A venda de 56 por cento da Jerónimo Martins pelo seu principal accionista, a família Soares dos Santos, a uma filial holandesa pode estar parcialmente relacionada com uma derrota na justiça perante as autoridades fiscais no ano passado. A opinião é de dois fiscalistas.
A 15 de Fevereiro de 2011, o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) deu razão ao fisco num processo contra a Recheio SGPS, uma das empresas do grupo Jerónimo Martins (JM). Em causa, a aplicação por parte da Administração Fiscal da cláusula geral anti-abuso prevista na Lei Geral Tributária.
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Os fiscalistas António Carlos Santos (antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais) e Rita Calçada Pires (professora universitária), em declarações à Lusa, referiram ambos o caso como podendo ter contribuído para a decisão da família Soares dos Santos.
«Curiosamente ou não», a empresa envolvida nesse processo era a Recheio SGPS, empresa do grupo JM, disse Calçada Pires à Lusa. António Carlos Santos mencionou o acórdão como «um factor que pode ter influenciado a decisão».
Segundo o fisco, a Recheio tratou juros recebidos (que teriam de pagar IRC) como dividendos (que estavam isentos).
Entre as sociedades envolvidas nessas operações, que decorreram em 1996 e 1997, estavam a PSQ e a Hermes (com sede na Zona Franca da Madeira), a Mont Blanc (com sede na ilha de Jersey) e a Eurocash (com sede em Roterdão).
As autoridades fiscais exigiram à Recheio o pagamento de cerca de 21 milhões de euros. A Recheio recorreu da decisão e do pagamento exigido pelo fisco, em dois processos paralelos.
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No acórdão de 2011, o TCAS rejeitou o recurso da Recheio quanto à aplicação da cláusula anti-abuso.
Na demonstração de resultados trimestrais de 31 de Março de 2011, a JM reconhece que a decisão do TCAS significa que «a Administração Fiscal efectuou uma inspecção válida».
«Não obstante, a Recheio continua a considerar que a requalificação fiscal dos seus dividendos não tem qualquer validade, razão pela qual mantém a impugnação judicial contra as liquidações emitidas, considerando que o referido acórdão nada tem a ver com a matéria de facto em discussão na impugnação», lê-se no documento.
Ou seja, apesar do acórdão, a JM continua a considerar que lhe assiste razão no caso e que não terá de pagar os 20,888 milhões de euros.
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