Novo Governo: porque é que Costa quis ficar com a Europa? - TVI

Novo Governo: porque é que Costa quis ficar com a Europa?

António Costa, Ursula von der Leyen e Charles Michel

A decisão de António Costa de ficar com a pasta dos Assuntos Europeus nesta legislatura está a ser vista como uma forma de preparar terreno para um futuro cargo - a liderança do Conselho Europeu. A CNN Portugal falou com politólogos que descodificam os motivos que levaram o primeiro-ministro a optar por retirar aquela tutela ao Ministério dos Negócios Estrangeiros

O novo governo toma posse esta quarta-feira. São 17 ministros e 38 secretários de Estado, menos 12 do que no Executivo anterior. Mas na nova orgânica do XXIII Governo Constitucional há dois secretários de Estado que ficam sob a tutela direta do primeiro-ministro: o secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Filipe Campolargo, e o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, que será Tiago Antunes – até agora secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro.

Esta mudança significa que o novo governo tirou a pasta da Europa ao Ministério do Negócios Estrangeiros e deu ao primeiro-ministro. Mas porque é que Costa quis ficar com a Europa? Paulo Portas e Marques Mendes acreditam que a opção está relacionada com a vontade de António Costa assumir um cargo europeu no futuro. Mais precisamente a presidência do Conselho Europeu. No habitual espaço de comentário na TVI (órgão do mesmo grupo da CNN Portugal), Paulo Portas falou da nova organização do Executivo, considerando que havia uma estratégia política de Costa.

“Fixem esta data: 30 de novembro de 2024. É o dia em que Charles Michel se vai embora e eu suspeito que é o dia em que António Costa fará a sua estratégia para poder estar em condições de lhe suceder”.

E segundo Paulo Portas, "é possível que isso aconteça", até porque o  primeiro-ministro está bem colocado para suceder a Charles Michel: é um dos veteranos do Conselho Europeu e neste momento "os socialistas têm mais força do que os conservadores”. 

Também Marques Mendes considerou  - no espaço de comentário na SIC - que a mudança da orgânica do Governo serve o objetivo do atual líder do PS de tornar-se presidente Conselho Europeu. À CNN Portugal o comentador diz que "este cargo sempre foi uma ambição de António Costa", tendo, aliás, sido convidado para o ocupar em 2019, o que recusou. 

Além disso, Marques Mendes considera que esta nova estrutura governamental não tem à partida grande justificação, na medida que "é no MNE que se encontra a Direção-geral dos Assuntos Europeus que dá apoio" a quem tutela a área. Agora, a pasta dos Assuntos Europeus fica fora dos Negócios Estrangeiros, na secretaria de Estado de Tiago Nunes. Ou seja, nota, "sob a alçada do primeiro-ministro, com alguém da sua confiança",  o que permite que consiga trabalhar mais nos bastidores.

Marques Mendes recorda, a propósito, que em 2004 Durão Barroso teve um elemento do seu gabinete a preparar terreno para o cargo de presidente da Comissão Europeia, que viria a ocupar.

A atrapalhar o caminho de António Costa pode, no entanto, estar o calendário. Isto porque para assumir o cargo poderá ter de convencer Marcelo Rebelo de Sousa a empossar outro primeiro-ministro ou então terão de existir eleições antecipadas.

Política europeia, um dossiê decisivo

"É normal que a partir de determinado momento os governantes pensem mais longe nos horizontes pessoais e, por isso mesmo, acredito que isso aconteça com António Costa", diz à CNN Portugal o politólogo José Filipe Pinto, considerando que além do Conselho Europeu, o atual primeiro-ministro pode também ter como destino a presidência da Comissão Europeia. 

Apesar de considerar que "Costa tem ambições para além do cenário nacional", José Filipe Pinto acredita que não foi decisivo na hora de retirar os assuntos Europeus do MNE e do atual ministro Gomes Cravinho: "Recuso-me a ver esta decisão do primeiro-ministro como um ato maquiavélico".

