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GodBye: 10 histórias alternativas para a lenda de Zlatan

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Genial, contraditório, provocador, único. Ele andou nisto duas décadas e meia, desde que despontou no Malmoe, ainda no século passado. Aos 41 anos, o avançado dos golos mágicos decidiu que chegou a hora de parar. Até nisso surpreendeu

«Quando acordei chovia. Pensei: ‘Deus também está triste’. Não tinha contado a ninguém. Nem mesmo à minha família. A emoção era demasiado forte. Parecia um zombie, não falava nem brincava. Há três meses teria ficado em pânico, agora aceito

Zlatan explicou assim na sala de imprensa a decisão que tinha anunciado momentos antes em pleno relvado de San Siro. Já se sabia que seria o seu último jogo pelo Milan, mas ele decidiu que era mais do que isso e que usaria aquele momento para anunciar o ponto final na carreira. Aos 41 anos, chegou a hora da despedida para o homem dos golos mágicos, o avançado das mil vidas.

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Genial, contraditório, provocador, único. Ele andou nisto duas décadas e meia, desde que despontou no Malmoe em 1999. Ainda no século passado. Nove clubes, sete campeonatos, 988 jogos e 573 golos, trinta troféus. Fugiu-lhe sempre, até ao fim, a Liga dos Campeões, ele que é o único a ter jogado a competição por sete clubes diferentes.

A carreira de um dos grandes jogadores das duas primeiras décadas deste século tem histórias sem fim. Grandes golos, a rebeldia à solta em campo e fora dele, polémicas e bravatas do homem que nunca perdia a oportunidade para se comparar a Deus, no misto de ironia e provocação da personagem que criou e alimentou. Por isso faz sentido a faixa gigante com que San Siro o recebeu na despedida: «Godbye.» Zlatan é marca registada e já contou a sua história de muitas formas, em livros e filmes. A acompanhar um percurso irrepetível, dez episódios alternativos dessa história. 

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Zlatan, o «novo Osmanovski»

Novo quem? Pois. No final dos anos 90, Yksel Osmanovski era um promissor avançado sueco que se destacou no Malmoe e deu o salto para a Serie A. De origem macedónia, cresceu em Rosengard, o mesmo bairro de Ibrahimovic. Quando Zlatan começou a dar nas vistas no Malmoe, as comparações na imprensa foram imediatas. Osmanovski, quatro anos mais velho, era uma das referências de Ibra e dos miúdos do bairro, contou o próprio Zlatan. E teve um papel no percurso do jovem avançado problemático, que cresceu num ambiente social e familiar difícil. Preocupado com o rumo de Zlatan, que numa época tinha faltado a 350 horas de aulas na escola, Bengt Madsen, então dirigente do Malmoe, pediu a Osmanovski que falasse com ele. Uma dessas conversas é mostrada no documentário sueco Becoming Zlatan, de 2016, que reuniu um conjunto precioso de imagens daquele tempo. Osmanovski jogou no Bari e no Torino e teve ainda uma passagem pelo Bordéus, antes de voltar ao Malmoe e se desligar por completo do futebol, dedicando-se ao ramo da construção e imobiliário. Mas foi uma das primeiras referências de Ibra, que tinha como grande ídolo, quando jovem, o brasileiro Ronaldo.

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Zlatan a ser Zlatan em Malmoe e show time em La Manga

No Malmoe, já lá estava boa parte do que seria Zlatan. O potencial, a arte de inventar golos incríveis. Também a arrogância, dizem os companheiros de equipa. «Quando o treinador nos chamava para treinar ele nunca obedecia, ficava na dele, na conversa, a ouvir música. Como capitão tive de falar com ele para tentar enquadrá-lo, mas não consegui», recordou em tempos o então capitão Hans Mattisson. Ibra também diz que não teve vida fácil e recordou um dia em que, depois de um incidente em que agrediu um companheiro, o pai do miúdo, polícia, promoveu um abaixo-assinado para o expulsar do clube. Mas o talento foi sempre mais forte. Como naquela tarde em La Manga, quando o Malmoe defrontava os noruegueses do Moss num torneio de pré-época e Zlatan inventou um monumento em forma de golo. Nos festejos, saiu a gritar. Acharam que ele dizia «Zlatan, Zlatan». Mas não. Ele explica: ‘O que eu disse foi show time’. Tinha 19 anos e na bancada estavam o treinador do Ajax, um tal de Co Adriaanse, e o diretor desportivo, Leo Beenhakker. E pronto, no verão seguinte Zlatan seguiu para Amesterdão.

