Homens, a andropausa não é a menopausa (e atenção ao hipogonadismo masculino) - TVI

Homens, a andropausa não é a menopausa (e atenção ao hipogonadismo masculino)

Homem (Pexels)

Chega muitas vezes de forma silenciosa e há homens que só reparam quando a líbido começa a não dar sinais de vida

O avançar da idade traz várias mudanças para alguns homens: do ganho de peso à falta de energia, passando pela má qualidade de sono e a falta de apetite sexual, são muitos os fatores que podem estar associados a tudo isto mas há um que é inevitável - a diminuição dos níveis de testosterona.

A perda gradual desta hormona sexual é um processo natural no organismo masculino e dá origem à chamada "andropausa", um termo controverso dentro da classe médica, sobretudo pela constante comparação com a menopausa. Ana Meirinha, especialista em Urologia do Hospital Lusíadas Lisboa, não hesita em dizer que são dois conceitos claramente distintos.

“Embora haja uma diminuição da testosterona com a idade, que é fisiológica, ter testosterona abaixo dos níveis fisiológicos estabelecidos é uma doença”, o hipogonadismo masculino, alerta a médica. Segundo a Sociedade Internacional para Saúde Sexual, o padrão está nos 300 ng/dL (nanogramas por decilitro de sangue) como valor mínimo de referência.

“A andropausa é aquilo que chamamos 'síndrome de deficiência androgénica'. De acordo com os estudos, há um decréscimo de cerca de 1% da produção de testosterona a partir dos 30”, explica o psicólogo e sexólogo Fernando Mesquita. 

Não é o mesmo que menopausa

Chamar a esta queda de testosterona ‘menopausa masculina’ não só não é correto como pode induzir em erro, diz um estudo publicado no Western Journal of Medicine. “O termo ‘menopausa masculina’ é inadequado porque sugere uma queda repentina das hormonas sexuais, como ocorre em mulheres na perimenopausa.” 

Da mesma opinião é o Serviço Nacional de Saúde britânico, que diz que “esse rótulo é enganoso porque sugere que os sintomas são o resultado de uma queda repentina na testosterona na meia-idade, semelhante ao que ocorre na menopausa feminina - e isso não é verdade”.

“Nos homens, [a hormona sexual] diminui mas não é suposto ser abolida”, como acontece na menopausa, explica Ana Meirinha, que continua: “A andropausa não pressupõe a paragem de produção de andrógenos”.

E esta queda gradual da hormona sexual é uma das grandes diferenças entre a andropausa e a menopausa, cujos níveis de progesterona e estrogénio caem a pique.

Os sinais que o corpo dá quando a testosterona começa a diminuir

Os sintomas da andropausa são vários e incluem, por exemplo, diminuição da força, redução da massa muscular, perda de densidade óssea e acumulação de gordura abdominal. 

Uma vez que estes sintomas são muitas vezes silenciosos, facilmente confundidos ou até resultado de outras condições clínicas, tornam-se por vezes desvalorizados. O homem “pode achar que é um processo natural de envelhecimento e não procura ajuda”, aponta Fernando Mesquita, que acrescenta que muitos homens apenas percebem que algo de errado está a acontecer quando começam sobretudo a sentir dificuldades em ter uma ereção ou sentem mudanças no desejo sexual, a chamada líbido. “Aos 45 anos sentem que ainda têm muita vida pela frente.”

A andropausa pode ainda causar uma redução do tamanho dos testículos, inchaço nas mamas e perda de pelos corporais. Em alguns casos, como diz Fernando Mesquita, pode também afetar a qualidade do sono e provocar mudanças de humor. A idade com que estes sintomas surgem dependem de homem para homem, da sua condição de saúde e, claro, dos níveis de testosterona.

Segundo a informação do site do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, diabetes, obesidade e doenças metabólicas - como “colesterol alto, gordura no fígado e osteoporose” - podem ser fatores de risco para que os níveis de testosterona caiam mais cedo. “São ainda causas frequentes o tabagismo e a ingestão frequente de bebidas alcoólicas.”

Não se esqueça: procure ajuda

Quanto aos tratamentos, Ana Meirinha esclarece que este deve “ser sempre discutido com o doente”. Mas por vezes mudanças no estilo de vida são suficientes para controlar alguns dos sintomas e efeitos da diminuição da testosterona. 

