Do arrendamento coercivo ao alojamento local. Saiba quais as medidas para a Habitação que vão hoje a votos - TVI

Do arrendamento coercivo ao alojamento local. Saiba quais as medidas para a Habitação que vão hoje a votos

  • ECO - Parceiro CNN Portugal
  • Ana Petronilho
  • 19 mai 2023, 08:15
Prédios e casas residenciais no centro histórico de Lisboa. (Soeren Stache/Getty Images)

Além do pacote de medidas apresentado pelo Governo, deputados votam 13 propostas de quase todos os partidos da oposição. Confira as cinco principais mudanças - e os argumentos a favor e contra.

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Três meses depois do anúncio do pacote Mais Habitação, no Conselho de Ministros a 16 de fevereiro, arranca esta sexta-feira, no Parlamento, a discussão e votação das medidas propostas pelo Governo. Mas além dos diplomas do Executivo, o plenário vai ser palco da discussão de 13 propostas apresentadas por quase todos os partidos da oposição, à exceção do Iniciativa Liberal e do PAN.

O leque de medidas é vasto. Mas no pacote Mais Habitação há duas que estão a gerar forte polémica: o arrendamento coercivo de imóveis devolutos há, pelo menos, dois anos; e as regras previstas para o Alojamento Local, que vão desde o fim de novas licenças ao agravamento fiscal para os apartamentos que funcionam neste regime. Caso estas medidas venham a ser aprovadas tal como estão, há mesmo o risco de não chegarem ao terreno.

Veja abaixo cinco das propostas estruturais para a Habitação, que foram desenhadas pelo Governo, assim como os diplomas alternativos que a oposição apresenta para essas áreas. Confira igualmente o que diz o setor sobre estas medidas e o que pode vir a travar a sua chegada ao terreno.

Arrendamento coercivo para imóveis devolutos há pelo menos dois anos

Apesar dos avisos do Presidente da República sobre a constitucionalidade da medida, que está a gerar forte polémica, uma das propostas submetidas pelo Governo prevê o arrendamento coercivo de casas devolutas. Em causa estão os imóveis classificados como devolutos há, pelo menos, dois anos.

Todos os proprietários das casas sinalizadas como devolutas – através da lista enviada às autarquias pelas empresas de água, luz, gás e telecomunicações – têm um prazo de 100 dias para dar uso ao imóvel antes de ser arrendada compulsivamente.

Caso o proprietário não responda ou não dê uso ao imóvel, o Estado poderá, por motivos de interesse público, arrendar de forma coerciva as casas, pagando uma renda ao proprietário, com um valor 30% superior face à mediana fixada para a freguesia onde está localizado o imóvel, tendo também em conta a tipologia.

Fora do arrendamento coercivo ficam os imóveis que não sejam apartamentos e os que estão localizados em territórios de baixa densidade, fora da zona do Algarve e do litoral do país. Além disso, estão também excluídas as segundas habitações, as habitações de emigrantes ou habitações de pessoas deslocadas por razões profissionais, formação ou saúde.

Esta medida gerou críticas de Marcelo Rebelo de Sousa e do antigo chefe de Estado, Cavaco Silva, que disse que “face a este conflito de direitos – direito de habitação e direito de propriedade – os marxistas ignorantes das regras da economia de mercado que vigora na União Europeia” dirão “que se proceda à coletivização da propriedade urbana privada”.

E caso a medida venha a ser aprovada tal como está, corre mesmo o risco de não avançar ou de ter os dias contados. Vários especialistas do setor já alertaram para o risco de violação do direito privado. E o PSD já fez saber, em entrevista ao ECO, que assim que formar Governo vai “revogar o arrendamento coercivo” para que sejam as autarquias a gerir os edifícios devolutos e para que, caso o Estado central não dê uso ao património público num prazo de 60 dias, as câmaras tomem posse administrativa.

