Cláudia amamentava na igreja quando foi abordada: "Ainda se vai arrepender", disseram. Diana foi criticada numa esplanada por amamentar a filha: "São todas umas descaradas". Já Sara Muralha recorda: "Na creche, sugeriram-me ir para uma sala para ter mais privacidade." Maria, ainda bebé, teve a mãe a ser aconselhada a cobrir-se porque "o doutor é homem". E as histórias não terminam aqui.
Quando uma mãe amamenta o filho num espaço público, os olhares estranhos são imediatos. Algumas mães sentem-se constrangidas, outras prosseguem e desvalorizam. E a pesquisa global da Philips evidencia essa tendência pelo mundo fora, com a análise de que duas em cada três mães dos 25 países analisados se "sentiriam mais seguras e confortáveis a amamentar em público se fosse considerado como 'normal'".
A conselheira de aleitamento materno Patrícia Paiva realça à CNN Portugal que, quer "seja mais explicitamente ou mais recatadamente, alimentar a criança com o melhor alimento que pode receber é recomendado e permitido por lei".
Todos os dias chegam até à conselheira de aleitamento materno várias mulheres que dizem que se sentem constrangidas ao amamentar em público. Normalmente, o motivo são “os comentários, olhares ou até sugestões para irem amamentar noutro sítio.”
Na maioria dos casos tentam "tapar enquanto amamentam". "Infelizmente é comum", esclarece. E afirmam que existe uma maior dificuldade quando amamentam com amigos e familiares do que em público evidenciando-se mais, a partir de um ano de idade. Isso acontece devido à ignorância das pessoas de que "é recomendado amamentar até, pelo menos, aos dois anos".
Sempre que surge alguma crítica, Patrícia Paiva recomenda, desde logo, que se tente informar as pessoas uma vez que, "muitas vezes, as críticas vêm do desconhecimento". Caso não resulte, existem outras vias menos simpáticas, assegura, como dizer que as “mamas são nossas” ou os “filhos são nossos”. "Lembro-me de uma mãe à qual disseram que o bebé já não devia mamar porque é um vício e ela respondeu 'vício é fumar e beber'", conta.
"Antigamente era mais normalizado amamentar em público, hoje em dia é algo mais recatado", diz. Mas para a conselheira de aleitamento materno é necessário voltar a "normalizar a amamentação". E por isso continua a amamentar fora de casa "como ato de ativismo de modo a mostrar que é normal".
A enfermeira Mónica Pinho informa que a decisão de amamentar "promove a saúde pública, sendo reconhecidas inúmeras vantagens para a criança, para a mãe, pai, sociedade e meio ambiente". Não se deve "substituir refeições de mama por biberão" e, caso seja necessário alimentar o bebé sem a mãe, é "preferível oferecer o leite materno através de uma colher ou por copinho", diz.
Para melhorar o período de amamentação em espaços públicos, a enfermeira aconselha as mães a utilizarem blusas para se sentirem menos expostas "se essa for a sua vontade", "optar por amamentar na posição de cavalinho, em que o corpo do bebé fica mais verticalizado e a mãe se sente mais empoderada" ou "procurar um espaço mais reservado se assim o preferir".
Diana Passos, 31 anos
“Estava numa esplanada perto de casa com a minha filha, e uma vizinha decidiu levantar-se (sem motivo aparente) e vir na minha direção - segundo as palavras da mesma - para me 'ajeitar, para eu não estar com o peito de fora porque os homens iam olhar'", relata Diana Passos, mãe de uma menina de pouco mais de um ano.
Após rejeitar essa ajuda porque, diz, “estava confortável”, a senhora levantou-se imediatamente da mesa da esplanada e "desatou a disparatar". Em seguida, começou a atacar gratuitamente a mãe de Eva. “São todas umas descaradas” e “depois não percebem porque é que levam porrada dos maridos!”, foram algumas das frases proferidas a Diana nesse dia.
Apesar de estarem algumas pessoas sentadas na esplanada, nada disseram ou fizeram perante o sucedido. Na altura recorda que "estavam dois senhores e a dona do café que encolheram os ombros e não comentaram a situação". "No fundo ignoraram", relembra Diana.
Perante os insultos, a mãe de Eva manteve-se calma, mas confessa que estava "alheiamente envergonhada por tal atitude, ainda para mais de uma mulher".
