O Azerbaijão lançou esta terça-feira o que designa de “operação antiterrorista” contra a região do Nagorno-Karabakh, onde residem cerca de 120 mil arménios.
O Ministério da Defesa do Azerbaijão exige a “total e incondicional” retirada das tropas arménias da região, reconhecida internacionalmente como território azeri, a qual considera ser a “única forma de garantir a paz e a estabilidade na região”. Ao início da noite no país, a administração presidencial reiterou este objetivo, ameaçando com a continuação das “medidas contraterroristas”.
Esta operação foi desencadeada após seis azeris – quatro polícias e dois civis – terem sido mortos com a explosão de minas numa zona da região controlada por Baku.
De acordo com Gegham Stepanyan, provedor dos direitos humanos da autoproclamada República de Artsakh – estado não reconhecido internacionalmente que administra os territórios povoados por arménios no Nagorno-Karabakh -, a ofensiva do Azerbaijão já provocou 25 mortos, um dos quais uma criança, e mais de 100 feridos.
A Arménia já respondeu, através do seu Ministério da Defesa, refutando as acusações de que o seu país tem tropas no Nagorno-Karabakh e acusando o Azerbaijão de lançar uma “agressão em larga escala” contra a população arménia.
Quem já reagiu aos eventos desta terça-feira?
A Rússia, através da porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, expressou a sua “profunda preocupação” pela escalada e pediu o fim da violência.
“A parte russa apela urgentemente ao fim do derramamento de sangue (...) e ao regresso a uma solução pacífica. Todas as etapas de uma solução pacífica estão definidas nos acordos assinados em 2020 e 2022. Para resolver a situação (...) temos de respeitar tudo o que foi acordado, evitar provocar a situação, trabalhar para a acalmar e resolver, e mostrar responsabilidade no cumprimento dos nossos compromissos”, disse Zakharova, citada pela AFP.
A União Europeia, através do seu Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança. Josep Borrell, também apelou à paz na região.
“A UE condena a escalada militar em Karabakh e deplora a perda de vidas. Apelamos à cessação imediata das hostilidades e ao Azerbaijão para que ponha termo às atuais atividades militares É necessário o empenhamento de todas as partes para se chegar a resultados negociados”, escreveu Borrell no X.
França, país onde residem cerca de 750 mil arménios, anunciou que pediu uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU sobre este tema. Em comunicado citado pela Reuters, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de França prometeu uma “forte resposta” a uma “ofensiva inaceitável” e disse que “nenhum pretexto” a poderia justificar. O governo francês referiu também que Emmanuel Macron já ligou ao primeiro-ministro arménio, Nikol Pashinyan, para falar sobre a ofensiva azeri.
A Alemanha também reagiu. Em Nova Iorque, à margem da 78.ª Assembleia-Geral da ONU, a ministra dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, condenou o ataque.
"A promessa de Baku de se abster de ações militares foi quebrada. O Azerbaijão tem de parar imediatamente com os bombardeamentos e regressar à mesa das negociações”, afirmou Baerbock, citada pela Reuters.
A Turquia, por seu turno, considera a ação do Azerbaijão "necessária", uma vez que as preocupações de Baku não foram atendidas. "Em consequência das suas legítimas preocupações com a situação no terreno, que expressou repetidamente durante os quase três anos decorridos desde o fim da Segunda Guerra de Karabakh, não terem sido atendidas, o Azerbaijão foi forçado a tomar medidas que considera necessárias no seu território soberano", pode ler-se no comunicado emitido pelo governo de Ancara e citado pela Reuters.
Que conflito é este?
O Nagorno-Karabakh é há muito um foco de tensão entre arménios e azeris. Nos tempos contemporâneos, a região sempre foi ocupada na sua maioria por arménios. Apesar disso, com a União Soviética, a administração do território foi entregue à República Socialista Soviética do Azerbaijão.
À medida que o Estado comunista se desintegrava, a situação foi ficando cada vez mais instável. A Primeira Guerra do Nagorno-Karabakh, que se inicou em 1988 e durou cerca de seis anos, teve um desfecho favorável para os arménios, com grande parte da região a passar a estar sob o seu controlo.
No total, 16% do território internacionalmente reconhecido como azeri passou a estar sob controlo arménio, mas não foi integrado no território da Arménia: nascia, então, a autoproclamada República de Artsakh, que engloba a região do Nagorno-Karabakh e mais alguns territórios a oeste e sul, e que nunca obteve reconhecimento oficial de nenhum país.