Também as Câmaras de Lisboa e do Porto já assumiram que não irão aplicar o arrendamento coercivo. “Pois, não vai acontecer”, garantiu, em entrevista ao Público, a vereadora da Habitação na autarquia da capital, Filipa Roseta, que prevê que a medida traz “mais problemas do que soluções” e que “vá tudo parar a tribunal”. Já o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, classificou o arrendamento coercivo como uma medida “irrealista ou manifestamente nociva”.

Para resolver o problema dos imóveis devolutos, o PCP propõe criar uma linha de crédito a taxa reduzida para apoiar a recuperação e reabilitação de devolutos ou para obras de transformação de imóveis comerciais para habitacionais.

O Bloco de Esquerda apresentou uma proposta que altera o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis para passar o agravamento do IMI dos imóveis devolutos para a Autoridade Tributária retirando esta competência aos municípios.

Medidas para o Alojamento Local

Para trazer para o mercado de arrendamento as casas que funcionam em Alojamento Local, o Governo propõe várias medidas de incentivo ou de agravamento de impostos. Também estas medidas estão a gerar forte polémica entre as autarquias e o setor a submeter uma petição que conta com mais de sete mil assinaturas, e com a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) a apoiar uma manifestação em frente ao Parlamento, enquanto decorrer o debate.

Desde logo, com a aprovação da proposta do Governo ficam suspensas as novas emissões de licenças de alojamento local até 31 de dezembro de 2030, com exceção dos hostels e guest houses. Fora desta medida ficam ainda os alojamentos locais que funcionam nas zonas do interior do país, na Madeira e nos Açores. E todos os registos emitidos até à data de entrada em vigor das novas regras caducam a 31 de dezembro de 2030, passando a ser renováveis a cada cinco anos.

Em termos fiscais, o Alojamento Local passa a pagar uma contribuição extraordinária que será de 20% sobre as receitas estimadas, com base na aplicação de dois coeficientes (económico e de pressão urbanística​), a que se soma um agravamento do IMI. Estas duas medidas têm efeitos práticos apenas em apartamentos individuais.

O único incentivo previsto na proposta do Governo para este setor tem como alvo os proprietários de frações que funcionem como alojamento local, com registo de licença até 31 de dezembro de 2022, e que optem por disponibilizar as casas para arrendamento. Nestes casos, os proprietários vão ter isenção de IRS sobre as rendas até 31 de dezembro de 2030. Mas para que isso aconteça, o contrato de arrendamento terá de ser assinado até 31 de dezembro de 2024.

Mas também estas medidas, mesmo que aprovadas pelo Parlamento, correm o risco de não chegar ao terreno. A Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) alertou Bruxelas – que tem poder para travar estas medidas – para a “desproporcionalidade” das propostas do Governo, por considerar que entram em choque com normas comunitárias contra as restrições à criação de empresas.

No início de maio, a Comissão Europeia bloqueou os planos da Irlanda para endurecer as regras do Alojamento Local. Para já, a Comissão Europeia diz estar “vigilante” e a “aguardar notificação” do Governo para analisar se são violados os artigos 49º e 56º do Tratado de Funcionamento da União Europeia que obrigam a que restrições como as que se prendem com o alojamento local têm de respeitar princípios de “proporcionalidade” e de ser “apropriadas e fundamentais para proteger os objetivos de interesse público”.

As autarquias estão contra estas medidas e frisam que, por exemplo, a suspensão de novas licenças devem resultar “de deliberação fundamentada dos órgãos municipais, conhecedores, em detalhe, das necessidades habitacionais das suas populações”. Também Lisboa e Porto – que aprovaram recentemente novas regras para o AL – acusam o Governo de “exterminar uma atividade”. Tanto Carlos Moedas como Rui Moreira defendem que “não se pode decidir por decreto o fim de um setor”. “Proibir está errado. Não se podem tomar estas medidas sem consultar as câmaras, que tinham o trabalho a meio”, verbalizaram.

Este é outra das medidas que o PSD diz que também vai revogar quando formar Governo.

