Quem é o exemplo de superação que impressionou até Sérgio Conceição? - TVI

Quem é o exemplo de superação que impressionou até Sérgio Conceição?

Alex Roca

Quando nasceu, os médicos disseram aos pais que tinha duas hipóteses: ou morria ou ficava no estado vegetativo. Durante a vida olhavam para ele e dizia 'coitadinho, que pena'. Garantiram-lhe que não conseguiria andar e que não poderia estudar. Hoje, apesar da paralisia cerebral e da incapacidade física, já está licenciado, tirou a carta de condução, conduz, dá palestras, escreveu um livro, casou-se e quer ter filhos. No último domingo até correu uma maratona: ele que já tinha feito quatro meias-maratonas e duas vezes a Titan Desert. É embaixador do Barcelona, é cara de marcas como a Nike e é sobretudo um campeão que não conhece limites.

A notícia correu mundo e chegou ao feed de Sérgio Conceição: Alex Roca Campillo, um atleta espanhol de 32 anos, completou no passado domingo a maratona de Barcelona.

O que é que isto tem de heroico?

Pois bem, tem tudo. Alex Roca cresceu com paralisia cerebral e 76 por cento de incapacidade física. Não fala e tem uma mobilidade do lado esquerdo do corpo muito reduzida.

Mesmo assim correu os mais de quarenta e dois quilómetros, a uma média de 7,8 minutos por quilómetro. O que foi, de facto, notável. Sérgio Conceição também deve ter pensado assim e juntou-se ao coro de aplausos que um pouco por todo o lado se uniram na homenagem.

«Nem tenho palavras... Desde pequeno que todos me diziam que não podia andar, que não podia estudar, não podia ter carta de condução, que não podia casar. Até os médicos me diziam que só tinha duas hipóteses: ou morria ou ficava em estado vegetativo», contou.

«Por isso, quando cruzo a linha de meta, despejo ali mesmo toda a raiva que tenho e dedico as vitórias que vou conquistando a todos aqueles que ao longo da vida me disseram não

Aos 32 anos já tem várias vitórias, de resto.

A maratona de Barcelona foi a última, e a maior. Antes disso, porém, já tinha corrido cinco triatlos, o primeiro dos quais em 2016: com um fato especial e uma máscara para o trajeto de natação, e uma bicicleta de três rodas para o ciclismo.

Também já tinha corrido um aquatlo e uma Pilgrim Race. Já tinha feito duas vezes a Titan Desert, em Marrocos, embora só à segunda tenha conseguido chegar ao fim: na primeira tentativa teve de desistir por desidratação.

Já tinha feito Barcelona-Madrid integrado no grupo que transportou a tocha olímpica e já tinha corrido quatro meias-maratonas (duas vezes Barcelona, Nova Iorque e Miami).

Mas quem é afinal Alex Roca?

Natural de Barcelona, nasceu em 1991 e aos seis meses de vida sofreu uma encefalite viral herpética que lhe provocou a paralisia cerebral e 76 por cento de incapacidade física.

«Basicamente é um herpes. Pode aparecer-te na pele ou no lábio, a mim apareceu-me no cérebro. Os médicos não davam nada por mim, disseram inclusivamente aos meus pais que era melhor se eu morresse. E, de facto, se tivesse nascido seis anos antes teria morrido. Nessa altura não existia o tratamento intravenoso que me administraram.»

Foi esse tratamento intravenoso, que na altura ainda estava em fase experimental, que permitiu a Alex Roca sobreviver e conseguir superar-se: o tratamento inovador travou as consequências que a encefalite viral herpética lhe provocou no cérebro.

«No hospital diziam que eu era um milagre, a joia da paralisia cerebral.»

«Ouvia coisas como coitadinho, que pena e isso magoava-me muito»

A sobrevivência não foi o fim da linha. Logo a seguir vieram as maiores dificuldades, conta Alex Roca, que teve de enfrentar o preconceito, a desconfiança e a rejeição.

