Primeiro dia da nova legislatura termina sem que se consiga eleger o presidente da Assembleia da República. Foi um "triste espetáculo", uma amostra da instabilidade política que teremos pela frente - TVI

Primeiro dia da nova legislatura termina sem que se consiga eleger o presidente da Assembleia da República. Foi um "triste espetáculo", uma amostra da instabilidade política que teremos pela frente

Eleição para a presidência da Assembleia da República (Lusa/TIAGO PETINGA)

O dia começou com a certeza de que José Pedro Aguiar-Branco seria eleito e terminou depois das 23:00 e de três votações sem se conseguir atingir uma maioria. Partidos têm até às 11 horas desta quarta-feira para apresentar novas candidaturas. Chega mostra-se disponível para entendimento com o PSD, mas com uma condição

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O impasse continua por, pelo menos, mais umas horas. À terceira votação, nem José Pedro Aguiar-Branco, o candidato do PSD, nem Francisco Assis, indicado pelo PS, conseguiram obter a maioria exigida para serem eleitos presidente da Assembleia da República. Na votação final, Assis obteve 90 votos, Aguiar-Branco teve 88 e houve ainda 52 votos em branco, entre os quais os da bancada do Chega.

Depois de ter anunciado um "entendimento" com o PSD, o Chega acabou por surpreender todo o hemiciclo ao não votar favoravelmente o nome de Aguiar-Branco. No entanto, ao final da noite, André Ventura voltou à carga, mostrando disponibilidade para viabilizar a candidatura do PSD: "Independentemente de quem seja o nome, eu pedirei ao dr. Luís Montenegro, esta noite, amanhã de manhã, à hora que ele quiser, uma reunião", disse, no final do plenário. O único ponto da agenda desse encontro é: eleger o presidente da AR. "Juntos os partidos têm uma maioria ampla, separados perdemos para o Partido Socialista e para a esquerda", afirmou, sublinhando: "Depois do que que aconteceu hoje [terça-feira], é imprescindível para o país vencer a candidatura do Partido Socialista, seja Francisco Assis ou outro."

Ventura garante que deixará o PSD escolher o candidato e não porá obstáculos a nenhum nome, mas com uma condição: que o PSD assuma inequivocamente o acordo com o Chega. "Faz sentido continuar este rol de eleições, quando podemos chegar a um entendimento e juntos derrotar o PS?", perguntou o líder do Chega. "Se não o fizermos, seremos responsáveis os dois por esta convergência não ter acontecido." 

Sobre o dia de quarta-feira ainda pouco sabemos. Irá o PSD apresentar novamente o nome de Aguiar-Branco? Miranda Sarmento, líder da bancada social-democrata, mostrou-se disponível para negociar com todas as forças políticas. Irá entender-se com o Chega ou com o PSD? E o que fará o PS? Irá apresentar outra vez o nome de Assis, que, como dizia Eurico Brilhante ao final da noite, foi duas vezes o candidato mais votado pelos deputados? As candidaturas terão de ser apresentadas até às 11:00 da manhã, para que a eleição se realize ao meio-dia.

PSD não soube negociar, Ventura decidiu amuar: "Este foi o trailer do que vai ser o filme dos próximos tempos"

"É mais um dia de espera e mais um dia em que não sabemos se haverá um entendimento. E podemos ficar aqui eternamente", concluía o comentador da CNN Portugal, Rui Calafate, ao final da noite. "Não sei se o candidato do PSD está disposto a ser humilhado mais uma vez. A expectativa era chegarmos cá hoje e eleger José Pedro Aguiar-Branco. Isto foi uma surpresa para todos e o retrato é de uma instabilidade permanente. Já o sabíamos, este foi o Governo eleito com o resultado mais fraco desde o 25 de Abril. Agora, a maneira de fazer política terá de ser diferente: o centro político passa para o Parlamento. Tudo se passa aqui e com muita intensidade."

Ao fim do dia, há várias lições a tirar. "Julgo que o erro total foi de gestão deste processo por parte do PSD", diz Rui Calafate, considerando que agora é importante que o PSD perceba que "numa situação tão periclitante como esta que vivemos, terá de falar com todas as forças políticas". "Acho que o PSD aprendeu hoje que deve perder alguma soberba e passar a falar com todos os partidos. E, já agora, tudo o que forem entendimentos passarem a escrito." 

