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A Rússia pode perder esta guerra

NOTA DO EDITOR | Timothy Snyder é professor de História e Assuntos Globais Richard C. Levin na Universidade de Harvard e autor de “Bloodlands,” “Black Earth,” “On Tyranny” and do prestes a ser publicado “On Freedom.” As opiniões expressas neste comentário são suas

Esta quinta-feira, a Rússia celebra o Dia da Vitória, a sua comemoração da derrota da Alemanha Nazi em 1945. A nível interno, há nostalgia. Nos anos 1970, o líder soviético Leonid Brezhnev criou um culto da vitória. A Rússia de Putin deu continuidade a esta tradição.

Lá fora, há intimidação. É suposto pensarmos que a Rússia não pode perder.

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E demasiados de nós, durante a guerra de agressão da Rússia na Ucrânia, acreditámos nisso. Em fevereiro de 2022, quando a Rússia deu início à sua invasão de larga escala do país vizinho, o consenso era de que a Ucrânia iria cair no espaço de dias.

Mesmo hoje, quando a Ucrânia se tem aguentado há mais de dois anos, a visão prevalecente entre os amigos da Rússia no Congresso norte-americano e no Senado é que a Rússia tem eventualmente de ganhar. O sucesso de Moscovo não está no campo de batalha, mas nas nossas mentes.

A Rússia pode perder. E deve perder, a bem do mundo – e pelo seu próprio bem.

Soldados russos patrulham teatro de batalha em Mariupol, no sudeste da Ucrânia, março 2022. (Alexander Nemenov/AFP/Getty Images)

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A noção de um Exército Vermelho invencível é propaganda. O Exército Vermelho era formidável, mas também era vencível. Das três guerras externas mais consequentes, o Exército Vermelho perdeu duas.

Foi derrotado pela Polónia em 1920. Derrotou a Alemanha Nazi em 1945, após quase ter colapsado em 1941. (A sua vitória nesse caso foi parte de uma coligação mais abrangente e com decisiva assistência económica americana.) As forças soviéticas estavam em apuros no Afeganistão imediatamente antes da sua invasão em 1979 e tiveram de bater em retirada uma década mais tarde.

E o exército russo dos dias de hoje não é o Exército Vermelho. A Rússia não é a URSS. A Ucrânia soviética era uma fonte de recursos e de soldados para o Exército Vermelho. Naquela vitória em 1945, os soldados ucranianos do Exército Vermelho sofreram enormes baixas – maiores do que as perdas americana, britânica e francesa combinadas. Foram os ucranianos em quantidades desproporcionais que lutaram a sua guerra até Berlim com o uniforme do Exército Vermelho.

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Hoje, a Rússia está a lutar não com a Ucrânia mas contra a Ucrânia. Está a levar a cabo uma guerra de agressão no território de outro Estado. E não tem o apoio económico americano – de empréstimo-arrendamento – de que o Exército Vermelho necessitou para derrotar a Alemanha Nazi. Nesta constelação, não existe nenhuma razão particular para esperar que a Rússia vença. Seria de esperar, pelo contrário, que a única hipótese da Rússia fosse impedir o Ocidente de ajudar a Ucrânia – convencendo-nos de que a sua vitória é inevitável, para que não aplicássemos o nosso poder económico decisivo na guerra.

Os últimos seis meses confirmam este facto: as pequenas vitórias da Rússia no campo de batalha surgiram numa altura em que os Estados Unidos estavam a atrasar a ajuda à Ucrânia, em vez de a fornecerem.

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A Rússia de hoje é um novo Estado. Existe desde 1991. Como Brezhnev antes dele, o presidente russo, Vladimir Putin, governa por via da nostalgia. Refere-se ao passado soviético e também ao passado imperial russo. Mas o Império Russo também perdeu guerras. Perdeu a Guerra da Crimeia em 1856. Perdeu a Guerra Russo-Japonesa em 1905. Perdeu a I Guerra Mundial em 1917. A Rússia não conseguiu manter as suas forças no terreno por mais do que cerca de três anos em nenhum destes três casos.

Nos Estados Unidos há um crescente nervosismo quanto a uma derrota russa. Se algo parece impossível, não podemos imaginar o que acontece a seguir. E aí existe uma tendência, até entre os apoiantes da Ucrânia, de achar que a melhor resolução é um empate.

Este tipo de pensamento não é realista. E revela, por trás dos nervos, um estranho conceito americano.

Ninguém consegue orientar uma guerra desta forma. E nada nas nossas anteriores tentativas de influenciar a Rússia sugere que possamos exercer esse tipo de influência. A Rússia e a Ucrânia estão ambas a lutar para ganhar. A questão é: quem vai ganhar e quais serão as consequências?

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Se a Rússia ganhar, as consequências são horripilantes: um risco de uma guerra alargada na Europa, maior probabilidade de uma aventura chinesa no Pacífico, o enfraquecimento da ordem legal internacional em termos gerais, a provável proliferação de armas nucleares, a perda da fé na democracia.

Soldados soviéticos durante uma patrulha em Cabul, 25 de abril de 1988. A União Soviética invadiu o Afeganistão no final de 1979 e permaneceu no país até 1989. (Robert Nickelsberg/Getty Images)

É normal para a Rússia perder guerras. E, no geral, isto leva os russos a refletir e a encetar reformas. A derrota na Crimeia forçou uma autocracia a acabar com a servidão. A derrota da Rússia para o Japão levou-a a uma experiência com eleições. O falhanço soviético no Afeganistão conduziu às reformas de Gorbachev e, por conseguinte, ao fim da Guerra Fria.

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Sob as particularidades russas, a História oferece uma lição mais genérica e ainda mais tranquilizadora sobre os impérios. A Rússia está hoje a lutar uma guerra imperial. Nega a existência de um Estado da Ucrânia e de uma nação ucraniana, e leva a cabo atrocidades que recordam o pior do passado imperial europeu.

A Europa pacífica de hoje consiste em potências que perderam as suas últimas guerras imperiais e que, depois disso, escolheram a democracia. Perderes a tua última guerra imperial não é apenas possível – também é bom, não apenas para o mundo, mas para ti.

A Rússia pode perder esta guerra, e deve perder esta guerra, pelo bem dos próprios russos. Uma Rússia derrotada significa não apenas o fim das perdas sem sentido de vidas jovens na Ucrânia. Também é a única hipótese de a Rússia se tornar um país pós-imperial, um onde a reforma é possível, um onde os próprios russos possam estar protegidos pela lei e sejam capazes de depositar votos significativos nas urnas.

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A derrota na Ucrânia é a hipótese histórica que a Rússia tem de normalidade – como os russos que querem a democracia e o Estado de Direito o dirão.

Como os Estados Unidos e a Europa, a Ucrânia celebra a vitória de 1945 a 8 de maio em vez de 9 de maio. Os ucranianos têm todo o direito de lembrar e interpretar essa vitória: sofreram mais do que os russos com a ocupação alemã e morreram em números enormes no campo de batalha.

E os ucranianos estão certos ao pensarem que a Rússia hoje, tal como a Alemanha nazi em 1945, é um regime imperialista fascista que pode e tem de derrotar. O fascismo foi destronado da última vez porque uma coligação se aguentou firme e aplicou o seu poder económico superior. O mesmo se aplica atualmente.

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