No leito da morte, o pai pegou-lhe na mão: «És o assassino de sete pessoas». É a «catarse» de José Esteves, antigo segurança de Sá Carneiro, o indivíduo sobre o qual recaíam suspeitas sobre a autoria material da morte dos ocupantes do Cessna. Assume que fez a bomba e garante que Camarate não foi um acidente.
A entrevista é publicada esta quarta-feira na revista Focus, mas o PortugalDiário deixa-lhe o making of da conversa.
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«26 anos depois, Camarate ainda são só perguntas. Perante isto o que a Focus fez foi ir à única fonte minimamente credível neste processo: José Esteves, o homem suspeito de autoria da colocação da bomba», diz João Vasco Almeida, chefe de redacção da Focus.
«José Esteves vive em Lisboa e bastava bater-lhe à porta». O jornalista Frederico Duarte Carvalho, que também o entrevistou, «nutriu a relação com José Esteves durante um mês».
Feito o elo de confiança, a entrevista foi marcada. «José Esteves é uma pessoa muito magoada com a vida. Tem de lidar com o dedo acusatório que pende sobre ele há duas décadas: o de ser o autor material do atentado de Camarate».
Dia 24, sexta-feira, às 17 horas, chovia a potes, recorda João Vasco Almeida. «Estivemos em casa do José Esteves e entrevistámo-lo durante seis horas. Gravámos em vídeo e áudio esta longa entrevista, da qual resultaram sete perguntas e sete registos, que são publicadas esta quarta-feira».
João Vasco garante que José Esteves «fala de Camarate de forma tranquila», mas, diz como jornalista que o entrevistou, que «é um homem massacrado, que não se perdoa».
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Há uma frase que João Vasco Almeida recorda fielmente. «O meu pai, quando morreu, pegou-me na mão e disse-me: "És o assassino de sete pessoas"».
A «catarse» em entrevista
Terá sido o peso desta frase que levou José Esteves a fazer a «catarse de uma vida» e assumir que foi o autor
de um engenho que fez explodir a aeronave Cessna onde seguiam o então primeiro-ministro Sá Carneiro, a sua mulher Snu Abecassis, o chefe de gabinete António Patrício Gouveia, o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, e os dois pilotos do aparelho, a 4 de Dezembro de 1980.
Sobre a prisão ocorrida na tarde de segunda-feira [ver peça relacionada], João Vasco afirma que «não pode ser jornalisticamente relacionada com a publicação da entrevista». José Esteves foi detido na posse de arma ilegal, mas o jornalista diz que «era relativamente público que coleccionava diversos artefactos, nomeadamente punhais». Contudo, João Vasco admite «que haja sobre este pessoa processos a investigar. O timming é que é estranho».
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«A primeira vez que alguém assume autoria do atentado»
Para o advogado dos familiares das vítimas do «Caso Camarate», Ricardo Sá Fernandes, esta «é a primeira vez que alguém assume expressamente a autoria do atentado». No livro que publicou, há alguns anos, a defender a teoria do crime, Sá Fernandes «já apontava o José Esteves [ex-segurança de Sá Carneiro] como responsável pelo atentado».
«Atribuo credibilidade às declarações do José Esteves porque as conjugo com toda a restante prova que também vai no sentido de que Camarate foi um atentado», sublinha o causídico ao PortugalDiário.
A alegada confissão do ex-segurança de Sá Carneiro à Focus «só vem reforçar a decisão» de processar o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem «por ter deixado prescrever estes crimes», explica Sá Fernandes.
Recorde-se que o advogado das famílias das vítimas, anunciou, quarta-feira, que está a preparar uma queixa contra o Estado português, que inclui a indemnização «simbólica» de um euro, dada a impossibilidade de se realizar um julgamento.
A confirmar-se a tese do atentado, os crimes já se encontram prescritos desde Setembro e, apesar da confissão, o antigo segurança nunca poderá ser julgado.
O advogado tem, agora, «até Março» para apresentar a acção contra o Estado português nas instâncias europeias.
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