"Ainda é pouco credível". O ensaio geral para uma coligação de direita em Portugal falhou - TVI

"Ainda é pouco credível". O ensaio geral para uma coligação de direita em Portugal falhou

Votação Orçamento do Estado para 2023 (António Pedro Santos/Lusa)

Iniciativa Liberal rompeu com um acordo que já nasceu torto e fez disparar as críticas entre os partidos. Será que há solução à vista para um governo com o PSD e quem se senta à sua direita?

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Se a coligação que sustentava o governo regional dos Açores era um laboratório para aquilo que pode vir a ser um futuro governo de direita em Portugal, então esse teste falhou. É essa a opinião dos especialistas ouvidos pela CNN Portugal, que dão conta de uma instabilidade partidária, nomeadamente nos partidos mais recentes, como o Chega ou a Iniciativa Liberal.

José Filipe Pinto entende que estes dois partidos não apresentam “fiabilidade” suficiente para fazerem parte de uma solução governativa. “Quem assina um contrato e depois não o cumpre acaba por perder credibilidade”, aponta o politólogo, sendo que, se a Iniciativa Liberal abandonou o acordo parlamentar, o Chega tem diferentes posições: o deputado único que tem ainda faz parte do acordo, mas logo no início da legislatura o outro deputado eleito, Carlos Furtado, passou a independente por entender que havia entropias na coligação.

Uma situação que, no caso do Chega, pode ser ainda mais prejudicial. José Filipe Pinto aponta que o partido de André Ventura se apresenta no plano nacional como um "parceiro credível", mas depois, nos Açores, "mostra que ainda é pouco credível". Isto porque, apesar de não ter rasgado o acordo de incidência parlamentar, o Chega sugeriu ao governo regional que apresentasse uma moção de confiança, não deixando claro como votaria essa proposta.

"O Chega e a Iniciativa Liberal estão numa situação muito delicada a nível nacional", considera o especialista.

Já Paula do Espírito Santo vê uma "falta de efetividade e validade de uma possível coligação" no caso dos Açores. A professora de Ciência Política destaca que os partidos passam uma imagem de uma solução que "não é durável, não tem consistência", verificando que esse problema decorre das lideranças locais, mas que também tem eco num "desentendimento nacional".

"Qualquer solução deste género, seja local ou nacional, será sempre uma solução arriscada, na medida em que são partidos que estão em fase de afirmação, sobretudo os mais pequenos", refere, dizendo que todas as partes percebem a importância do momento e tentam jogar com o poder negocial, até porque já ficou claro que não se pretende, pelo menos para já, colocar um fim a esta solução governativa.

Tudo à procura do mesmo

Se Chega e Iniciativa Liberal podem ver a sua posição nacional beliscada, há quem tente aproveitar a confusão para colher frutos. É o caso do CDS, que rapidamente veio, pela voz do seu presidente, afirmar que os outros dois partidos da direita eram imaturos. “O que se passa nos Açores é um exemplo que os portugueses devem reter. O CDS contribuiu para a mudança política nos Açores e é fonte de estabilidade. O que hoje é claro é que a Iniciativa Liberal e o Chega são partidos politicamente imaturos e muitas vezes instáveis”, afirmou Nuno Melo, que recordou tempos em que o partido fez parte de soluções governativas.

José Filipe Pinto vê nesta posição uma tentativa de "rentabilizar" a posição por parte do CDS, que assim se mostra como um "parceiro fiável" e que funciona. Uma diferença que o politólogo vê como capacidade, ou não, de coligação: "Há partidos que têm capacidade de coligação, e o CDS quer passar essa imagem, que há partidos que não têm. O caso dos Açores prova que, tanto Iniciativa Liberal como Chega, não parecem ter capacidade de coligação para garantirem estabilidade."

É aquilo que Paula do Espírito Santo vê como uma necessidade de "afirmação", sobretudo junto do eleitorado. Nesta altura, diz a especialista, "nenhum dos partidos tem muito a perder", até porque, como já referido, não está no horizonte que se coloque um fim à solução governativa. "Podem ter o objetivo de dividir para tentar encontrar mais bases de apoio pela própria identidade partidária", acrescenta.

Isto porque Iniciativa Liberal, Chega e CDS movimentam-se num eleitorado que em grande parte é partilhado, não apenas entre si, mas também com o PSD. Posições como as tidas nos Açores podem servir para marcar a agenda ideológica, refere Paula do Espírito Santo: "Este é um espaço muito disputado a nível político e eleitoral, com uma base que é a mesma. É a altura de os partidos fazerem a sua própria viagem e caminhada a pensar nas eleições que vêm aí, mais do que pensar numa coligação que está desgastada e não resulta."

O papel do PSD (e o fantasma de Passos)

E essa eventual coligação seria mais fácil se à frente do PSD estivesse outra pessoa. Não um qualquer, mas um em concreto: Pedro Passos Coelho. José Filipe Pinto olha para o antigo primeiro-ministro como a "única personalidade com capacidade de agregar toda a direita".

O politólogo não vê em Luís Montenegro, atual presidente dos sociais-democratas, capacidade de "aglutinar um projeto de direita", à semelhança do que António Costa conseguiu em 2015, quando formou a geringonça e proporcionou uma solução governativa em que os três partidos da esquerda alcançaram um acordo de incidência parlamentar para colocar o PS no governo.

"O problema é que não é viável no continente uma solução de direita como a geringonça. Era necessário que essas forças integrassem o governo, e a primeira questão é perceber se essas forças aceitam ser governo uns com os outros", aponta José Filipe Pinto, sabendo-se que no caso do Chega, por exemplo, já ficou bem vincado que um acordo para suportar um governo terá de pressupor sempre que membros do partido fazem parte do executivo, ao contrário do que aconteceu com PS, Bloco de Esquerda e PCP.

Paula do Espírito Santo concorda que o partido é, neste momento, incapaz de ser uma força agregadora, até porque "está fortemente dependente da negociação" com as outras forças políticas, o que lhe retira legitimidade para assumir uma posição de liderança no bloco da direita.

"O PSD ainda não tem a liberdade política de poder optar, sem ser por circunstâncias extremas, estar sozinho. Ainda é cedo para poder ampliar a sua vontade política, ainda está dependente dos partidos mais à sua direita", reitera.

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