Alcobaça: APA manda parar obras de construção dos 32 apartamentos junto a arriba - TVI

Alcobaça: APA manda parar obras de construção dos 32 apartamentos junto a arriba

Imagem Google com identificação do local da obra (DR)

Agência Portuguesa do Ambiente confirma que no local existe uma linha de água e que, na zona onde ela se encontra, nada pode ser feito sem a sua autorização, por isso, notificou proprietários para “cessar” as intervenções. Esta não é uma decisão definitiva, mas dá alento a quem ali mora. Donos do terreno garantem que “não há linha de água”, lamentam decisão, mas não vão desistir. Acusam ainda que o que motiva os vizinhos é “perder a vista”

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Os moradores da Pedra do Ouro, em Alcobaça, recusam baixar os braços na luta contra a construção de quatro blocos de 32 apartamentos junto a uma arriba, que garantem ser instável, e em cima de uma linha de água. Fizeram denúncias e recorreram nos últimos meses à justiça com duas providências cautelares. Num desses processos pediram a intervenção urgente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e viram, agora, a entidade responsável pela gestão das águas públicas dar-lhes razão e dizer que, de facto, existe uma linha de água. Algo que a Justiça, em vários processos ao longo dos anos, nunca deu como provado. Pelo contrário: a justiça sempre considerou que ela não existia. Proprietários do terreno insistem que “não há linha de água” e vão contestar a decisão.

A APA notificou os proprietários e intervenientes na obra, de que a área é de Domínio Hídrico e nada pode ser feito sem a sua autorização. A CNN Portugal sabe que o documento intima os visados para que primeiro “cessem, de imediato, toda e qualquer intervenção, designadamente aterros, escavações, movimentações de terra e obras de construção civil ou outras na área em questão, afeta ao Domínio Hídrico” e, segundo, que “promovam a reposição da situação inicial anterior à infração, num prazo máximo de 30 dias, repondo a linha de água a céu aberto, na sua situação inicial”.

A APA confirma que realizou duas inspeções ao local, uma em setembro e outra em outubro, e que “foi verificado a colocação de tubagem/manilhamento e aterro de terras limpas numa linha de água não navegável nem flutuável”. 

Explica depois que a referida linha de água “recebe parte da drenagem das águas pluviais” da zona da Pedra do Ouro, mas que é figura “integrante da rede hídrica natural superficial da zona, mantém as suas funções hidráulicas e não pode ser anulada”.

Clarifica ainda a APA que, “no caso presente, verifica-se que a colocação de tubagens/manilhamento e o aterro detetados são suscetíveis de provocar alterações ao escoamento em situações normais e extremas, colocando pessoas e bens em perigo”.

“Não existe nenhuma linha de água a atravessar a localidade da Pedra do Ouro”

Alberto Magalhães é filho da proprietária do terreno em causa e representa a mãe. “Eu gostava que me mostrassem fotografias da linha de água, porque eu tenho conhecimento de todo aquele terreno, até ao mar, como a palma da minha mão. Não existe nenhuma nascente, não existe nenhuma linha de água a atravessar a localidade da Pedra do Ouro”, afirma à CNN Portugal.

Considera ainda vergonhoso a APA “não contestar a ação em tribunal” interposta pelos moradores, limitando-se a enviar uma notificação “para parar as obras”. E questiona ainda: "Com todo o respeito, como é possível um Tribunal de 1ª Instância e uma Agência, suspenderem um Alvará de Construção devidamente validado por um Tribunal Superior?".

Esta é uma questão com mais de 20 anos e já foram muitos os processos em tribunal. “O tribunal sempre decidiu a nosso favor. Sempre cumprimos a lei”, lembra Alberto Magalhães. Desta vez não será diferente. Todas as ações serão “contestadas” no devido lugar, inclusive a notificação da APA. O que existe é um coletor de “águas pluviais”, garante. “A Câmara Municipal fez um coletor que recolhe toda a água que chove e, depois, fez um tubo que vai dar para o nosso terreno”. Em seguida acrescenta que o próprio projeto, aprovado pela autarquia, prevê, com instruções escritas, que sejam eles a desviar essa água “para fora do terreno”.