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O escorpião no Dragão e a atribulada história com a Suécia

Ibrahimovic podia ter representado várias seleções, mas foi a Suécia que escolheu. Estreou-se em 2001, passou discreto pelo Mundial 2002 e a 18 de junho de 2004 presenteou o Estádio do Dragão com o pontapé de escorpião para a lenda no jogo da fase de grupos do Euro 2004 frente à Itália. Foram mais de 22 anos com a camisola da Suécia. A relação foi tudo menos tranquila. Ibra abandonou várias vezes, despediu-se, voltou. Pelo meio, deixou momentos eternos. Como a bicicleta à Inglaterra, em novembro de 2012, que lhe valeu o Puskas. É o mais memorável dos golos acrobáticos de Zlatan, o futebolista que também era craque nas artes marciais, cinturão negro honorário de taekwondo. Também houve aquele play-off com Portugal para o Mundial 2014, naquela que foi anunciada como uma batalha entre Zlatan e Cristiano Ronaldo. Marcou dois golos para adiar a festa portuguesa na exibição de sonho de Cristiano em Solna, mas não chegaram. «Um Mundial sem mim não vale a pena», atirou no fim. Não voltou a um Mundial, ele que deixou a seleção depois do Euro 2016 e tentou sem sucesso regressar quando a Suécia se qualificou para o Mundial 2018. Mas não era o fim da história. Em 2021 voltou a jogar pela seleção, pela primeira vez em cinco anos. Ficou fora do Euro 2020, com problemas físicos, depois a Suécia falhou o Mundial 2022. Mas Ibra continuou. Fez o último jogo pela Suécia em março deste ano e despede-se como o melhor marcador de sempre do seu país, com 62 golos em 122 jogos.

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O golo à Itália no Euro 2004

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O golo à Inglaterra em 2012

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«Ameaçava partir as pernas a toda a gente»

O Ajax foi o palco da afirmação internacional de Ibrahimovic. Foi lá que se estreou na Liga dos Campeões, com um bis frente ao Lyon, foi duas vezes campeão neerlandês. Também foi lá que revelou todo o mau feitio, com expressão máxima no diferendo com Van der Vaart. Uma entrada dura de Ibrahimovic num particular entre a Suécia e os Países Baixos deixou o companheiro de clube em mau estado. Van der Vaart acusou Ibra de ter feito de propósito para o lesionar e a polémica arrastou-se para o Ajax, com uma reunião entre toda a equipa que acabou com Zlatan a dizer a Van der Vaart que se ele voltasse a falar à imprensa lhe partia as duas pernas. Muito mais tarde, Van der Vaart confirmou a história, na FourFourTwo: «Sim, ele disse que me partia as pernas. Mas ele dizia isso a toda a gente.» É um de muitos incidentes em campo com adversários que também fazem parte do currículo de Ibra. Sempre a fazer amigos.

O «rapaz humilde» de Capello a ver vídeos de Van Basten

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Também há um golo-bandeira no Ajax a fazer a transição para o passo seguinte: o slalom a solo num jogo com o NAC Breda no início da época 2004/05. 

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Seguiu-se a primeira experiência em Itália. Com a camisola da Juventus, Ibrahimovic tornou-se um avançado mais letal, moldado por Fabio Capello. O treinador italiano estava seduzido pelo potencial de Ibra, mas viu pontos a melhorar. «Tinha as mesmas aptidões técnicas do Van Basten e eu fi-lo ver alguns vídeos dele para melhorar a finalização. Disse-lhe para ver os movimentos do Van Basten na área e a forma como ele marcava golos. O Ibra apanhou tudo logo», contou Fabio Capello, a concluir com palavras que dificilmente ouviremos de mais alguém quando fala de Ibrahimovic: «É um tipo muito humilde e trabalhava todos os dias para melhorar. Também tem orgulho em si próprio, adora ser o melhor.» A admiração é mútua. Há uns tempos, Ibra publicou uma imagem com Capello nas redes sociais, com a legenda «A pessoa que mudou o meu jogo».

Mourinho, Zlatan e a substituição que não aconteceu

Ibra venceu dois scudettos em Turim, mas a relação acabou quando rebentou o escândalo «Calciopoli» e a Juventus desceu à Serie B. Zlatan mudou-se para o Inter, onde viveu talvez a melhor fase da sua carreira, ao lado de Luís Figo, depois Maniche e também Quaresma. E sob o comando de José Mourinho, na última temporada. A química com o treinador português foi imediata, mesmo quando as personalidades dos dois chocaram. Em maio de 2009, já com o scudetto garantido, Ibra ainda corria pelo troféu de melhor marcador. Mas naquele jogo com o Siena os golos não saíam, ainda por cima Balotelli marcou um golo quando podia ter-lhe passado a bola e Zlatan pediu para ser substituído. Mourinho fingiu que não percebeu. Fez três substituições, uma delas para sair Figo. Até de guarda-redes trocou. A expressão de irritação de Zlatan é um tratado. Mas o facto é que ainda marcou um golo nesse jogo, mais três até ao fim da época e foi mesmo o capocanniere. «Tive medo que ele decidisse sair do campo por sua conta», admitiu Mourinho no final. Mais tarde, o português contou mais sobre aquele momento: «Ele estava muito irritado quando veio ter comigo, a gritar: ‘Somos campeões, ajudei-nos muito a ser campeões e agora ninguém me ajuda. Quero sair.' Mas eu fingi que não percebia. Disse: ‘O quê? Queres beber, queres água?’ E atirei-lhe uma garrafa. Uns minutos mais tarde ele marcou um belo golo.»