«Comecei a ter consciência do meu problema na escola, porque via os meus colegas a falar e a andar melhor do que eu. Nessa altura pensava: Porquê a mim? Mas a verdade é que na escola nunca tive problemas. Sempre fui bem aceite pelas outras crianças», revela.

«Quando era pequeno tinha dois mundos: a escola e a família, por um lado, que era o meu mundo, o mundo onde me sentia bem, e depois a rua, o segundo mundo, onde toda a gente olhava para mim e apontava o dedo. Eu perguntava: Porque olham para mim, sou algum monstro? Ouvia coisas como coitadinho, que pena e isso magoava-me muito. Mas estes dois mundos, cada um à sua maneira, tornaram-me mais forte.»

O catalão diz que foi essencial perceber enquanto ia crescendo e amadurecendo que o ambiente em torno dele era favorável. A primeira coisa que os pais perguntaram quando souberam da doença, por exemplo, foi e agora o que podemos fazer por ele? O que mostra como a família lidou com a situação. Na própria escola, e mesmo só conseguindo comunicar através de linguagem gestual, integrou-se bem e fez um grupo de amigos.

«Se te sentires bem contigo mesmo e fores feliz, não importa o que os outros dizem.»

Por isso Alex Roca sempre quis fazer o que os outros miúdos faziam. Começou a jogar futebol, mas com o tempo percebeu que não tinha jeito e que os companheiros eram muito mais fortes, pelo que ao mais pequeno encosto o deitavam ao chão. Depois passou pelo ténis, passou pelo golfe, chegou até a tentar o esqui, mas nada disso o entusiasmava.

«Um dia, quando tinha 19 anos, estava no parque com os meus amigos e chegou um momento em que pensei: O que é que faço aqui todas as tardes? Tenho de aproveitar a minha vida, fazer alguma coisa grande. Via o meu irmão competir em triatlos e no princípio pensei que não podia fazer o mesmo, porque não sabia nadar e também não conseguia andar sozinho de bicicleta», sublinha.

«Até que um dia decidi comprar um fato de mergulho, uma máscara para não engolir água e uma bicicleta de três rodas. A partir daí aprendi que ninguém me pode dizer que não consigo fazer o que quer que seja. Eu é que sei se consigo ou não, e pelo menos vou sempre tentar.»

«Fui rejeitado em várias escolas de condução»

Apesar da paralisia cerebral e da incapacidade física de 76 por cento, Alex Roca terminou a licenciatura, tirou a carta de condução, casou-se e espera em breve ter filhos.

«Ao longo da vida disseram-me sempre que não poderia viver, não poderia andar, não conseguiria ter amigos, não conseguiria conduzir, não poderia estudar, não conseguiria casar. Fui rejeitado em várias escolas de condução. Eu pensava: Mas porque é que não posso conduzir, se adoro carros e sou o mais rápido nos karts? Até que um dia deixaram-me treinar com um carro automático, como o que eu conduzo agora. Foi brutal», revela.

«O mais difícil foi na faculdade. Queria tirar o curso de Integração Social e Reabilitação e disseram-me que não podia querer ser um integrador se eu próprio não estava integrado. Estudei, passei nas disciplinas todas e depois disseram-me que não me iam dar o diploma porque eu não conseguia falar oralmente e não conseguia mover uma cadeira de rodas...»

Hoje já tem o diploma, dá palestras motivacionais, escreveu um livro, representa marcas como a Nike e a Windsor e até é embaixador da Fundação FC Barcelona.

«Ninguém me pode dizer o que consigo ou não fazer. Tenho de tentar e se cair, aí sim, vou perceber se consigo ou não. E se não conseguir, talvez seja porque tenho de mudar a minha estratégia. E se me apetecer depois tento outra vez, e outra vez.»

Pelo caminho, o atleta conheceu a mulher da sua vida.

Chama-se Maria Carme, é tão adepta do Barcelona quanto ele, tem menos cinco anos e é licenciada em Educação Social. Conheceram-se durante uma palestra dele, a que ela assistiu.

