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«Português é racista amador»

Caetano Veloso veio a Portugal promover um novo disco e um novo livro. Mas aceitou falar também da «burrice» de George W. Bush e da importância de um pequeno país: «Portugal civilizou a Ásia, a África e a América. Falta civilizar a Europa». É contra o acordo ortográfico, lê mais do que ouve música e diz que o que lhe dá mais prazer é «cantar»

Caetano Veloso disponibilizou algum do seu tempo para falar com uma reduzida assistência de cerca de cem pessoas. Entre espectáculos em Lisboa e no Porto, inseridos na apresentação do seu último álbum (Cê), o baiano foi até à Fundação de Serralves falar sobre Portugal, Estados Unidos, política, utopias, frustrações e, ah, também alguma música, para além de cinema, claro.

O motivo, aliás, era a apresentação do seu último livro, «O Mundo não é chato», que reúne 90 textos escritos entre 1961 e 2005, editado pela Quasi. Uma faceta diferente do músico que nos habituou aos sussurros românticos, às perversões ou às provocações sempre bem ritmadas. Mas Caetano não considera que tenha resvalado para o ensaio, como Chico Buarque resvalou para o romance e Gilberto Gil para a política. «Não sei se posso dizer isso. Continuo a não achar nada sobre os meus textos, embora neste livro tenha alguns muito bons, como o do Orfeu», gracejou, pausadamente. Ele, que tem de depender de amigos para este tipo de colectâneas: «Sou totalmente desorganizado».

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Caetano não é nenhum chato, mas o mundo será? «Ultimamente a coisa que mais me dá mais prazer é cantar, porque o mundo é mesmo muito chato». Está respondido.

Nesta digressão, «a mais longa de todas», não tem escrito «nada», por isso o livro Verdade Tropical continua a ser um marco, agora que comemora dez anos de publicação. Mas «não pode ser colocado ao lado de outros grandes textos», como chegou a ser feito por alguns especialistas. Aos 64 anos, o quinto filho de Dona Canô, irmão de Maria Bethânia, não tem nada a esconder ao mundo.

Só lamenta alguma falta de consideração. «A música popular é difícil. Não há razão para haver mais respeitabilidade por Bergman do que por Chico Buarque ou por Fellini em vez de Cole Porter», disse, considerando que «para ser pretensioso o ideal é ser cineasta». A provocação continua: «Gostava de ser professor, mas preferia fazer filmes. Aliás, muitos dos meus shows e dos meus discos são como filmes».

Na intimidade

Durante a hora e meia partilhada com Caetano foi possível chegar a frases tão reveladoras como esta: «Leio mais do que ouço música. Não fico o tempo todo a ouvir música, porque prefiro ler». Isto, dito por um cantor, parece estranho, mas acaba por afirmar um estilo muito próprio, de total desassombro. De quem acreditou nas utopias dos anos sessenta. De quem achava que «ia mudar o mundo».

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Ele não esconde. «Sou de esquerda». E por isso gostava que Barack Obama vencesse as eleições americanas, «o que não vai acontecer, porque vai dar para a Hillary Clinton». Não será mau, porque «pior do que Bush é impossível». «O problema de Bush é burrice mesmo», disse com graça e sinceridade, depois de ter considerado que a única revolução que teve real efeito foi a americana, que «permanece até aos nossos dias».

A ponte para Portugal foi feita através da Europa. «Uma das coisas mais reaccionárias do mundo é o ódio aos Estados Unidos. E a Europa tem de aprender com isso». Para o nosso país, um carinho especial: «Português é racista amador. Noutros países, os pretos estão de um lado e os brancos do outro. Vejam o Brasil: é um confusão danada. Eu gosto disso», frisou, passando a citar Agostinho da Silva: «Portugal civilizou a Ásia, a África e a América. Falta civilizar a Europa». Se possível «com a ajuda do Brasil»...

Quanto ao acordo ortográfico, afirmou-se frontalmente contra, pois considera que «o grande lance da língua portuguesa pode ser provar que não é preciso dominar para mudar», embora seja «cada vez mais importante haver uma convergência cultural entre os países de língua portuguesa».

Perspectivas quase sempre alegres, mas muito ponderadas, de alguém que só costuma mostrar a face do cantor, mas que desta vez aceitou abrir um pouco mais o livro dos seus pensamentos mais profundos.

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