Sempre que amamenta em público, Diana Passos nota que existem vários olhares invasivos "principalmente das gerações mais velhas", lembrando que, por vezes, as pessoas até evitam olhar na sua direção. "Como se tivessem vergonha ou causasse incómodo o facto de algo tão fisiológico ser feito em público", explica.
Além disso, é recorrente que cheguem várias mulheres ao pé da bebé Eva "porque querem espreitar ou meter-se com a bebé". Outras vezes, afirma, "fazem comentários e observações à postura, ou à posição do bebé".
Contudo, nenhuma destas situações impediu que Diana continuasse a amamentar em público, até porque sublinha, "o bebé mama quando quer, não é como se tivesse um relógio, não escolhe quando tem fome".
No fundo, sente que, se as mães estiverem bem resolvidas com o assunto, tal como "é o meu caso", devem continuar a fazer exatamente tudo da mesma forma e sem receios. "Temos de ser a diferença para quem nos critica e temos de ser a geração que vai normalizar o que já deveria ser normal!", diz enfatizando a necessidade da normalização de algo "tão natural e fisiológico", remata.
Cláudia Soares, 31 anos
Foi numa igreja que, Cláudia Soares de 31 anos, foi criticada enquanto amamentava a filha Íris.
Era o dia do batizado de Íris, de dez meses e a família estava toda reunida na igreja quando “ela pediu maminha”, relembra Cláudia. A mãe não hesitou e deu. Mas assim que o fez “veio uma senhora que até hoje não sei quem é que começou a dizer para eu parar, alegando que não podia amamentar ali". Chegou até a dizer que "me ia arrepender" se o fizesse.
Depois da abordagem, Cláudia Soares começou a ficar nervosa, sentimento que acabou por desaparecer assim que olhou para a filha. "Percebi que ela estava tão serena”. Por isso, “disse-lhe para se meter na vida dela e continuei a dar maminha.”
Conforme a filha foi crescendo, conta que começou a aperceber-se que as pessoas à sua volta já não olhavam com os mesmos olhos para a amamentação que fazia em público. "E isso começou a deixar-me desconfortável, mas não deixei de o fazer", afirma.
Durante a gravidez sempre teve a noção de que queria amamentar mas sabia que podia não ser fácil. “Ao início não foi”, diz, sublinhando que apesar de ter ajuda, “nunca falaram da dificuldade que poderia ser amamentar em público.”
Agora, a filha tem quase três anos e Cláudia já não amamenta em público. Justifica que “não é pelo que as pessoas pensam ou possam dizer”, mas sim porque a filha já se vai apercebendo de muita coisa. Assim sendo, “não quero que se sinta triste ou não queira mamar, porque lhe dizem que já não é um bebé, por exemplo”.
A todas as mães que querem amamentar em público, a mãe de Íris deixa um conselho: não tenham problemas com isso, os nossos bebés são a nossa prioridade. Aliás, costuma dizer: " As mamas são minhas, faço o que quero".
“Se alguma vez ouvirem alguma coisa que não gostam, não tenham medo em responder. Só nós sabemos o melhor para nós e para os nossos filhos”, conclui.
Joana (nome fictício), 45 anos
"Cubra-se que o doutor está no serviço e vem vê-la. Ele é homem", disse uma médica à mãe de Maria, nome fictício atribuído à bebé.
Quando tinha dois anos, e "já comia benzinho", Maria preparava-se para o desmame natural, mas acabou por adoecer. Durante esse período, a única nutrição que recebia era soro e leite materno, pois não conseguia comer, conta a mãe, sublinhando que, na época, não tinha vergonha nenhuma de amamentar em frente a médicos e enfermeiros. "A Maria queria mamar e mamava".
Assim que ouviu o comentário da médica, a mãe Joana confessa que ficou "zangada", "incrédula" e até "um pouco confusa". "Tive pena que pensasse assim. Por mim, por ela e por todas as mulheres que já passaram naquele serviço." Aliás, diz, o médico "tinha na sua formação base pediatria", por isso "certamente já vira muitos corpos femininos."
"Dar mama não é motivo de vergonha. Não para mim, não para ela que é mulher e mãe, nem para o médico que também é pai e mamífero. A médica é muito boa médica e boa pessoa, mas uma mulher cheia de opiniões que precisava de mulheres como eu para lhe mostrar gentilmente que está tudo bem, sem vergonhas, sem medos!", explica. Após o incidente, Joana sentiu-se motivada a realizar a sua "primeira campanha pró-amamentação".
