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Combater os fogos com a enxada na mão

REPORTAGEM: Lutam com pás, enxadas e mochilas de água no terreno. Tanques e aviões não fazem milagres, porque o incêndio não perdoa a quem lhe vira as costas. Vêm do Chile e da Alemanha para ajudar a combater o Inferno que assola o país. O método que usam é idêntico

«Não há muitos incêndios em Portugal, o que há é muitos reacendimentos», diagnostica o técnico especializado em incêndios florestais que acompanhou o PortugalDiário na localidade da Várzea, em Santa Maria da Feira, onde um incêndio mobilizou 70 bombeiros, 17 viaturas e três meios aéreos.

O fumo vê-se bem ao longe. Denso, negro, alto. Ouvem-se helicópteros e sabemos que estamos no local certo. O cesto abre-se e há gotas que refrescam uma povoação em pânico preparada com mangueiras, baldes e sistemas artesanais de rega.

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Porque o fogo não conhece «patrões», a floresta sob a alçada do Estado tem-se mostrado pródiga em reacendimentos. Cada incêndio dá origem, em média, «a mais quatro, pelo menos», diz um bombeiro voluntário da Lourosa, que garante que nos próximos dias vão voltar ao local. «De certeza».

Naquele terreno quente, o «inimigo» mantém-se sob a primeira camada ardida de matéria combustível. O verde que propagou o incêndio serve agora de disfarce para chamas insistentes, sossegadas, mas atentas à primeira possibilidade de se revelarem de novo. Nem 60 minutos depois, numa área já ardida e circunscrita, havia lugar para um espectáculo de «traição»: pronto a arder no combustível verde poupado até então, o fogo não perdoa a quem lhe vira as costas.

Na berma de uma estrada secundária, populares cansados de baldes e mangueiras, observavam a pequena equipa alemã e desabafavam o desalento para o vizinho de aflição: «Devem ser ingleses. Esta agora! A combater o fogo com a sachola. . .»

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Os alemães foram imunes aos comentários em português, mas não ficaram desconhecedores do agradecimento de que, durante a semana, foram alvo no shopping Dolce Vita, em Coimbra. «Pagar o café é o mínimo que posso fazer», justificava o empregado. «Tive amigos em perigo em Vila Real. Agradecemos muito a vossa ajuda». Detlef Maushake emocionou-se. Nos Estados Unidos, os «hotshots» como Detlef são «heróis», conta o responsável alemão, guardando nos lábios o contentamento do elogio.

Quando na semana passada viu as imagens do Inferno na televisão alemã, Detlef não queria acreditar: dezenas de portugueses em t-shirt enfrentavam as chamas de balde na mão. Nem tudo o que parece é . . . isso mesmo puderam verificar os cinco voluntários da organização não-governamental alemã «@Fire», que presta ajuda internacional em situações de desastre.

A intervenção em incêndios, em Vila Real, na Lousã e em Santa Maria da Feira, foi curta mas intensa, e suficiente para alterar ideias feitas. Afinal os fogos não se combatem apenas com baldes na mão: «Portugal tem excelentes meios aéreos, veículos de combate do melhor e bombeiros de sobra. Falta coordenação, ou por outras palavras, trabalho de equipa».

Difícil é convencer bombeiros e decisores políticos de que os incêndios não precisam só de canadairs e de grandes tanques. Quando em 2004 uma equipa americana se prontificou a ajudar Portugal no combate aos incêndios, os nossos governantes perguntaram: «O que podem fazer de imediato?». A equipa sugeriu três dúzias de homens com enxadas e picaretas. «Como não lhes falaram em aviões, os ministros torceram o nariz e a ajuda ficou pelo caminho», assegura revoltado o técnico florestal.

O mesmo se passa com os soldados da paz. «Vários bombeiros me têm dito que no dia em que forem obrigados a combater incêndios com enxadas, os quartéis ficam sem voluntários», garante a mesma fonte que não resiste à ironia: «Os bombeiros olham para estas ferramentas com o mesmo desprezo com que a Lili Caneças olha para o pano da loiça»!

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