Vêm aí novas regras na habitação mas o Estado não vai entrar "pela casa adentro de uma pessoa sem mais". A garantia é deixada pelo primeiro-ministro, que explicou em detalhe o pacote de medidas de apoio à habitação em Portugal numa entrevista ao Jornal das 8 da TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal). A propósito de o Governo ter decidido obrigar quem tem casas devolutas a arrendá-las, o chefe de Governo diz que não haverá expropriações com as regras que aí vêm.
"Há muitas pessoas que precisam de casa e não é legítimo ter casas vazias. Mas o Estado não rouba a casa, vai arrendá-la ao valor de mercado", diz António Costa, esclarecendo o regime de arrendamento para casas devolutas, as quais o Estado quer aproveitar para aumentar a oferta de habitação. Nestes casos, refere, o Estado vai tomar "posse administrativa da casa", realizando nela as obras necessárias para que existam condições de habitabilidade. Obras essas que serão deduzidas do pagamento da renda que o Estado vai realizar ao proprietário.
Esta é uma das várias medidas apresentadas num plano de cinco pontos que chegou agora porque "a realidade evoluiu muito". António Costa admite que o problema da habitação não é novo, mas assinala que até há pouco tempo havia taxas de juro consideradas normais, o que se veio juntar a uma constante subida das rendas, sobretudo nos grandes centros urbanos. "Quando em 2015 falámos de uma nova geração de políticas de habitação ninguém ligou nenhuma", defende, ao mesmo tempo que promete a execução dos 2.700 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência que são destinados à habitação - e dos quais apenas 3% estão executados.
O objetivo passa por construir até 2026 26 mil casas para as famílias mais necessitadas, ao mesmo tempo que se reforça o programa de arrendamento acessível, estabelecendo valores máximos para o arrendamento nos diferentes municípios portugueses (que podem ser consultados aqui). Será nessa base que o Governo trabalha para disponibilizar casas em regime de arrendamento, seja pela reabilitação de imóveis, seja pelo subarrendamento.
"Há muitas casas, mais de 700 mil, que estão desocupadas. Muitas vezes os senhorios não têm confiança para as colocar no mercado", argumenta o primeiro-ministro, que quer o Estado como garante dessa confiança, avançando para a compensação do incumprimento sempre que este chegue aos três meses, pagando essa dívida que era do inquilino ao senhorio, verificando também quais as razões para a dívida, atuando de forma social se essas razões forem atendíveis, como seja uma perda abrupta de rendimento ou uma despesa familiar inesperada.
Em paralelo há o subarrendamento: o Estado vai arrendar a senhorios ao preço de mercado e subarrendar de acordo com as tabelas de arrendamento acessível. Serão casas a atribuir a pessoas com necessidades mediante a realização de um sorteio.
"Isto ajuda os municípios a aumentarem as casas disponíveis. É uma espécie de ponte para os quatro/cinco anos que leva a construir o parque público de habitação", acrescenta.
Já no caso do crédito à habitação há uma novidade: a obrigatoriedade de os bancos terem de aceitar taxa fixa. Ainda assim, e confrontado com esse cenário, António Costa admite que não há um limite a essa taxa. "Temos de ter um equilíbrio entre a função do Estado e o mercado. Fixarmos uma taxa fixa igual para todos provavelmente dificultaria mais o problema do que deixando os bancos concorrerem", afirma.
Há ainda uma outra medida: a bonificação de 50% do diferencial caso a taxa de juro ultrapasse a que foi acordada no teste máximo de stress, que normalmente é fixada nos 3% em Portugal. O mesmo é dizer, como explica o primeiro-ministro, que alguém com um teste de stress de 3% que passa a pagar 4% verá o Estado pagar essa diferença em 0,5%.
No fundo, uma pessoa com um crédito de 100 mil euros a 30 anos que pagava 331 euros antes da subida das taxas de juro passaria a pagar 489 euros com uma taxa de 3% e 549 euros com a taxa de 4%. O Governo pagaria metade da diferença entre os 489 e os 549 euros. No caso pagaria 30 dos 60 euros de aumento.
Quanto ao alojamento local, setor que até já reagiu às novas medidas ameaçando com um boicote à Jornada Mundial da Juventude, António Costa afirma que há uma divisão: "uns dirão que é borla fiscal, outros dirão que é pouco o que se exige". O primeiro-ministro fala da isenção de impostos para quem passe as suas propriedades em regime de alojamento local para um de renda acessível - isenção essa que dura até 2030.
O objetivo passa por disponibilizar parte das 100 mil casas que estão nesta tipologia: "A prioridade resulta do equilíbrio, não tenho expectativa de que as 100 mil casas venham para arrendamento", garante o primeiro-ministro.
Mais cheques a caminho? E o IVA a 0%?
Com um apoio de extraordinário de 125 euros a grande parte dos portugueses e outros apoios concedidos em 2022, António Costa não desvendou se o Governo pensa voltar a aplicar esse tipo de medidas. Ainda assim, e questionado sobre se o executivo tem a margem para o fazer, o primeiro-ministro diz que sim.
Para já ressalva que as prestações sociais e o salário mínimo acompanharam a subida da inflação, cujo valor vê a desacelerar.
Sobre o IVA, que em Espanha foi reduzido a 0% em vários alimentos, diz o chefe do Governo que essa pode ser uma medida pouco eficaz, ainda que não a exclua de todo.
"Temos acompanhado com atenção o que tem acontecido em Espanha, que reduziu o IVA para procurar baixar os preços. As notícias que vêm de Espanha dizem que a redução imediata foi rapidamente compensada pelas margens de comercialização. Não estou convencido da eficácia dessa medida, mas não excluo nada", afirma.
Contestação nas ruas e professores com uma resposta
Vão os professores recuperar integralmente o tempo de carreira perdido? Pergunta muitas vezes repetida e à qual António Costa acabou por dar uma resposta: "não". Começando por dizer que não podia ser taxativo em relação a isso, o primeiro-ministro não vê razões para haver um regime de exceção para os docentes em relação aos restantes funcionários públicos.
“Há alguma razão para que possa fazer para uma carreira especifica o que não posso fazer para todas as outras carreiras?”, pergunta, acrescentando que não vê condições para o país acrescentar 1.300 milhões de euros de despesa permanente. "Até agora, muita da frustração que os professores têm resultado de lhes ter sido prometida uma carreira fantástica. Temos de dar passos, mas nunca maior do que a perna para não tropeçarmos", acrescenta.
Sobre as greves, que os sindicatos prometem continuar, diz o primeiro-ministro que não há razões para identificar uma motivação política, esclarecendo que o Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (STOP) até surge de dissidentes do Bloco de Esquerda.
"Não fui eu nem o meu Governo que congelámos a carreira dos professores. Descongelámos desde 2018, repusemos o relógio a contar e não congelámos. Além disso conseguimos recuperar o equivalente do tempo dos outros funcionários públicos", refere.
Olhando para o país de forma genérica, o primeiro-ministro reconhece que "não é o momento para o país estar feliz".