Agora, espera que quem passe por aquele hospital e "durma naqueles quartos ou passe naqueles corredores, já não tenha de ouvir opiniões que as tentem demover do mais básico da sua essência: ser mãe e dar vida".
Nos primeiros meses de vida da filha, Joana nunca se sentiu confortável a amamentar em espaços públicos. "Não tanto por má experiência pessoal, mas por insegurança", esclarece, lembrando que, "sempre que via alguma mãe a dar mama ao seu bebé estava sempre tapada com uma camisola ou uma fralda".
"Lembro-me de uma amiga dar mama num jantar e depois sentir a necessidade de pedir desculpa por o estar a fazer", mas, "isso nunca foi o nosso estilo" porque "aquele momento era demasiado nosso para partilhar com o mundo". Com a família ou amigas, confirma que não se importava de amamentar; já na rua, sentia "desconforto".
Sempre que vê uma mãe a amamentar, tenta fazer "uma troca de olhares" e dizer: “Que bom para as duas/dois, a minha também gostava muito de mamar”. Às vezes, conta, inicia-se um diálogo, outras vezes não, "mas é, à minha maneira, uma forma de normalizar aquele momento e dar força àquela mãe".
Sara Muralha, 33 anos
“Pode ir para uma sala para ter mais privacidade”, foi esta a sugestão dada a Sara Muralha enquanto amamentava.
Sara Muralha, de 33 anos, é professora de Português e conta que, “uma vez, o filho pediu, à saída da creche, para ser amamentado”. De seguida, “sentei-me numa cadeira e dei”.
Assim que tomou essa decisão, a diretora da creche demonstrou bastante admiração: “disse-me para ir para uma sala”. O motivo do aconselhamento, recorda, era para conseguir ter mais privacidade.
No entanto, respondeu que não havia essa necessidade e que se sentia confortável “já que aquele sítio era uma creche (logo, um local cheio de crianças) e portanto não haveria sítio mais indicado para amamentar”, explica.
“Não acho que tenha sido por maldade, mas vi a surpresa na cara desta pessoa, pois não é algo normal", relata.
Mas esta não foi a única vez em que foi abordada enquanto amamentava em público. Também uma mulher já chegou ao pé da mãe e disse que o filho já era muito grande para ser amamentado e que era necessário que se "cortasse para eles não ficarem viciados". No final acrescentou que, "mesmo não tendo filhos sabia bem o que dizia”. “Nem respondi”, conta.
Para além disso, algumas pessoas que têm confiança com a família, explica, normalmente dizem que "já é muito grande e dirigem-se diretamente a ele”.
Agora garante que está mais alerta em relação a quem a rodeia e tem sempre “um discurso preparado para o caso de alguém ser desagradável”. “Não tem sido necessário. Regra geral, o sorrir e acenar serve”.
Quando teve o seu filho, atualmente com quase três anos, o tópico da amamentação em público nunca foi um tema abordado pelos profissionais de saúde. Agora, aconselha às mães que não se preocupem com a opinião dos outros visto que “este momento é vosso e dos vossos filhos e ninguém tem o direito de interferir. “Quem não gostar, que feche os olhos”.
Mariana Amorim, 31 anos
“Quando alguém diz, então ainda mama? eu respondo claro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o bebé mame até aos dois anos.” Com a resposta “baseada em factos”, como a intitula Mariana, as pessoas remetem-se ao silêncio e “não dizem mais nada”.
Já com um filho de três anos e outro de oito meses, Mariana Amorim estuda agora para ser consultora de lactação. Ao amamentar em público, recorda que se deparou com várias “bocas e comentários”, no entanto tentou sempre desvalorizar e prosseguir.
Recorda ainda um momento em que estava a tirar uma foto na praia a amamentar o filho mais velho e muitas pessoas a olharam de lado. Na altura, isso não incomodou a jovem mãe: “Só me dá mais força para continuar a amamentar no futuro, quero normalizar porque é uma coisa mesmo natural".
"Sei de uma pediatra que foi abordada no Atrium Saldanha e o segurança disse 'não pode dar de mamar aqui'. Para a mãe, desabafa, não faz sentido que "os adultos possam comer em público e os bebés não".
O período de amamentação, conta, foi “difícil” e nenhum médico alertou para a dificuldade de amamentar em público. Agora, recomenda que todas as mães confiem no seu instinto e nos bebés. Além disso "devem saber que é normal que um bebé coma em publico, que maminhas são alimento, conforto e carinho e isso pode ser em qualquer lugar".