Estudo revela descobertas inesperadas - e complicadas - sobre a ligação entre álcool e demência - TVI

Estudo revela descobertas inesperadas - e complicadas - sobre a ligação entre álcool e demência

  • CNN
  • Sandee LaMotte
  • 12 fev 2023, 11:00
Álcool (imagem Getty)

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Limitar o consumo de álcool a uma ou duas bebidas por dia diminuiu as probabilidades de desenvolver demência, de acordo com um estudo que envolveu perto de quatro milhões de sul-coreanos.

No entanto, beber mais de duas bebidas por dia aumentou esse risco, segundo o mesmo estudo, publicado na revista JAMA Network Open.

"Descobrimos que um consumo ligeiro a moderado de álcool, bem como a redução do consumo de álcool do nível forte para moderado, estavam associados a uma diminuição do risco de demência", disse o principal autor do estudo, Keun Hye Jeon, professor assistente no CHA Gumi Medical Center, da CHA University em Gumi, na Coreia do Sul.

Mas não vá a correr comprar bebidas alcoólicas, avisam os especialistas.

"Este estudo foi bem feito e é extremamente robusto com 4 milhões de indivíduos, mas devemos ser cautelosos para não interpretar demasiado os resultados", observou o investigador da doença de Alzheimer, Richard Isaacson, neurologista do instituto de doenças neurodegenerativas da Florida [Institute for Neurodegenerative Diseases], nos Estados Unidos, que não esteve envolvido no novo estudo.

O consumo de álcool pode ser um fator de risco para o cancro da mama e outros, e o consumo excessivo pode contribuir para problemas digestivos, doenças cardíacas e hepáticas, hipertensão, AVC, e um sistema imunitário fraco ao longo do tempo, de acordo com os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA.

Existem também alguns alertas para a doença de Alzheimer. Por exemplo, se uma pessoa tem uma ou duas cópias da variante do gene APOE4, que aumenta o risco de desenvolver a doença, beber não é uma boa opção, avisou Isaacson.

"O álcool demonstrou ser prejudicial em pessoas com esse gene de risco - e cerca de 25% da população dos EUA tem uma cópia do APOE4", sublinhou.

Calcular o consumo de álcool

O novo estudo analisou os registos médicos de pacientes seguidos pelo serviço nacional de saúde sul-coreano (NHIS), que disponibiliza um exame de saúde gratuito duas vezes por ano aos cidadãos com 40 anos ou mais. Para além de fazerem vários testes, os investigadores perguntaram sobre os hábitos de cada pessoa em relação a beber, fumar e prática de exercício físico.

O estudo analisou os dados recolhidos em 2009 e 2011 e categorizou as pessoas pelos seus próprios níveis de consumo de álcool. Se uma pessoa disse ter bebido menos de 15 gramas de álcool por dia, foi considerada como bebedora "leve".

Nos Estados Unidos, uma bebida padrão contém 14 gramas de álcool, o que é aproximadamente o mesmo que 35 cl de cerveja, 15 cl de vinho ou 4 cl de bebidas destiladas.

Se os participantes no estudo dissessem aos médicos que bebiam 15 a 29,9 gramas por dia - o equivalente a duas bebidas padrão nos EUA - os investigadores classificavam-nos como bebedores "moderados". E se as pessoas dissessem que bebiam mais de 30 gramas, ou três ou mais bebidas por dia, os investigadores consideravam-nos bebedores "pesados".

Os investigadores também analisaram se as pessoas mantiveram ou alteraram a quantidade que bebiam entre 2009 e 2011, indicou Jeon.

"Ao medir o consumo de álcool em dois momentos, pudemos estudar a relação entre reduzir, parar, manter e aumentar o consumo de álcool e a incidência de demência", apontou.

A equipa comparou então esses dados com os registos médicos em 2018 - sete ou oito anos mais tarde - para ver se alguém tinha sido diagnosticado com demência.

Depois de ajustarem a idade, o sexo, tabagismo, nível de exercício e outros fatores demográficos, os investigadores descobriram que pessoas que disseram ter bebido a um nível leve ao longo do tempo - cerca de uma bebida por dia - tinham 21% menos probabilidades de desenvolver demência do que pessoas que nunca beberam.

E as pessoas que afirmaram continuar a beber a um nível moderado, ou cerca de duas bebidas por dia, tinham 17% menos probabilidades de desenvolver demência.

"É preciso ser cauteloso ao interpretar estudos que utilizam registos médicos. Eles podem estar repletos de desafios na forma como as doenças são codificadas e estudadas", alertou Isaacson. "Sempre que se pede às pessoas que se lembrem dos seus comportamentos, tais como beber, isso deixa espaço para erros de memória."

Perigos do aumento do consumo de álcool

O padrão positivo não continuou à medida que o consumo de álcool aumentava. As pessoas que bebiam muito - três ou mais bebidas por dia - tinham 8% mais probabilidades de serem diagnosticadas com demência.

Se os bebedores pesados reduziram o consumo ao longo do tempo para um nível moderado, o risco de serem diagnosticados com Alzheimer diminuiu 12%, e o risco de demência por qualquer causa diminuiu 8%.

No entanto, as pessoas não são muito boas a avaliar a quantidade de álcool que estão a beber, disse Isaacson.

"As pessoas não controlam verdadeiramente as suas doses de vinho, por exemplo", considerou Isaacson. "Podem pensar que estão a beber um copo de vinho de tamanho padrão, mas é na verdade um copo e meio de cada vez. Bebem dois desses copos e já terão bebido três copos de vinho. Isso já não é consumo leve ou moderado."

Além disso, muitas pessoas que se julgam bebedores moderados bebem apenas nos fins de semana. E o consumo excessivo está a aumentar em todo o mundo, mesmo entre os adultos, mostram vários estudos.

"Se alguém consumiu cinco bebidas no sábado e domingo, são 10 bebidas por semana, o que poderia qualificar-se como um consumo moderado de álcool. Mas, para mim, isso não é o mesmo que beber um copo de vinho cinco dias por semana com uma refeição, o que abranda o consumo", defendeu Isaacson.

O novo estudo descobriu também que começar a beber a um nível leve foi associado a uma diminuição do risco de demência por qualquer causa e de Alzheimer, "o que, tanto quanto sabemos, nunca foi relatado em estudos anteriores", escreveram os autores.

Contudo, "nenhuma das diretrizes de saúde existentes recomenda que se comece a beber álcool", disse Jeon, acrescentando que, uma vez que o estudo foi observacional, não se pode determinar qualquer causa e efeito.

"As nossas descobertas sobre o início de consumo moderado de álcool não podem ser diretamente traduzidas em recomendações médicas, justificando assim estudos adicionais para confirmar estas associações", argumentou Jeon.

Um estudo publicado em março de 2022 descobriu que apenas um copo de cerveja ou de vinho por dia pode encolher o volume do cérebro, com os danos a aumentar à medida que o número de bebidas diárias aumenta.

Em média, as pessoas entre 40 e 69 que bebiam um copo de cerveja ou um copo de vinho de 17 cl por dia durante um mês tinham cérebros que pareciam dois anos mais velhos do que aqueles que bebiam apenas metade de uma cerveja, de acordo com esse estudo.

"Nunca sugeri pessoalmente que alguém começasse a beber quantidades moderadas de álcool se fosse abstinente", disse Isaacson. "Mas não há realmente uma única abordagem para aconselhar um paciente sobre o consumo de álcool."

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