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IndieLisboa: domínios fechados

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«Una Semana Solos», Celina Murga, Argentina, 2008 «The Happiest Girl in the World», Radu Jude, Roménia, 2009

Na sexta-feira, vimos estes dois filmes, que estão em competição (internacional) de longas-metragens do Indie Lisboa`09 - vão ser projectados mais uma vez. São obras interessantes, muito trabalhadas, muito esforçadas e muito presas a uma ideia, distinta e comum em simultâneo, o que as fortalece.

Trata-se de uma ideia formal, comum, a de trabalhar os efeitos do tempo numa situação fechada, situação que é humanamente nova e reveladora de um certo estado do mundo: um grupo de crianças e adolescentes uma semana em casa, num condomínio fechado de luxo, na Argentina, na companhia da empregada, com os pais fora - em «Una Semana Solos»; e uma rapariga, mais a sua mãe e o seu pai, num dia de filmagens de um anúncio a uma bebida, a contrapartida de ter ganho um automóvel com o envio de cupões - em «The Happiest Girl».

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Trata-se de uma ideia formal, distinta agora, porque Celina Murga filma muito perto dos corpos, em movimento, tornando sensível os efeitos cumulativamente tensos da situação de isolamento das crianças naquele espaço e das suas relações sempre algo tolhidas - Celina Murga quer conhecer, gosta das suas personagens, daqueles corpos, daqueles espíritos; e porque Radu Jude, depois da viagem até ao local das filmagens, em Bucareste, filma em planos de conjunto, normalmente muito povoados, distanciadamente, marcando o seu olhar irónico - Radu Jude parece já saber tudo antes de filmar e quase não gosta (digamos assim) das suas personagens.

Estes filmes trabalham imediatamente sensações e toda a sua duração consiste no enrolar e no desfiar dessas sensações: a tensão numa atmosfera aparentemente pacífica e, digamos, de beleza cuidada - a das crianças no condomínio fechado, em «Una Semana Solos», um pouco ao estilo de «O Deus das Moscas» (William Golding), mas não com a mesma linha de queda; e o desconforto nos corpos, o calor, a dor de barriga, as roupas apertadas, etc. - em «The Happiest Girl». Sem isto, sem estas ideias formais e sem o trabalho de apresentação imediata de uma sensação que se intensifica, claro está que estes filmes não teriam interesse nenhum, apesar de todo o esforço e de todo o trabalho pressuposto, seja com o grupo de crianças, na casa de «Una Semana Solos», seja com os planos constantemente povoados de vários agentes de mil e uma acções (as da rodagem publicitária). Ficámos a conhecer dois cineastas com força, tenazes a defenderem a sua ideia, e que muito prometem com estas longas-metragens iniciais (segunda, no caso de Celina Murga; e primeira, no caso de Radu Jude).

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No caso do trabalho de Radu Jude, um filme que não convém ver cansado, o que às vezes acontece ao espectador mal dormido de um Festival, o excesso caricatural não nos tocou, e aí, por vezes, Radu pareceu-nos cair na auto-complacência. Mas revela um poder de imagem às vezes brutal: cada novo plano começa sempre de uma maneira fulminante - o que vai sendo quebrado, sentimos isso, com a sua duração. No caso do trabalho de Celina Murga, há uma maior atenção à composição, de molde a que se pressinta algo que não está visível - neste sentido, o trabalho de Murga é superior ao de Jude, que tende a ficar mais preso nas malhas da significação.

É curioso verificar como a montagem «desaparece» nestes dois filmes - talvez se compreenda, e não estamos em condições de assegurar se isso está mais perto da sua força ou da sua fraqueza. À parte outras coisas (por exemplo, a presença doce e complexa de duas das personagens femininas de Celina Murga), estes filmes trouxeram-nos «a» Argentina e «a» Roménia e isso foi muito bom - sim, isso cremos que sim.

*Críticos de cinema

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