No fim Maria Carme saiu da sala e telefonou à mãe, a dizer que tinha assistido à melhor palestra da sua vida e que tinha adorado a paixão com que aquele homem abordava exatamente as coisas que ela pensava. À noite enviou-lhe uma mensagem através das redes sociais.

«Quando tinha 14 anos comecei a ir àquelas festas típicas de domingo à tarde, via os meus amigos a conversar com raparigas e achava que eu nunca teria uma namorada porque tinha paralisia cerebral e só falava através da linguagem gestual. Até que um dia, no meio de uma conferência, um amigo me disse que a miúda da primeira fila estava a olhar muito para mim. Disse-lhe que era impossível», recorda Alex Roca.

«Nesse dia à noite ela enviou-me uma mensagem pelo Facebook. Era uma mensagem muito bonita e começámos a ser amigos. Até que chegou um dia em que lhe disse: Eu quero algo mais do que isto, se não quiseres é melhor pararmos de falar, porque não quero sofrer

A partir daí começaram a sair e a conversar por desenhos. O que não era fácil. Maria Carme foi então aprender linguagem gestual para comunicar com ele. Tornou-se tradutora dele, o que ainda faz hoje. Em palestras nas faculdades, reuniões de trabalho ou entrevistas.

«Ela é a minha voz. Não é uma coisa muito comum, mas é muito bonito, não acham? Quem mais pode dizer que o seu amor é a sua voz?»

«Quando vamos para hotéis, dão-nos camas separadas e falam como se fôssemos irmãos»

No entanto também na relação Alex Roca sentiu a descriminação.

«Quando vamos para hotéis, dão-nos camas separadas ou fazem comentários como se fôssemos irmãos. Não partem do princípio de que somos um casal. Mas aos poucos vamos mostrar ao mundo que a deficiência faz parte de todos e que toda a gente tem limitações.»

Talvez por isso, porque não existem pessoas mais normais do que outras, diz que sempre gostou de Ronaldinho Gaúcho e de Rafa Nadal, mas que ídolo mesmo, de verdade, é o avô.

«Ensinou-me a andar, ensinou-me a conduzir, deu-me o seu carro para ser o meu primeiro carro... Quando o vou ver, é a minha força. Um dos meus sonhos é que ele pudesse ver meu casamento, e viu, agora adorava que ele pudesse conhecer um dos meus filhos.»

Depois de correr a maratona de Barcelona, naquele que diz ter sido o desafio mais difícil para ele, garante que só lhe falta ser pai.

Esse é, aliás, o próximo desafio.

«Antes pensava que não poderia ser um bom pai, que se calhar ia obrigar o meu filho a ajudar-me, em vez de ser eu a ajudá-lo. Hoje acho que isso é mentira e que eu o posso ajudar. Além disso, posso transmitir-lhe alguns dos valores gigantescos que a vida me ensinou.»

Ser pai é um sonho forte, portanto, mas um sonho que vai ter de esperar: Maria Carme ainda não se sente preparada. Para ela têm que continuar a mudar o mundo mais algum tempo.

E mudar o mundo, de facto, é algo que fazem bem. Inspirar pessoas.

«O meu lema, que trago sempre comigo, é O limite quem o impõe és tu. Porque a verdade é mesmo essa. Ninguém te pode dizer que não consegues fazer uma coisa qualquer. Toda a gente tem uma história de vida, toda a gente tem uma limitação qualquer. Não podemos é sentar-nos no sofá e pensar que bom era se conseguíssemos aquilo», refere Alex Roca.

«Após estes anos, estou até emocionado por ter esta incapacidade. Foi ela que me permitiu entender que devemos aceitar as limitações e trabalhar as coisas boas que temos para lutar contra o mundo. Não me considero um exemplo em nada, mas acredito que se todos os dias colocar um grão de areia na montanha, no final da jornada posso ter criado um Everest.»

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