Câmara de Alenquer oferece vouchers de compras aos médicos. Oposição fala de fuga aos impostos - TVI

Câmara de Alenquer oferece vouchers de compras aos médicos. Oposição fala de fuga aos impostos

Médico

Proposta foi aprovada pela autarquia em reunião de câmara. Valor do voucher está relacionado com o número de consultas dadas pelos médicos. E, por isso, pode ser um rendimento “em espécie”. Câmara já gastou 3400 euros em vouchers este ano. Inspetor da AT ouvido pela CNN Portugal considera que “ofertas” devem ser declaradas pela autarquia e pelos médicos, para que se paguem os devidos impostos

A Câmara de Alenquer pôs em marcha uma estratégia que passa por "oferecer" vouchers aos médicos que trabalham ao sábado nas Unidades de Saúde. A situação está a gerar polémica no seio da autarquia com a oposição a falar de possível fuga aos impostos.

Foi no início de fevereiro, que o Município de Alenquer, em reunião de câmara, aprovou a atribuição de vouchers SONAE aos médicos que prestam serviço aos sábados no concelho. Estes vouchers permitem fazer compras em várias lojas, incluindo supermercados, daquele grupo.

Segundo a proposta a que a CNN Portugal teve acesso, esta é considerada  uma forma de “reconhecimento” por aquele serviço. Mas o valor da oferta aumenta consoante o número de horas feitas. Até 10 de abril a autarquia já tinha gastado 3400 euros nestes vouchers. Quanto mais consultas o médico realizar maior será o valor do voucher: 250 euros, para quem assumir até 10 horas em consultas, 300 euros para  os clínicos que cumprirem entre 11 a 20 horas e 350 euros aos que realizarem mais de 20 horas. A proposta prevê um encargo financeiro de 5 mil euros para suportar os gastos com estes vouchers.

A oposição na autarquia já questionou o presidente da Câmara Municipal de Alenquer, Pedro Folgado, sobre o tema. Numa reunião camarária, o PSD exigiu respostas sobre esta medida. Nuno Miguel Henriques, vereador social-democrata, confirmou à CNN Portugal ter interpelado Pedro Folgado por querer esclarecer se este "é ou não um pagamento em espécie que tem de ser sujeito ao pagamento de impostos", devido ao facto de a proposta fazer "uma associação entre o 'prémio' e o serviço dos médicos, contabilizando horas e consultas".

Já antes, numa Assembleia Municipal, a 23 de fevereiro, o deputado municipal do Chega tinha pedido explicações para se perceber se estes vouchers não podem ser considerados “fuga ao fisco”.

“Este tipo de compensação parece dúbia e uma potencial evasão fiscal”, diz à CNN Portugal o líder da bancada da assembleia municipal do Chega, João Paulo Tralha Arsénio.

Em causa está a ligação do pagamento ao número de horas de trabalho feita pelos médicos, o que, segundo os deputados, acaba por poder tornar este reconhecimento num “pagamento em espécie”. Segundo Nuno Barroso, inspetor da Autoridade Tributária adiantou à CNN Portugal isso parece ser o que se passa nesta situação. Ou seja, de acordo com as declarações do perito, a existência deste pagamento, mesmo em “espécie” pressupõe que os valores sejam declarados às Finanças tanto pela autarquia como pelos médicos, sob pena de poder ser considerado evasão fiscal.

 “A oferta’ está implicitamente relacionada com o exercício de trabalho, e deste é efetivamente dependente”, começa por explicar Nuno Barroso, avaliando a proposta aprovada e as condições de atribuição dos vouchers.

O também Presidente da APIT - Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira explica que embora aparentemente não exista uma relação contratual "parece que tal oferta, configurando uma vantagem económica para os ‘médicos’” assume-se como "rendimentos do trabalho dependente, mais concretamente ‘rendimentos em espécie’, e como tal tributáveis em sede de IRS”. Uma posição, garante, que se baseia no que a lei diz sobre este tipo de trabalho, nomeadamente: "Consideram- rendimentos do trabalho dependente”, as “remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídas na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica".

Já quanto à Segurança Social, sublinha Nuno Barroso, “os rendimentos em espécie estão excecionados da obrigação de retenção na fonte”. Além disso, como “no caso em apreço, não parecendo que venham a ter caráter de regularidade e por não se constituírem como um direito do trabalhador não estarão sujeitos a contribuições para a Segurança Social”.

Mas essa situação, avisa, não significa que não sejam declarados. “Caso os cartões não identifiquem o seu titular (o que parece ser o caso), deverá ser documentada tal oferta, identificando o beneficiário e o teor completo das ofertas (período a que respeita, o valor). Sendo que o município terá de apresentar à Autoridade Tributária, no início de 2024, um mapa em que todas estas ofertas estejam devidamente descritas”, acrescenta o Inspetor.

As obrigações fiscais estendem-se aos médicos, alerta ainda a mesma fonte. “De acordo com a informação disponibilizada, os médicos deverão proceder à inclusão na declaração de IRS a apresentar em 2024, e no Anexo A (rendimentos de trabalho dependente) dos valores que receberam em espécie. Tendo ainda em conta que caso tenham em 2023 recebido vouchers que dizem respeito a períodos temporais de 2022, os mesmos deverão ser incluídos nesse mesmo anexo a título de ‘rendimentos de anos anteriores’”.

TC analisa queixas sobre ação da autarquia

Os profissionais que eventualmente recebem os vouchers, já trabalham no Serviço Nacional de Saúde, que lhes paga todo o trabalho, incluindo aos fim de semana.

A CNN Portugal questionou o Tribunal de Contas (TC), já que é da sua competência, por exemplo, avaliar o uso de verbas públicas e foi informada de que há matéria relacionada com a Câmara Municipal de Alenquer que se encontra “sob reserva” neste tribunal. Todavia, por estar “sob reserva” não o TC  recusou indicar qual era o assunto.

Na verdade, o próprio presidente da Câmara de Alenquer, Pedro Folgado, confirmou na Assembleia Municipal de 23 de fevereiro, que estava a responder ao Tribunal de Contas, após ser questionado sobre o tema dos vouchers - entre outros assuntos - pelo deputado da assembleia municipal do Chega, João Paulo Arsénio. 

Pedro Folgado ressalvou, segundo as atas da reunião, que não tinha “qualquer problema em responder ao Tribunal de Contas ou ao Ministério Público”, acrescentando que, neste momento, as questões do TC surgem  na sequência de uma" série de queixas que foram feitas anonimamente”.

A CNN Portugal também questionou a Procuradoria-Geral da República sobre eventuais processos que poderiam estar a decorrer relativamente à Câmara Municipal de Alenquer, mas não obteve resposta em tempo útil. O mesmo sucedeu com Pedro Folgado, que nunca respondeu aos emails enviados pela CNN Portugal.

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