Mesmo admitindo que hoje em dia não seria possível construir naquela zona, lembra que a licença tem mais de 20 anos e “não há retroatividade nas leis”. Além de que, diz, foram ouvidas todas as entidades obrigatórias para ser dada a licença. Por isso, acredita estar protegido por todas as vitórias alcançadas na justiça e vai esperar para ver se “o tribunal aceita as providências cautelares”.

Alberto Magalhães diz-se ainda chocado com o facto de todas a leis alegadas pela APA para suspender a obra, na notificação, "sejam posteriores à emissão do alvará de licenciamento".

Com a certeza de que está “atento aos resultados destas iniciativas todas” e que, no fim, irá “agir em conformidade, baseado nas consequências de tudo isto, ao longo destes 20 anos". "Não se admite”, afirma em tom de desabafo. O problema de quem vive na zona é, na sua opinião, “perder as vistas” para o mar. À CNN Portugal diz ainda que se algum dia acontecer o pior e não o deixarem construir naquela zona "já tem destino para a utilização do terreno".

Tribunais não deram como provado a existência da linha de água

Segundo o projeto de construção a que a CNN Portugal teve acesso, um dos quatro blocos de apartamentos fica mesmo por cima desta linha de água. Esta não é uma decisão definitiva, mas dá alento aos moradores da zona. Os trabalhos que estavam a decorrer na área, e que foram identificados pela APA nas duas deslocações ao local, eram precisamente relacionados com esta situação.

A existência da linha de água, que podia impossibilitar parte da construção dos apartamentos, foi sempre um dos argumentos dos moradores. Chegaram mesmo a apelar ao juiz que teve nas mãos o primeiro processo, com cerca de 20 anos, que fosse ao local verificar isso mesmo. Com base em testemunhos de funcionários da autarquia de Alcobaça que negaram que a linha de água existisse, entre outros elementos, o facto foi dado como “não provado” pelos tribunais. 

Quando foi atribuída a licença de construção em 2004, a área de construção não estava incluída na Reserva Ecológica Nacional (REN), o que acabou por acontecer quase uma década depois. Todavia, ao abrigo dos direitos de construção já existentes, todas as entidades envolvidas no processo - incluindo a APA e a CCDR LVT (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo) - aceitaram excluir a área de construção da Reserva Ecológica que já tinha alvará atribuído. 

Mas esta inclusão em zona REN significa também que não é possível aos construtores fazer qualquer alteração ao projeto já aprovado pela autarquia.

De momento, as obras estão paradas devido a uma outra providência cautelar contra o despacho do presidente da Câmara Municipal de Alcobaça que permitiu o retomar das obras prolongando o prazo “de validade da licença” até outubro de 2024. Ou seja, há duas providências a correr termos na Justiça. Ainda nenhuma teve decisão.

"Não é uma invenção"

"Finalmente, e decorridos que são 20 anos, uma Entidade, com poderes de Estado, veio dar razão aos moradores, ou seja, a linha de água existe, não é uma invenção destes." É desta forma que Ana Vigarinho, advogada que representa os moradores da Pedra do Ouro, se refere à notificação da APA.

Em declarações à CNN Portugal explica que a linha de água foi um dos fundamentos usados no processo instaurado há cerca de 20 anos, mas que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria considerou apenas como provado que "existe no local onde se pretende construir um sítio mais húmido com vegetação característica destes locais como sendo o junco e canas" e que "no local onde se pretende construir existia um poço onde se verifica a existência de água e que a mesma escorre na arriba".

De alguma forma esta notificação dá alento aos moradores da zona porque "a APA veio reconhecer a existência da linha de água em causa, referindo que verificou existência de um curso de água que transporta caudais públicos no terreno em apreço, não navegável ou flutuável, pertencente à bacia hidrográfica das Ribeiras do Oeste".

Apesar desta notificação, a advogada reconhece que a situação não está resolvida e que vai aguardar o desenrolar das providências cautelares.

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