Aliás, para o politólogo há um elemento fundamental que tem que ver com a situação que a Europa esta a viver: "O centralismo que a União Europeia está a viver e os Conselhos são fundamentais. Num deles está o MNE e noutro está o primeiro-ministro. É perfeitamente normal que Costa nesta fase complicada, não desautorizando o MNE, assuma a pertinência de ser ele a trabalhar esses dossiês", defende, acrescentando: "É uma questão de trabalhar áreas importantes para a política numa conjuntura muito sensível. Aceito perfeitamente que Costa não coloque o ónus no seu ministro dos Negócios Estrangeiros e aceite também essa responsabilidade".

Também o politólogo José Fontes, apesar de sublinhar que "Costa parece querer controlar muito o processo europeu", defende que "não será apenas por causa disso" que quis ficar com os Assuntos Europeus. “Não é usual termos o MNE divido, mas temos de reconhecer que nesta fase , com o próprio PRR, a política europeia é cada vez mais decisiva para o nosso futuro”, defende o especialista

Para José Fontes, o atual primeiro-ministro nem precisaria de ter esta pasta para conseguir no futuro um cargo na Europa “Há esse lado pragmático que favorece que Costa possa aproveitar as circunstâncias, mas não tenho a certeza que se a pasta dos Assuntos Europeus permanecesse no MNE, Costa ficaria sem hipótese. No caso de Durão Barroso, por exemplo, ele não esteve essa pasta e tornou-se presidente da Comissão Europeia”.

Por outro lado, o politólogo considera que, neste momento, os temas que envolvem a Europa assumiram uma importância tão grande que faz sentido dar-lhes destaque. “Os assuntos europeus são uma pasta que poderia levar a existir um próprio ministério. E portanto não me choca que Costa tire essa pasta ao MNE. Até porque o MNE continua a ter muito trabalho: tem as relações bilaterais, a ONU, a CPLP".

O mesmo pensa José Filipe Pinto, ao considerar que com a orgânica do novo Governo há uma afirmação de que este é um dossiê de tal maneira importante, que condiciona toda a política do Governo nas mais diferentes áreas" "Por isso é que Costa decidiu que tem de passar por ele e não por outros ministros".

Problemas de gestão interna

No entanto, todos assumem que esta mudança na estrutura pode trazer alguns problemas práticos.  “Os próximos dias serão importantes para o primeiro-ministro justificar estas decisões e vermos se este modelo funciona”, sublinha José Fontes, admitindo que possa haver um conflito de gestão interna.

Uma das questões que tem sido levantada é, por exemplo, a de quem quem vai, afinal, ao Conselho Europeu e ao Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia? “Não sei , não lhe consigo responder a isso. Temos de esperar pela lei orgânica do governo, que nos vai dizer qual é a repartição efetiva dos membros do governo e talvez aí percebamos quem vai ao conselho europeu ou ao conselho dos ministros dos negócios estrangeiros. E, no caso de passar para o primeiro-ministro, o próprio secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares pode quase assumir o papel de ministro dos Assuntos parlamentares”, explica o politólogo. Também em breve se saberá o que vai acontecer à Direção-geral dos Assuntos Europeus. “Pode ficar até com uma dupla tutela “, diz.

Toda esta mudança, frisam os politólogos, está igualmente relacionada com o tipo de Executivo que saiu do resultado das últimas eleições legislativas Para José Filipe Pinto quando um governo tem maioria absoluta, passa a haver quase um presidencialismo do primeiro-ministro, que é constitucional: “Nestas circunstâncias é normal que o primeiro-ministro assuma um protagonismo que, em circunstancias normais, vão reforçar as suas competências executivas. Esta é uma situação que não é nova em Portugal. Também outros governos com maioria absoluta tiveram um primeiro-ministro com uma grande margem de manobra".

O especialista em política recorda, aliás, que "Costa centralizou em si não apenas as funções de primeiro-ministro, mas duas secretarias que considerou importantes para o país e para a credibilização do Governo nos próximos anos". Isto, lembrando que além da Europa, o Governo colocou o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na Administração Pública que entregou a Mariana Vieira da Silva.

Apesar de ser inovador em Portugal, a divisão do MNE não é , porém único no panorama europeu: países como a Finlândia e a Suécia também têm esta orgânica de governo. “É evidente que muitas coisas importantes se passam na Europa e há outros países que têm esse modelo, mas Costa tem qualquer coisa muito específica na Europa na sua agenda", insistiu Paulo Portas no seu comentário.

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