Uma vez que há o risco de recorrer a tratamentos alternativos e cujo impacto nem sempre é possível medir, a médica diz que o homem deve procurar ajuda assim que sentir que algo não está bem. E, por norma, são os mais novos os primeiros a fazê-lo.

“Os homens mais novos são mais rápidos a procurar soluções, na cabeça deles é suposto ser assim daqui a uns anos mas não agora. Mesmo aos 40 e 50 sabem que não é suposto”, diz, revelando que lhe chegam ao consultórios vários tipos de paciente: os muito bem informados, os desinformados e os “livros em branco”. Adianta que por vezes é difícil lutar contra as ideias pré-concebidas que muitos levam após pesquisas online.

A terapêutica de substituição é o método usado para os casos em que há, de facto, uma queda dos níveis de testosterona, embora Ana Meirinha frise que cada caso é um caso mas que os homens não devem, de todo, ignorar o que se está a passar.

“Se está desagradado porque tem diminuição da líbido, se está mais irritadiço e menos dinâmico, se expressa isso, deve ser tratado. Por norma, todos querem ser tratados, até porque a diminuição de testosterona aumenta o risco cardiovascular”, frisa a médica.  

O erro

Apesar de ser uma condição natural ao desenvolvimento e envelhecimento do homem, pouco ou nada se fala de andropausa e sobre isto Fernando Mesquita não hesita em dizer que tal pode acontecer por culpa do próprio homem e da sua eventual tendência para não mostrar fraquezas - que não o são mas que aos seus olhos podem sê-lo.

“Não se fala porque os sintomas são considerados normais e muitos homens têm resistência em procurar ajuda médica e terapêutica, desvalorizam, sentem que é uma fase temporária. Ou eventualmente têm resistência porque isso poderá ser uma confrontação porque se sentem menos homens”, explica.

Ana Meirinha diz que a perda de líbido e a dificuldade em ter e manter uma ereção não são os únicos motivos que levam os homens à consulta, mas deixa claro que a disfunção erétil é uma condição “multifatorial” e não apenas resultado da queda dos níveis de testosterona. “Acontece muito os homens virem a consultas por disfunção e faz parte do estudo fazer o doseamento de testosterona”, diz, explicando que “a falta de testosterona diminui a capacidade erétil e da libido, mas como é uma patologia tão multifatorial na sua génese é muito difícil dizer que é causada apenas pela queda de testosterona”.

“Os homens acham que chegam aos 80 anos e que é suposto sentirem-se assim, muitos vivem com este estigma”, lamenta a médica.

Há mais sexualidade além da andropausa

Os problemas com a função sexual são, para muitos homens, o momento de alerta. Mas essas dificuldades não têm de ser vistas como uma sentença - e isto independentemente da idade do homem ou da(o) parceira(o).

Quando questionado sobre se a andropausa pode ser o trampolim para os homens e casais procurarem outras formas de erotismo além do sexo através da penetração - seja vaginal ou anal -, o sexólogo Fernando Mesquita não hesita em dizer “que não deveria ser esse o motivo”.

“Devemos procurar explorar a nossa sexualidade mesmo não tendo qualquer problema, mas nestes casos é importante que o casal procure lidar com algumas dificuldades”, reconhece, adiantando-se em dizer que nem sempre é fácil, sobretudo quando o sexo é o resultado de um padrão, de algo que tem de seguir uma norma.

“Se temos um guião específico em que na relação sexual tem de haver desejo e excitação, em que tem de aguentar não sei quanto tempo, dar orgasmo, se temos este guião, face a alguma dificuldade começamos a evitar a vida sexual ou a sentir que ela acabou”, diz, explicando que os casais devem procurar outras formas de dar e sentir prazer.

Fernando Mesquita considera que os casais que sempre exploraram outras formas de erotismo e sexualidade acabam por ter mais facilidade em fazer frente a este tipo de dificuldades, ao passo que quem nunca explorou além do coito pode mais facilmente ficar refém da “ansiedade pré-sexo”, que, por si só, irá dificultar o ato, numa espécie de círculo vicioso.

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