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Miguel, o Portas de esquerda

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Foi jornalista, fundou um partido e defendeu a esquerda no Parlamento Europeu. Faleceu esta terça-feira aos 53 anos

Miguel Portas nasceu num dia do trabalhador do ano de 1958, em Lisboa, no seio de uma família da classe média. Filho do arquiteto Nuno Portas e da economista e jornalista Helena de Sacadura Cabral, teve sempre uma relação especial com o irmão mais novo, Paulo Portas, que enveredou por um caminho completamente oposto na política.

Ainda pequeno, chegou a fugir de casa para ir à missa. «Deixei um bilhete à minha mãe, que foi para a praia nesse domingo, do qual não me orgulho muito. Escrevi que, entre a mãe e deus, escolhia deus. Uma frase que hoje não diria», contou. Depois deste episódio, foi viver com o pai. E a religião acabou por desvanecer.

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«Não aderi ao comunismo por ser pobre ou operário, fi-lo por consciência», afirmou, numa recente entrevista à SIC Notícias. Foi a consciência que o levou a ser preso duas vezes antes do 25 de abril, a primeira delas com apenas 15 anos.

O destaque que ganhou como ativista levou uma amiga a convidá-lo a entrar na União dos Estudantes Comunistas do PCP, em 1973. Metade da sua vida política foi, aliás, ao serviço dos comunistas. Só em 1989, no período de expulsões do partido, saiu «por uma questão de ética». «O comunismo por vezes não convive bem com a diferença de opinião», admitiu.

Miguel Portas teve algumas experiências como animador cultural antes de se tornar diretor da revista de Cultura «Contraste». Entrou no semanário «Expresso» em 1988, concorrendo com «O Independente» do irmão Paulo.

Interrompeu o jornalismo para ser assessor de Jorge Sampaio na Câmara de Lisboa, autarquia para a qual viria a concorrer mais tarde (2001). E nunca mais largou a política. Em 1992, foi um dos fundadores da fracassada Plataforma de Esquerda e, dois anos depois, criou uma corrente de sucesso: a Política XXI, que, juntamente com a UDP e o PSR, daria origem ao Bloco de Esquerda (em 1999). «Fazer um partido de novo é uma corrida tramada. Sai muito do pelo. E isso paga-se, de uma maneira ou de outra, na vida», lamentou.

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Continuou a colaborar com várias publicações - «Já», «Vida Mundial», «Diário de Notícias» e «Sol» - e publicou três livros, porque o prazer de escrever nunca se esfumou.

Fixou como objetivo o Parlamento Europeu e, apesar de ter falhado em 1999 (com apenas 1,74 por cento dos votos), conseguiu entrar em Bruxelas em 2004 (4,92 por cento) e não mais de lá saiu (foi reeleito em 2009, com 10,73 por cento dos votos).

Foi, aliás, na campanha para esta última votação que o conheci. Fumava um cigarro, como quase sempre, à porta de um hotel de Lisboa, e emprestou-me o isqueiro. Disse-me que não era propriedade privada, claro. Durante 15 dias, percorremos um país que o acolheu de sorriso aberto, muito por simpatia com a família. Pediam-lhe para entregar beijinhos à mãe e cumprimentos ao irmão, que acabou por encontrar numa estação de serviço, quando Paulo se dirigia para a campanha do CDS. Deram um longo abraço, fumaram um cigarro juntos e contaram aventuras um ao outro. Como irmãos, nunca rivais.

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Em abril de 2010, num exame de rotina, descobriu que tinha cancro do pulmão. Deixou de fumar, foi operado, fez quimioterapia e recuperou. As malditas metástases é que não o largaram.

«O cancro alterou o meu horizonte, que assim se estreita. Dificilmente chegarei aos 90 anos, talvez me fique pelos 60. Quem tem cancro uma vez, tem mais probabilidades de ter mais cancros. Gostaria que a política servisse para resolver estes problemas», confessou, na mesma entrevista, em Janeiro de 2012.

Miguel Portas deixa dois filhos e um vazio na esquerda portuguesa. Na sua última intervenção mediática, pediu aos fundadores do BE para se afastarem e darem lugar aos mais novos. Foi o único que o fez, e por vontade própria.

«Gostaria de chegar ao fim da vida, olhar para trás e dizer que fiz algumas asneiras, mas que valeu a pena porque ajudei os outros».

Miguel de Sacadura Cabral Portas faleceu esta terça-feira aos 53 anos, vítima de doença prolongada.

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