Salvo as ocasionais disputas localizadas, o status quo manteve-se inalterado até setembro de 2020. Enquanto o mundo se deparava com uma pandemia, o Azerbaijão lançou uma ofensiva a Artsakh, espoletando assim o início da Segunda Guerra do Nagorno-Karabakh.
Ao contrário do primeiro conflito, o desfecho foi favorável aos azeris. Para além do sucesso no terreno, o país liderado por Ilham Aliyev obteve uma grande vitória na mesa das negociações.
Sob os termos do acordo de cessar-fogo, assinado a 9 de novembro de 2020 e mediado por Vladimir Putin, os arménios foram obrigados a ceder o controlo de vários distritos: Agdam, a leste, Kalbajar e Lachin, a oeste. Com a perda deste último, um desfecho temido: o território de Artsakh passa a estar separado da Arménia e totalmente rodeado pelas tropas azeris.
O acordo, porém, dava alguma esperança aos arménios, com o estabelecimento de um corredor, o corredor de Lachin, sob controlo de forças russas de manutenção de paz, para assegurar a continuidade do tráfego de bens entre a Arménia e Artsakh. Mas não durou muito.
Em dezembro de 2022, alegados ativistas ambientais azeris, às ordens de Baku, bloquearam o corredor, protestando contra a exploração ilegal de minérios na região, numa flagrante violação do acordo assinado dois anos antes. Durante alguns meses, a ajuda humanitária ainda foi entrando em Artsakh, mas, em abril, os azeris bloquearam totalmente a estrada, sem que as forças russas o tivessem impedido.
Quem são os aliados de parte a parte?
Do lado do Azerbaijão, as alianças são mais claras. A Turquia é o grande apoiante do regime de Baku, tendo mesmo sido o primeiro país a reconhecer a independência do Azerbaijão após o colapso da União Soviética. Os povos dos dois países são considerados irmãos uma vez que ambos são de origem turca.
De acordo com dados do governo de Baku, a Turquia é o destino de 9,3% das exportações do Azerbaijão – o segundo maior comprador de bens azeris, atrás de Itália. Ancara é também um dos maiores fornecedores de armamento do regime de Ilham Aliyev – quase 3% das importações de armamento que o Azerbaijão efetuou vieram da Turquia, incluindo os populares drones Bayraktar TB2.
No entanto, mais do que apoio económico e militar, o governo de Recep Tayyip Erdogan garante um apoio diplomático vital ao Azerbaijão.
Outro grande aliado de Baku é Israel. O Estado do Médio Oriente é o terceiro maior importador do Azerbaijão, sendo o destino de 4,4% das vendas azeris para o exterior. No entanto, ao contrário da Turquia, o apoio israelita não se faz sentir tanto no capítulo diplomático, mas sim no campo militar. De acordo com o Stockholm International Peace Research Institute, quase 27% do armamento importado pelo Azerbaijão entre 2011 e 2020 veio de Israel, número que sobe para 69% se isolado o período entre 2016 e 2020.
Foi mesmo de Israel que veio um dos sinais de que o Azerbaijão poderia estar a preparar uma ofensiva: entre 15 de agosto e 2 de setembro, registaram-se quatro voos entre o Azerbaijão e a base militar de Ovda, de onde Israel exporta munições. A aeronave utilizada nessas viagens foi um Ilyushin-76TD, capaz de levar cinquenta toneladas de carga, operado pela Silk Way Airlines, diretamente controlada pelo governo azeri.
Outro aliado do Azerbaijão é a Ucrânia. Em janeiro deste ano, o conselheiro do presidente Volodymyr Zelensky, Mykhailo Podolyak, declarou o total apoio da Ucrânia ao bloqueio azeri do Nagorno-Karabakh, afirmando que o seu impacto estava a ser “exagerado” pela Rússia para “desviar as atenções da guerra na Ucrânia”.
Do lado da Arménia, a situação é mais cinzenta, uma vez que o país se tem afastado cada vez mais do seu grande aliado histórico, a Rússia, que, por sua vez, tem incrementado a sua relação com o Azerbaijão, ao ponto de se ter tornado o principal fornecedor de armamento das forças armadas azeris entre 2011 e 2020.
