O Tribunal de Contas (TdC) terá de responder por escrito às perguntas que hoje deixou sem resposta numa audição de duas horas na Comissão Parlamentar de Economia (CPE). Em causa estão diversas contradições e erros técnicos detetados pelos deputados na auditoria à privatização da ANA, Aeroportos, iniciada há onze anos.
“Há aqui questões técnicas muito sérias que não foram respondidas e, se não forem respondidas, hoje pode ter sido um dia bastante negro para o Tribunal de Contas”, declarou no final da reunião Carlos Guimarães Pinto, deputado da Iniciativa Liberal. “Estamos a assistir a um desrespeito pela Assembleia da República, porque nenhuma pergunta concreta foi objetivamente respondida”, protestou Filipe Melo, do Chega.
Os deputados procuraram, em vão, uma explicação do presidente, José Tavares, e do juiz relator, José Manuel Quelhas, para a radical inversão de diagnóstico do TdC em oito anos. Em 2016, a instituição confrontou cinco ministros e três entidades reguladoras com um relato de auditoria que elogiava a privatização da ANA. Em janeiro de 2024, publicou um relatório a concluir o contrário.
“Temos conclusões que são diametralmente diferentes na avaliação da mesma operação, da mesma empresa, do mesmo contrato e do mesmo valor de venda”, descreveu Bruno Lage, do PSD. “Num tribunal de contas, as contas têm de bater certo!”, protestou, pedindo uma explicação. O texto das duas auditorias “é completamente díspar”, concordou Carlos Barbosa, deputado do Chega. “Talvez seja porque os governos são diferentes”, insinuou.
“Somos independentes”
“Entristece-me que o senhor deputado ponha sequer a hipótese de, consoante o governo, agirmos desta ou daquela forma”, reagiu de imediato o presidente do TdC. José Tavares procurou matar à nascença quaisquer dúvidas sobre a independência do TdC em relação aos partidos políticos. “Apressámo-nos a divulgar este relatório porque não queríamos imiscuir-nos em períodos eleitorais”, garantiu aos deputados. O relatório foi publicado em 5 de janeiro, a campanha eleitoral arrancou formalmente em 25 de fevereiro e as eleições realizaram-se em 10 de março.
Os deputados puseram em crise a competência técnica do relatório de 2024, em particular da conclusão mais escandalosa, segundo a qual o Governo de Pedro Passos Coelho fez um “desconto” de 71 milhões de euros no valor pago pelos franceses da Vinci. Carlos Guimarães Pinto lamentou “ter de explicar” que os dividendos da ANA, posteriores à data do fecho das propostas vinculativas dos concorrentes ao concurso público, jamais poderiam ser apropriados pelo Estado. “Não esperava este tipo de raciocínio do TdC. Acho que falhou na equipa multidisciplinar de auditoria alguém que percebesse as regras destes processos”, comentou o deputado liberal.