Um “problema de indisciplina crescente”, mais do que “violência crescente”, é a leitura que a presidente do Conselho Nacional de Educação faz das recentes notícias de agressões nas escolas, “sintoma de um certo mal-estar”.
Do que vi não há um problema de violência crescente, pode haver um problema de indisciplina crescente, mas de violência, lá está, as estatísticas dizem que não. Dá jeito saber e comparar números. Apesar de tudo são sintoma de um certo mal-estar. São casos pontuais, mas são sintoma de um mal-estar, que obviamente tem que se lhes dar atenção”, disse a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Emília Brederode Santos, em entrevista à Lusa.
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Nas últimas semanas foram conhecidos vários casos de agressões, contra professores e funcionários, que levaram representantes dos pais e diretores escolares a reagir e a garantir que as escolas não estão transformadas em “campos de batalha”, concordando com a posição transmitida pelo Ministério da Educação de que se tratam de “casos pontuais”.
A indisciplina é maior, quanto mais velhos são os professores, segundo um estudo divulgado em 2016 da autoria do projeto aQeduto, uma parceria do CNE com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
O envelhecimento da classe docente é precisamente um dos grandes problemas da Educação: Apenas 1% dos professores tem menos de 30 anos e 41% tem pelo menos 50 anos, segundo o relatório anual sobre educação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), Education at a Glance, divulgado em setembro.
Maria Emília Brederode Santos não entende o envelhecimento como um problema em si mesmo, lembrando que a idade é quase sempre sinónimo de experiência. Para a presidente do CNE, mais preocupante pode ser o facto de esse conhecimento acumulado não estar a ser transmitido aos mais novos.
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No entanto, reconhece que é preciso acautelar a saída dos professores mais velhos: “Daqui a pouco tempo vão sair muitos para a reforma e, portanto, terá que haver uma alternativa para os substituir”.
Neste momento uma das preocupações do CNE é o racismo que ainda existe dentro dos muros da escola. A esse propósito, o conselho tem em preparação uma recomendação sobre educação para a cidadania e antirracismo, revelou a presidente.
É bom que nos demos conta que existe algum racismo, pode não ser tão grave como noutras situações, mas existe e a escola, mais uma vez, é o meio para se conseguir superar isso”, disse.
Maria Emília Brederode Santos lembrou que é preciso virar o foco para as crianças e jovens “mais invisíveis” ou que possam estar sujeitas a discriminação. A estas, as escolas devem dar mais atenção.
No mesmo sentido, continuou, deve-se olhar com mais atenção para as minorias étnicas ou para as crianças com necessidades educativas especiais.
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Já sobre o ensino superior, a pedagoga acredita que o modelo de acesso “vai ter que ser repensado” e terá de “ser mais alargado” porque “em toda a parte quase que o ensino superior está a tornar-se obrigatório”.
No anterior mandato, foi pedido ao CNE um parecer sobre a matéria e a presidente espera que na legislatura que agora começou este seja “um tema importante” a ser repensado.
Evitando alongar-se sobre o tema, uma vez que o CNE tem uma recomendação em preparação, defendeu, no entanto, que para além de alargar o acesso, o ensino superior “vai ter que rever um pouco a sua própria pedagogia”.
Se nos primeiros anos, o aluno não tem determinadas competências que a instituição de ensino superior entende que devia ter, terá que as promover e não ficar à espera que só lhe cheguem alunos que já têm as competências que querem”, disse, a propósito dos diferentes níveis de preparação que os alunos podem ter à entrada consoante o regime em que concluíram o ensino secundário.
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Uma das ideias em cima da mesa era alterar as condições de acesso para os alunos provenientes das vias profissionais, eliminando a obrigatoriedade de prestarem provas em matérias que não faziam parte do seu currículo, mas acabou por não avançar na anterior legislatura.
Chumbar um aluno "não serve para nada"O CNE defende ainda que chumbar um aluno “não serve para nada” e acredita que combater esta prática não será uma porta ao facilitismo porque a ideia não é “passar sem saber”.
Para Maria Emília Brederode Santos, a recente polémica em torno do programa do Governo de reduzir ao mínimo os chumbos no ensino básico não pode ser vista como um quadro a preto e branco.
É muito importante que se perceba que a alternativa não é, nem pode ser, entre chumbar ou passar sem saber”, defende em entrevista à agência Lusa, no âmbito dos dois anos de mandato à frente do CNE.
Portugal é um dos países da OCDE com taxas de reprovação mais elevadas. Só no ano passado, chumbaram 50 mil alunos no ensino básico. Além disso, este é um fenómeno que atinge sobretudo alunos de meios socioeconómicos carenciados.
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A responsável entende que os alunos com dificuldades não devem “reprovar e repetir o ano todo outra vez” mas sim ter um apoio específico.
É aí que nós apostamos, para que haja outro tipo de estratégias que ajudem os miúdos a aprender sem ser preciso recorrer à reprovação, que não serve para nada”, defende Maria Emília Brederode Santos.
A taxa de retenções e desistências no ensino básico tem vindo a diminuir, tendo caído de 7,9% em 2015 para 5,1% em 2018. O Governo diz querer reduzi-lo ao mínimo.
O programa do Governo, conhecido no final de outubro, prevê a criação de um “plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades”.
À semelhança do que já defendia David Justino, seu antecessor no cargo, também Maria Emília Brederode Santos considera que facilitismo é a “cultura da retenção”.
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Tanto se pode acusar de facilitismo em relação aos alunos, como se pode acusar a escola de facilitismo, porque diz: “ai não aprendes, ficas, repetes”. Isso é que é facilitismo, acho eu”, disse a pedagoga formada em Ciências da Educação.
Dando como exemplo o caso finlandês, onde não se chumba e os resultados são de excelência nos testes internacionais, Maria Emília Brederode Santos defende que a cultura de reprovação dos países do sul “tem de mudar”.
A presidente do CNE recusa a ideia de que este tipo de abordagem possa desmotivar os melhores alunos, contrapondo que as escolas devem reconhecer que “há muitas maneiras diferentes de aprender” e que devem “incitar os alunos a gostarem de aprender, a saberem aprender e a poderem aprender”.
Isto já não é como antigamente, em que o professor vinha dar as suas aulas, os alunos ouviam e tentavam assimilar. Alguns conseguiam, outros não. Agora a aposta é que todos têm mesmo que aprender e que há muitas maneiras diferentes de aprender. Acho que as escolas estão a fazer essa procura”, disse a especialista em inovação educativa.
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Entre as propostas do Governo estão projetos de "autonomia reforçada para as escolas com piores resultados", adequando a oferta curricular aos alunos, reforçando, por exemplo, o ensino das línguas, das artes ou do desporto, programas de mentoria entre alunos, para "estimular a cooperação entre pares", e uma aposta declarada no ensino da matemática, a disciplina com mais insucesso.
No combate ao insucesso escolar estão ainda inseridas medidas de reforço de ação social e de apoio a famílias vulneráveis, mas também uma aposta na deteção precoce de dificuldades, com uma maior atenção no pré-escolar a dificuldades de linguagem e numeracia.
Maria Emília Brederode Santos admite que possa haver nesta fase “um certo desnorte” entre os professores, provocado por um “excesso de documentos orientadores” – o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória, o diploma da educação inclusiva, as regras da flexibilidade curricular - que não lhes permite perceber o que devem seguir, mas acredita que é “uma fase transitória” e que se a desordem servir para estimular o debate, “não é necessariamente negativo”.
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