O afastamento entre russos e arménios tem aumentado nos últimos meses, muito devido à retórica da diplomacia russa sobre o bloqueio. No dia 25 de julho deste ano, após uma ronda negocial com os seus homólogos arménio e azeri, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia Sergei Lavrov foi claro: os arménios da região do Nagorno-Karabakh têm de aceitar a integração no Azerbaijão.
“O caminho não é fácil. Há muitas questões complexas e importantes a resolver. A mais sensível delas era e continua a ser o problema de garantir os direitos e a segurança dos arménios do Nagorno-Karabakh no contexto da garantia da integridade territorial do Azerbaijão, em plena conformidade com a Declaração de 1991, assinada pelos líderes das antigas repúblicas soviéticas em Almaty. A sua efetividade foi hoje confirmada pelos dirigentes azeris e arménios. Os trabalhos para um tratado de paz estão a ser desenvolvidos em conformidade com esta declaração”, disse o governante russo, citado pelo seu ministério.
Mais recentemente, a 30 de agosto, a porta-voz de Lavrov, Maria Zakharova, afirmou que a culpa do bloqueio azeri a Artsakh era da Arménia.
“Gostaria de recordar que a atual situação no corredor de Lachin é uma consequência do reconhecimento pela Arménia do Nagorno-Karabakh como parte do território do Azerbaijão”, alegou Zakharova.
Em resposta ao Kremlin, o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinyan, teceu duras críticas ao governo russo, apontando a “absoluta indiferença” das forças de paz russas perante o bloqueio azeri, e afirmou que o seu país “não pode continuar a contar com a Rússia” para o defender, classificando a aliança com Moscovo como “um erro estratégico”.
Quem está a tentar mediar o conflito?
A tentar mediar o conflito estão os Estados Unidos. Esta terça-feira, horas após a ofensiva azeri, o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken falou com Nikol Pashinyan e reiterou a necessidade de desescalar o conflito. Fonte do Departamento de Estado dos EUA afirmou à Reuters que é “provável” que Blinken encete esforços de mediação entre as duas partes durante as próximas 24 horas. Um segundo oficial do governo americano explicou que a situação é “particularmente flagrante e perigosa”.
“Obviamente, manteremos o contacto com as duas partes”, referiu.
O próprio Blinken emitiu um comunicado, no qual pede ao Azerbaijão que cesse imediatamente o ataque. "Estas ações estão a agravar uma situação humanitária já de si terrível no Nagorno-Karabakh e minam as perspetivas de paz. Apelamos ao fim imediato das hostilidades e a um diálogo respeitoso entre Baku e os representantes da população do Nagorno-Karabakh", escreveu o governante americano.
Também a União Europeia está a envolvida na prevenção de uma guerra em larga escala. Ao longo dos dez meses de bloqueio ao Nagorno-Karabakh, Josep Borrel e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, realizaram várias reuniões com os líderes dos dois países.
O bloco dos 27, contudo, parte atrás dos Estados Unidos como mediador, uma vez que é o maior cliente dos combustíveis fósseis azeris. Itália, por exemplo, foi o destino de 47% das exportações do Azerbaijão no ano passado. A grande maioria dessas exportações foram de gás natural, feitas através do gasoduto Trans-Adriático – financiado em 700 milhões de euros pelo Banco Europeu de Investimento –, que liga o campo de exploração de gás de Shah Deniz, no Mar Cáspio, a Itália, passando pela Turquia, Grécia e Albânia.
Após a invasão russa da Ucrânia, em julho de 2022, a União Europeia deu mais um passo para incrementar a compra de gás azeri com a assinatura de um memorando, que prevê duplicar as importações de gás deste país até 2027.
“A UE está a virar-se para fornecedores fiáveis de energia. O Azerbaijão é um deles. Com o acordo de hoje, comprometemo-nos a expandir o Corredor Meridional de Gás, a fim de duplicar o fornecimento de gás do Azerbaijão à UE”, escreveu na altura a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no X.
Qual a diferença entre o Nagorno-Karabakh e a República de Artsakh?
Para os arménios, os termos Nagorno-Karabakh e Artsakh são usados quase indiferentemente. Contudo, formalmente, os dois termos não são equivalentes.
Explicando de forma sucinta, o Nagorno-Karabakh é uma região e a República de Artsakh é a entidade política que administrou grande parte desta região e alguns territórios adjacentes desde o colapso da União Soviética até à Segunda Guerra do Nagorno-Karabakh.