"O resto foi o Chega a marcar terreno, são jogos florentinos", diz. Ficou claro que "o Chega quis provar duas coisas: uma que o bipartidarismo chegou ao fim e também que é um partido indispensável ao PSD". 

"A partir de agora vamos ver quem é que fica a perder. Porque se a solução final for Aguiar-Branco isso quer dizer que andámos a perder um dia. E os portugueses não querem isto, querem é que haja um bom Governo e que resolva os problemas das pessoas", conclui o comentador. "Isto não resolve os problemas dos portugueses e acentua uma imagem de instabilidade - é péssimo para a imagem do país."

Também a politóloga Paula do Espírito Santo concorda que "houve uma grande incapacidade de negociação, a começar pela AD" - "Tomaram como certo um acordo que afinal não estava assim tão certo", diz à CNN Portugal. "Era um acordo muito frágil, qualquer abanão seria suficiente para fazer abanar o cimento." Na opinião desta analista, houve, antes de mais, "uma desarticulação interna na AD", uma vez que houve elementos do PSD e CDS que vieram dizer publicamente que não havia nenhum entendimento com o Chega. Ou seja, houve da parte de Luís Montenegro uma "incapacidade de gerar uma convergência mais ampla".

"O Chega só por si já é inconstante, mas André Ventura teria a ganhar em entrar neste acordo." As declarações públicas dos elementos da AD que desmentiram o acordo legitimaram, digamos assim, a reação do Chega. Depois, claro, houve também "um amuo" da parte de André Ventura. "O Chega joga com a desconcertação e a oposição ao regime", explica Paula do Espírito Santo. No entanto, agora, Ventura também terá de tomar uma atitude: "O Chega não tem muito a perder, mas acabou por comprometer a sua imagem pública." Por isso, terá de melhorar a sua capacidade de dialogar, avisa a analista.

E agora? "Tem de se chegar a um entendimento. Temos um Parlamento muito repartido, alguém tem de ceder. Nem que seja por exaustão", afirma a politóloga. "Em última análise temos um órgão que tem de encontrar uma solução internamente. Tem de haver alguma sabedoria e consciência política para que se possa desbloquear esta situação." De qualquer forma, já sabemos que esta "vai ser sempre uma legislatura muito instável, do ponto de vista da possibilidade de criar consensos e compromissos. Terá de haver mais articulação interna na coligação. E vai ser sempre uma navegação à vista, de curto prazo, baseada em acordos que até ao último momento podem não se concretizar, como se viu." E vamos ver o que acontecerá na votação do Orçamento de Estado: "Vai ser um momento crucial", considera Paula do Espírito Santo. 

Gaspar Macedo parece concordar com a opinião de Paula do Espírito Santo: "Se eu fosse eleitor do Chega pensava: o meu voto está a ser traído", diz o comentador da CNN Portugal. "Depois de oito anos de governação socialista, o Chega aproveitou a primeira oportunidade para se aliar ao PS para impedir que se comece a trilhar um caminho alternativo. O eleitor votou no Chega porque queria mudança. E num momento em que o país tem que meter as mãos ao trabalho", André Ventura opta por fazer jogos de poder. "Isto não é política, é puro teatro político", conclui.

"Este foi o trailer do que vai ser o filme dos próximos tempos", comentou Mafalda Anjos na CNN Portugal. "Luís Montenegro terá feito um acordo sem assumir publicamente que o fez, mas com o Chega não é possível haver entendimentos, acordos de cavalheiros. André ventura quer ter influência, mas quer que se saiba que tem influência e tem poder, e fazer valer o seu 1,2 milhões de votos."

"Luis Montenegro foi para o cenário de guerra que é esta Assembleia da República e não se muniu nem de armas nem de capacete", considera Mafalda Anjos. "Foi ingénuo, foi a confiar que podia fazer um acordo à boca pequena mas não contou com a boca grande de André Ventura. Foi uma ingenuidade imensa de Luís Montenegro, já deveria saber que não pode confiar num parceiro como André Ventura e o Chega. Ainda nem experimentou a água, foi molhar o pé e já está em apuros."

"Isto vai ser o caos se se multiplicar daqui para frente em todas as votações, o país vai ser ingovernável", comentou Anselmo Crespo. "Não havendo um acordo,  Luís Montenegro terá de negociar caso a caso e vai ter de estabelecer pontes." Mas o que aconteceu hoje "foi que esta ponte ruiu logo no primeiro dia".

