preparar uma "lista dos abusadores no ativo" para entregar àquela instituição, mas também ao Ministério Público. Espera-se que a referida lista esteja concluída no final do mês.
Pedro Strecht referiu que a média de idade atual das vítimas é de 52 anos, “mais baixa do que noutras comissões” e que em 20,2% dos casos as pessoas têm hoje cerca de 40 anos.
A maior parte das vítimas são do sexo masculino (52%), em 32% dos casos têm grau de literacia ao nível da licenciatura e, à época dos abusos, “eram todos estudantes do primeiro e segundo ciclos”. Um cenário que, segundo a socióloga Ana Nunes de Almeida, difere de outras realidades, uma vez que há maior prevalência de casos de abusos sobre meninas.
Registaram-se casos em todos os distritos e nas regiões autónomas, mas também casos de abusos de pessoas que atualmente vivem fora de Portugal, algumas delas fora da Europa. Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria são os cinco distritos com mais casos, por ordem decrescente, com a comissão a lembrar que são, igualmente, alguns dos distritos mais populosos do país. Mas há ainda outra explicação: segundo Pedro Strecht, a incidência nestes distritos explica-se, em parte, pela existência de seminários ou outras instituições religiosas.
Acrescentou que os abusos aconteceram sobretudo, e também por ordem decrescente, em seminários, colégios internos, confessionários, sacristia ou a casa do padre, havendo igualmente registo de casos no seio dos agrupamentos de escuteiros.
“Nos testemunhos estão incluídos todos os crimes previstos na Lei Penal portuguesa”, referiu, sublinhando que predominam os abusos continuados.
Em quase metade do total dos casos (48%), as vítimas só revelaram pela primeira vez os abusos de que sofreram quando contactaram a comissão.
O coordenador referiu que a maior parte das vítimas acabou por afastar-se da Igreja, entendendo que “não há reparação possível”, mas que espera que a igreja e os abusadores peçam desculpa publicamente. De resto, grande parte das vítimas diz-se católica.
Pedro Strecht referiu ainda que no final do relatório há uma série de recomendações para a Igreja, mas também para a sociedade em geral “para que nada fique igual”.
Os casos de abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a própria sociedade portuguesa, à imagem do que tinha ocorrido com iniciativas similares em outros países, com alegados casos de encobrimento pela hierarquia religiosa a motivarem pedidos de desculpa, num ano em que a Igreja se vê agora envolvida também em controvérsia, com a organização da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa.