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Os rostos por detrás dos números de acidentes de viação

«Guerra civil» que se vive nas estradas portuguesas deixa marcas. Nas vítimas, mas também nos familiares. Só as indemnizações tardam. No Dia da Memória, conheça um dos rostos da tragédia

A frieza dos números esconde o drama das pessoas. Dados Direcção-Geral de Viação (DGV) revelam que, em 2003, se registaram 41495 acidentes com vítimas, resultaram em 1356 mortos, 4659 feridos graves e 50599 feridos ligeiros. Este domingo é o dia da memória das vítimas das estradas.

As estatísticas escondem as histórias das pessoas que sentem na pele a tragédia dos acidentes de viação. «Os meus pais morreram na mesma estrada com oito anos de diferença», conta Teresa Goulão, um dos membros da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), ao PortugalDiário.

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«Viajavam de carro, perto de Castelo Branco, quando um louco ultrapassou pela direita», fazendo com que o carro em que seguiam se despistasse. «O meu pai morreu de imediato, mesmo à frente da minha mãe», conta Teresa. Maria Luísa Goulão, a mãe de Teresa, sofreu ferimentos graves, recebeu tratamento hospitalar e teve de recorrer a diversos aparelhos para poder voltar a caminhar.

Oito anos depois, teria um fim semelhante ao do marido: Ironia do destino: na mesma estrada (IP2), a apenas alguns quilómetros de distância. A 30 quilómetros de Castelo Branco, «a camioneta em que seguia a minha mãe teve um acidente, devido a um manobra perigosa de outro condutor», recorda Teresa. Dos mais de 60 passageiros, Maria Luísa foi a única vítima mortal do acidente [ veja a notícia da morte de Maria Luísa Goulão publicada a 12 de Outubro de 2001].

Um ano depois, também no IP2, foi a vez de Teresa Goulão viver um acidente de viação. Um condutor embriagado, a chuva intensa e o aumento de tráfego na estrada devido às festividades natalícias conjugaram-se num despiste que levou o carro, em que seguia com as suas duas filhas, a cair num buraco. Depois de duas horas presas dentro da viatura, Teresa e as duas crianças (uma de 14 e outra de apenas 4 anos), foram desencarceradas e receberam tratamento hospitalar.

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Teresa Goulão não se importa de recordar a sua dor porque «é uma lição de vida» e pode ajudar outros a «superar o sofrimento». Mas, para as filhas, ainda muito jovens, a «guerra civil» que se vive nas estradas já deixou marcas graves.

«A minha filha mais nova ainda hoje (dois anos depois do acidente em que esteve envolvida) tem medo de andar de carro», conta Teresa Goulão. «Perderam o avô e a avó na estrada e elas próprias tiveram um acidente. É impossível esquecer», adianta.

Torna-se ainda mais difícil esquecer porque os processos judiciais para pagamento de indemnizações se arrastam em tribunal.

O advogado João Marcelo explicou ao PortugalDiário que um «processo destes demora, em média, dois anos e meio a três anos só na primeira instância», mas adianta que, «como se tratam de quantias elevadas, geralmente estes casos vão até ao Supremo».

Teresa Goulão não esconde a revolta que sente pela demora judicial. «Demoraram oito anos até julgarem o caso do meu pai e, durante esse tempo, a minha mãe teve que contar, vezes sem conta, como viu morrer o meu pai».

A revolta de Teresa estende-se às seguradoras e ao Estado «que não toma conta dos cidadãos» e não obriga as seguradoras a um pagamento mais célere das indemnizações. «Não é a vida deles, não se importam», lamenta.

Os «sobreviventes» têm depois de continuar a viver, não só com as dores físicas, mas também com as mazelas psicológicas, feridas que demoram mais tempo a cicatrizar. E que não vêm nas estatísticas.

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