Três votações, muitas acusações e, ao final do dia, não há presidente

Ninguém o esperava, mas foi um dia longo no Parlamento. De manhã, era dado como certo que Aguiar-Branco seria eleito sem qualquer problema. Na segunda-feira, Miranda Sarmento, líder da bancada parlamentar do PSD, ligou a Pedro Pinto, líder da bancada parlamentar do Chega, a propor um compromisso: o Chega aprovaria o nome de José Aguiar-Branco para a presidência da AR e, em troca, o PSD aprovaria os nomes propostos pelo Chega para a mesa da Assembleia. O Chega aceitou esse acordo, como logo fez saber André Ventura. "O PSD informou o Chega que viabilizará a nomeação de vários dirigentes do partido para vice-presidente da Assembleia da República, secretário e vice-secretário”, disse. “Quero sublinhar a reciprocidade deste entendimento”, afirmou, acrescentando que também viabilizaria o nome proposto pela IL para vice-presidente, o deputado Rodrigo Saraiva. 

No entanto, o acordo nunca foi assumido publicamente por Luís Montenegro - e esse parece ter sido o primeiro problema. Além disso, "durante toda a manhã de hoje, dirigentes e responsáveis da AD apressaram-se falsamente a dizer que não existia nenhum acordo", justificou André Ventura aos jornalistas após a primeira votação, referindo-se concretamente a Nuno Melo, presidente do CDS. Outros deputados do Chega, como Pedro Frazão, iriam referir-se também a Paulo Rangel, vice-presidente do PSD.

"O acordo foi amplamente difundido pela comunicação social e não foi desmentido por Luís Montenegro, mas foi desmentido por figuras de segunda linha da AD e o Chega não pode ficar indiferente a isso", justificou Frazão. "O Chega não vai ser a muleta da AD. Se querem de facto os 50 votos do Chega vão ter de entrar num acordo. O ‘não é não’ não pode ser para umas coisas e para outras não", declarou. Apesar disso, André Ventura diz que deu indicações ao seu grupo parlamentar para que o nome de Aguiar-Branco fosse viabilizado.

Não foi isso que os resultados demonstraram: Aguiar-Branco obteve apenas 89 votos dos 116 necessários. Houve ainda 134 votos em branco e sete votos nulos. Isto significava que os partidos teriam de apresentar novamente candidatos para que a votação fosse repetida. Isto significava também que, feitas as contas, o Chega não tinha cumprido o acordo anunciado.

"Eu não sei quem votou a favor e quem votou contra. Nós não sabemos. Não sei se os deputados do PSD votaram a favor. Mas há uma coisa que sei: o PSD tem de escolher as companhias. Tem de escolher se quer fazer uma coligação com o Partido Socialista ou se quer governar à direita", acusou Ventura, rejeitando qualquer responsabilidade neste resultado. "Esta atitude do PSD tem de acabar", disse. "Estávamos há dois dias disponíveis para um acordo com o PSD e continuamos disponíveis. Mas o PSD não pode querer a companhia  do Chega e do PS ao mesmo tempo." E, dirigindo-se aos deputados do PSD: "Usando uma expressão muito conhecida vossa: não é não", concluiu. 

Perante esta reviravolta, o líder da bancada parlamentar social-democrata, Miranda Sarmento, anunciou que o partido não voltaria a apresentar a candidatura de Aguiar-Branco uma vez que tinha sido informado de que PS e Chega não tencionavam mudar a sua orientação de voto. Miranda Sarmento acusou PS e Chega de fazerem "uma coligação negativa". "Talvez haja uma coligação positiva entre as duas forças e queiram apresentar um candidato à presidência da Assembleia da República", desafiou, na sua intervenção no Parlamento.

Do PS, o líder da bancada Eurico Brilhante Dias recordou que o PS não foi contactado em nenhum momento pelo PSD. "O Partido Socialista foi posto perante um facto, um acordo à direita para a eleição do presidente da AR e a mesa da AR, com troca de votos com o PSD, presumo que também o CDS, e o partido Chega. Perante essa evidência o PS não apresentou nenhum candidato. A maioria de direita estava em condições de não degradar mais as instituições e provocar esta circunstância à Assembleia da República", disse, justificando assim o voto em branco do partido. E, respondendo ao Chega: "Aquilo que acontece hoje aos olhos dos portugueses é que o acordo à direita não funcionou, foi rasgado em menos de 24 horas. Por isso, incluir o grupo parlamentar do PS nesse acordo é apenas má-fé. O Partido Socialista não foi tido nem achado nos acordos da direita".

