A equipa médica que tem acompanhado Vincent Lambert, enfermeiro francês em estado vegetativo devido a um acidente rodoviário que sofreu em 2008, desligou esta segunda-feira as máquinas de suporte de vida que garantiam a alimentação e hidratação do doente. A decisão, contestada por parte da família, foi o culminar de anos de batalha jurídica que os pais de Lambert prometem não abandonar: ainda no domingo, divulgaram uma carta aberta ao presidente francês dizendo que, "em 2019, ninguém em França morre de fome e sede". "Deixem o meu filho viver", pediu a mãe, Viviane, de 73 anos. Ela e o marido, Pierre, de 90 anos, lideraram um grupo de cerca de 200 pessoas que se concentraram frente ao hospital Sebastopol de Reims, onde Vincent está internado. Lambert acabou por tornar-se um símbolo do debate sobre a eutanásia em França e o caso está a dividir o país.
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Vincent Lambert, de 42 anos, está hospitalizado desde 2008. Em abril de 2013, o hospital, com o consentimento de Rachel, a mulher de Vincent, colocou em marcha o protocolo de fim de vida - em França, a eutanásia é proibida, mas os médicos podem administrar uma sedação profunda a um doente terminal, desligando-o das máquinas de suporte vital. Porém, os pais por quatro vezes recorreram da decisão das mais altas instâncias dos tribunais, que confirmaram a decisão dos médicos e da mulher de Lambert de deixá-lo morrer; também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, chamado por duas vezes a pronunciar-se, deu razão aos especialistas e a Rachel Lambert. Duas equipas médicas concluíram que o estado vegetativo de Lambert era irreversível.
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No passado fim de semana, os advogados dos pais pediram ao presidente Emmanuel Macron para que fosse mantido o tratamento do filho, classificando a morte de Vincent Lambert como um "crime de Estado e golpe no Estado de Direito". Escreviam ainda: "Senhor presidente, Vincent Lambert vai morrer sem hidratação na semana de 20 de maio se não fizer nada e você é o único que ainda pode intervir". Macron não respondeu logo, mas acabou por fazê-lo a cabeça de lista às europeias do partido de Macron - o La République em Marche -, Nathalie Loiseau: "O presidente da República não quer ir contra as decisões da justiça".
Já esta segunda-feira, o presidente francês escreveu um longo texto, que publicou nas redes sociais: "Como qualquer um de vós, estou profundamente tocado pela situação de Vincent Lambert", começou Macron. "Como cidadão, segui o acidente dele em 2008 e a situação desde há dez anos. Como homem, como todos os franceses, interroguei-me opr mim, pelos que me são próximos". Mas assinala: "Como presidente da República, não me cabe suspender uma decisão que resulta da apreciação dos médicos e que está em conformidade com as nossas leis. Mas cabe-me compreender a emoção suscitada e reponder-vos". Macron continuou então dizendo que todos os médicos concluíram que o estado de Lambert era irreversível e que se apercebeu de uma "angústia" em pano de fundo: "aquela de que, em França, podemos decidir de forma arbitrária a morte de um cidadão. É precisamente porque não é esse o caso, no nosso país, de haver lugar para a arbitrariedade, que não tenho de me imiscuir na decisão", afirma o presidente, que conclui o texto dizendo: "Devemos hoje uma coisa a Vincent Lambert e à sua família: o respeito da sua intimidade e da sua dor".
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Os pais de Lambert anunciaram ainda no domingo que vão entrar com três novos recursos nos tribunais, mas os especialistas estimam que o enfermeiro pode vir a morrer dentro de uma semana. "Vincent não terá fome nem sede, vai morrer naturalmente em alguns dias", explicou à AFP Bernard Devalois, especialista em cuidados paliativos. "As pessoas confundem a sede e a secura na boca. No caso de Lambert, não há sensação de sede: para ter sede é preciso ter consciência", garantiu.
O enfermeiro deverá morrer vítima de falência múltipla dos órgãos, que deixarão de funcionar com o final dos tratamentos. O papel dos rins é fundamental: no caso de insuficiência renal, o potássio irá acumular-se no sangue, acabando por provocar a paragem cardíaca. Até ao último dia, os médicos continuarão a assegurar cuidados básicos ao doente, nomeadamente massagens, colocando-lhe compressas húmidas na boca e gotas para humedecer os olhos, procurando minimizar qualquer sensação de desconforto que possa sobrepor-se à sedação.
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