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Barcelona, Guardiola e Mourinho que o avisou

No verão de 2009, Ibrahimovic não resistiu ao apelo do Barcelona, na ilusão de vencer finalmente a Liga dos Campeões. Mal imaginava. Mas Mourinho diz que o avisou. «Disse-lhe: ‘Estás a dar o passo errado. Achas que vais lá para vencer a Liga dos Campeões e nós é que vamos vencer a Liga dos Campeões», contou o português à Skysports, a falar da conversa que teve com Ibra em Los Angeles, quando este lhe disse que ia sair. Pois bem, sim. O Inter venceu mesmo a Liga dos Campeões e Ibra ficou a remoer uma passagem por Camp Nou marcada pela má relação com Pep Guardiola. O treinador catalão é o maior ódio de estimação de Zlatan, que nunca perdeu uma oportunidade para embirrar com ele, chamando-lhe cobarde ou egocêntrico, entre outros mimos. As coisas chegaram mesmo a azedar entre os dois. Ao fim da primeira época, Ibra forçou a saída para o Milan e terá mesmo ameaçado agredir Guardiola se não o deixassem sair.

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Rei de Paris e copos com Ancelotti

Foram felizes as duas épocas que passou no Milan, mas depois rumou a Paris, como bandeira do arranque do megalómano projeto do PSG. No banco estava Carlo Ancelotti, outro treinador que ficou no coração de Ibra. Outra história que diz muito sobre Zlatan e também sobre Carletto. Um dia, Ibra estava a jantar com outros jogadores do PSG e à uma da manhã decidiu ligar a Ancelotti, para se juntar a eles. E Ancelotti foi. Esta história foi contada pelo treinador português Jorge Simão ao Maisfutebol. Ao longo de quatro temporadas Zlatan foi rei em Paris. Ganhou quatro campeonatos, marcou 156 golos em 180 jogos. Superou o português Pauleta, tornou-se o melhor marcador de sempre do PSG. Em maio de 2016, teve uma despedida em campo à altura do momento. «Cheguei como um rei e parto como uma lenda», disse.

Da Premier League a Los Angeles: «You're welcome»

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Com o passe na não, o destino seguinte de Ibrahimovic foi a Premier League. No Manchester United reencontrou-se com José Mourinho. Na primeira época jogou com regularidade e participou na campanha da conquista da Liga Europa, embora uma lesão nos quartos de final o tenha afastado dos jogos decisivos. Teve muito menos espaço na segunda época e em março de 2018 voltou a mudar. Agora para rumar aos Estados Unidos. Apresentou-se com um anúncio de página inteira no jornal. «Dear Los Angeles, you’re welcome.» Com a camisola do LA Galaxy, Zlatan voltou a ser Zlatan, a brilhar sobre a MLS. Marcou 22 golos em 27 jogos na primeira temporada, 31 em 31 partidas na segunda, deixou momentos memoráveis. Depois, partiu, deixando nova mensagem com a sua assinatura. «Queriam o Zlatan, dei-vos o Zlatan. De nada. Agora voltem lá a ver basebol.»

«Dores todos os dias», a experiência e o legado para Leão

Ainda não era o fim da história para Zlatan. O último capítulo seria o regresso ao Milan. Primeiro para ficar seis meses, depois prolongando uma ligação em que se viu num papel diferente, mas crucial no ressurgimento do clube, coroado com a conquista do scudetto em 2022. A experiência e a liderança de Ibrahimovic foram exemplo para os mais novos – entre todos o português Rafael Leão, que o vê como um «irmão mais velho» e que no domingo, na hora da despedida de Ibra, fez questão de sair do relvado para o abraçar. Ibra não queria abandonar, embora já admitisse que lhe era penoso treinar. «Todos os dias, quando acordo, tenho dores em todo o lado», dizia em novembro de 2021 ao Guardian. A morte do amigo e empresário de toda a vida, Mino Raiola, também o abalou. Ainda agora o lembrou, no anúncio do fim da carreira. «Quando ele partiu tudo mudou, deixei de ter ao meu lado a pessoa com quem falava sobre tudo. Se dependesse do Mino ainda continuaria a jogar, porque ele teria querido a comissão», atirou na sala de imprensa, sorrindo, antes de olhar para cima: «Desculpa, Mino, mas é verdade.»

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