Fim dos vistos gold

O fim das autorizações de residência para atividade de investimento, os chamados vistos gold, é outra das medidas previstas para “combater a especulação imobiliária”. O Governo já aprovou em Conselho de Ministros a proposta para o fim deste programa, criado em 2012, mas é ainda necessária a aprovação do diploma no Parlamento para que a medida entre em vigor. No entanto, os cerca de 12 mil vistos gold atribuídos vão poder continuar a fazer a renovação da autorização nas mesmas condições previstas até agora.

Esta é a única medida do pacote Mais Habitação que Cavaco Silva vê como “positiva”, apesar de os promotores imobiliários recusarem que os vistos gold tenham impacto no aumento dos preços na habitação, lembrando que representam 3% das transações realizadas no mercado.

O PSD quer também revogar o fim imediato dos vistos gold, defendendo a criação de um regime especial para a Madeira e Açores e que seja criado um regime transitório com um período de dez anos, para que a medida seja aplicada de forma gradual.

Em alternativa, o Bloco de Esquerda apresenta uma proposta para votação que proíbe a venda de casas a não residentes, quer seja a pessoas singulares ou a empresas.

Travão ao aumento das rendas

O Governo quer travar o aumento do valor das rendas e criar um limite máximo de 2% para a subida da mensalidade paga pelos inquilinos, face ao preço anterior, em todas as casas que estiveram no mercado nos últimos cinco anos. Um travão que, caso seja aprovado pelo Parlamento, vai vigorar até 2030.

Desta forma, o valor das rendas deixa de ser calculado de acordo com a taxa de inflação. Mas, a este valor podem ser somados os coeficientes de atualização automática dos três anos anteriores (caso não tenham sido aplicados), sendo considerados 5,43% em relação a 2023.

Já as rendas antigas (anteriores a 1990) que não transitaram para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) vão passar a ser atualizadas de acordo com a inflação e vão ficar isentas de IRS e de IMI. Está ainda previsto o pagamento de uma compensação aos senhorios.

Esta proposta levou 20% dos proprietários com casas arrendadas a decidir pela venda dos imóveis. E um número idêntico de senhorios avançou com um aumento ou atualização extraordinária das rendas para “compensar o risco” do travão no aumento das mensalidades, como aponta o último barómetro da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP).

Neste campo, o Bloco de Esquerda leva esta sexta-feira a votos uma proposta para criar tetos máximos do valor das rendas “de acordo com cada cidade, com cada zona de cada cidade”, considerando serem “tetos máximos adequados aos valores dos rendimentos em Portugal, tetos máximos sensatos, que permitam que todas as pessoas possam ter acesso a uma casa”. Ou seja, o limite máximo do aumento irá flutuar tendo em conta estas condicionantes.

O PCP avança com uma proposta que cria um “regime especial de proteção dos inquilinos, que limita o valor dos novos contratos”, “garante a estabilidade no arrendamento” e “restringe as situações de despejo”. Na prática, os novos contratos de arrendamento passariam a ter um aumento máximo de 0,43% em relação “ao valor da última renda praticada”, em imóveis que tenham estado sujeitos a arrendamento “nos cinco anos anteriores”.

Casas vendidas ao Estado com mais-valias isentas de IRS

Desde o ano passado que o Estado tem ido ao mercado comprar imóveis para incluir nos programas de rendas acessíveis. Com a aprovação do pacote Mais Habitação, as mais-valias resultantes de venda de imóveis ao Estado ou aos municípios ficam isentas de IRS. No entanto, fora desta medida estão as mais-valias de residentes dos países que Portugal classifica de paraísos fiscais.

Em matéria de incentivos fiscais, o Bloco de Esquerda propõe a “eliminação dos benefícios fiscais atribuídos a fundos de investimento imobiliário e a limitação dos benefícios fiscais atribuídos em sede de IMI e IMT” para os imóveis que foram alvo de reabilitação e que fiquem fora do mercado de arrendamento.

Além disso, os bloquistas querem eliminar “o regime dos residentes não habituais, que confere benefícios fiscais em sede de IRS a residentes não habituais através da compra de casa”. Para os deputados do BE este regime é “injusto” e “pressiona o mercado imobiliário” sem estar “comprovada a sua eficácia ao nível da atração de profissionais qualificados” para o país.

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