Os médicos do Hospital de São João foram impedidos de receitar um medicamento oftalmológico por ser mais caro do que outro receitado para o cancro, mas usado na visão, uma proibição «impensável num país civilizado», segundo um especialista.
Rufino da Silva, do Grupo de Estudos da Retina (GER) - que se dedica ao estudo e avaliação dos tratamentos de doenças oftalmológicas como a Degenerescência Macular da Idade (DMI) ou a retinopatia diabética - confirmou à Agência Lusa a existência de uma orientação da administração do Hospital de São João, no Porto, de suspender a aquisição do ranibizumad e a disponibilização do bevacizumad para administração intra-vitrea.
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«É uma aberração jurídica. Está a inverter-se todo o edifício jurídico do medicamento», disse o oftalmologista dos Hospitais Universitários de Coimbra (HUC).
Esta orientação hospitalar, a que a Lusa teve acesso, data de 2 de Maio e opta por um medicamento que, em 2009, esteve envolvido na polémica do acidente que conduziu à cegueira de seis doentes no Hospital de Santa Maria, o bevacizumad (substância activa), cujo nome comercial é Avastin.
O Avastin tem autorização terapêutica na área oncológica, mas é usado nos serviços oftalmológicos.
Após o acidente, e enquanto não foram esclarecidas as circunstâncias em que este ocorreu, as administrações hospitalares, entre elas a do Hospital de São João, determinaram a suspensão da administração do bevacizumad, entretanto retomada.
Além do bevacizumad, existe um outro fármaco (ranibizumab) cuja eficácia é idêntica e está já autorizado para fins oftalmológicos, embora seja muito mais caro.
É esta diferença de preços que, para Rufino da Silva, justificou a opção dos administradores do Hospital de São João e «coloca os médicos numa situação difícil», já que os obriga a prescrever um medicamento.
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«Isto é impensável num país civilizado», disse o especialista, para quem os problemas de custos e de preços devem ser «discutidos entre as autoridades de saúde e os laboratórios».
Os médicos devem «dar o melhor medicamento para o doente, aquele que demonstrou ser melhor, até porque evitar a cegueira e as doenças a esta associada resulta em poupança», frisou.
No seguimento da orientação do Hospital de São João, o Colégio de Oftalmologia da Ordem dos Médicos pronunciou-se, tendo concluído que os decisores «violaram um direito inalienável dos médicos».
«Não pode este colégio concordar com a decisão do Hospital de São João e do secretário de Estado que, utilizando critérios exclusivamente economicistas, proibiram ou apoiaram a não disponibilização do ranibizumab, violando um direito inalienável dos médicos que é o seu direito a prescrever o que entendem ser o melhor e mais adequado ao seu doente, com o consentimento informado do doente, assumindo como é óbvio, toda a responsabilidade pelo acto», lê-se no documento consultado pela Lusa.
A Agência Lusa tentou contactar a administração do Hospital de São João, sem que até ao momento fosse possível.
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