Vitalino Canas foi outra das vozes do PS a confirmar esta ideia de que o PS até estaria disponível para apoiar Aguiar-Branco se o PSD não tivesse optado por fazer um acordo com o Chega: "Se tivesse havido algumas conversas provavelmente ter-se-ia conseguido a eleição de José Pedro Aguiar-Branco", disse na CNN Portugal.

Perante a rejeição do nome de Aguiar-Branco pelos deputados, e antes ainda de saber que este se recandidataria, o Partido Socialista anunciou Francisco Assis, por considerar que este seria "o melhor candidato": "É evidente que o PSD não conseguiu encontrar uma solução maioritária. E aquilo que um partido responsável faz é oferecer à câmara um dos seus melhores. Francisco Assis foi líder parlamentar mais do que uma vez, é um político de provas dadas", justificou Eurico Brilhante. "O Partido Socialista não deixará esta câmara sem uma solução."

Sensivelmente ao mesmo tempo, José Pedro Aguiar-Branco anunciou a sua recandidatura. "Entendo que o país não pode ficar num impasse. Os eleitores que votaram em mim em Viana do Castelo sabem que eu não desisto", disse, esperando que fosse possível "nesta segunda votação ser eleito presidente da Assembleia da República", justificou. "A minha motivação é única e exclusivamente em nome do interesse nacional. Não preciso de garantias de nada. O voto é livre. Apresento a minha candidatura e os deputados decidem."

Se Aguiar-Branco contava com o apoio de PSD, CDS e Iniciativa Liberal, Francisco Assis contava com os votos de PS, Bloco de Esquerda e Livre. Neste momento, o Chega acabou por surpreender tudo e todos apresentando a sua própria candidata, Manuela Tender. PAN e PCP não revelaram a orientação dos seus votos. E assim se chegou à segunda votação do dia, que aconteceu pelas 21:00 - com a certeza de que nenhum dos três candidatos conseguiria a maioria dos votos e, por isso, se iria avançar para uma segunda volta. 

O que se veio a concretizar. Francisco Assis obteve 90 votos, José Pedro Aguiar-Branco teve 88 votos e Manuela Tender teve 49 votos. Houve ainda 2 votos em branco. Votaram 229 deputados. Os candidatos do PS e do PSD disputaram a segunda volta. Mas o Chega voltou a votar em branco. Assis voltou a ser o mais votado com mais dois votos do que Aguiar-Branco, mas sem maioria, e a sessão terminou, já depois das 23:00, sem que o presidente da AR fosse eleito.

"Foi um triste espetáculo", disse Bernardino Soares, do PCP, na CNN Portugal. "Foi um momento muito pouco digno do Parlamento. O PSD não tratou bem este momento. Para garantir que teria todos os apoios, o PSD deveria ter falado com todos os partidos."

Rui Rocha, que ao início tinha acusado PS e Chega de se unirem para bloquear a candidatura do PSD, acabou por centrar as suas críticas no Chega, dizendo que o “Parlamento está refém de um irresponsável que se chama André Ventura” e classificando o sucedido como uma "vergonha": o líder da Iniciativa Liberal considera "inadmissível" que a Assembleia da República esteja a braços com uma "birra de uma criança de 40 e tal anos".

Rui Tavares, porta-voz do Livre, entende que o impasse que, esta terça-feira, se viveu na Assembleia da República é o reflexo da postura de Luís Montenegro desde o início da campanha eleitoral: "Nunca disseram o que fariam [quanto ao Chega] e continuam a não dizer." "O que o PSD quis foi manter a sua ambiguidade e seu silêncio até ao limite do insustentável", disse Rui Tavares.

Ao final da noite, Nuno Melo, presidente do CDS-PP, um dos deputados que esteve na origem de todo este imbróglio, classificou as votações como “um número de circo que não ajuda ninguém” e voltou a dizer que não existiu nenhum acordo entre o CDS e o Chega (mas não se referiu ao PSD): “Eu disse que não havia um acordo com o CDS e não houve nenhum acordo com o CDS. Eu sou o presidente do CDS, nós somos dois deputados e não houve nenhum acordo. Nem é preciso, porque isto é tão básico e simples que não carece que acordo”, referiu. Nuno Melo garante que “esta não é uma questão de acordo, mas uma questão de palavra”: “No caso, o CDS votaria a favor do presidente e dos vice-presidentes". "Logo, este assunto já podia estar resolvido e bem, mas foi prolongado e mal”.

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