A autarquia de Matosinhos é a única dos dez concelhos mais populosos de Portugal que não está vulnerável a coligações negativas na gestão camarária ou na Assembleia Municipal (AM). Todos os outros Executivos, incluindo Lisboa, Porto, Sintra e Braga, estão reféns de acordos de governação para conseguirem ver aprovados os seus orçamentos e até para avançarem com medidas que dependam da luz verde de uma maioria na AM.
Até mesmo em Loures, onde o PS venceu com maioria absoluta nas autárquicas da noite de domingo, Ricardo Leão está dependente de uma convergência com a oposição que, toda junta, consegue ter mais um deputado que os socialistas na AM - muito por conta das duas freguesias em que a CDU conseguiu ficar à frente - Fanhões e Santo Antão - e de Lousa, onde o social-democrata Lino Franco conseguiu manter-se à frente da junta, resistindo ao vendaval encarnado no município.
Como os presidentes de Junta de Freguesia são automaticamente eleitos para a AM, essas vitórias em Loures garantiram à CDU mais dois eleitos e ao PSD mais um deputado para esse órgão - fazendo com que a oposição na Assembleia Municipal de Loures tenha um total de 22 eleitos contra 21 do Partido Socialista. Isto define uma margem que in extremis pode bloquear uma série de promessas-chave que levaram à reeleição de Ricardo Leão.
No entanto, esta é uma realidade encontrada em praticamente todas as maiores autarquias do país após as eleições autárquicas e tudo parece apontar para um futuro onde quem lidera o Executivo local terá de procurar aliados improváveis, mesmo que isso vá no sentido oposto das estratégias partidárias a nível nacional.
Vejamos os resultados dos outros concelhos mais populosos, a título de exemplo:
Em Lisboa, a coligação de Moedas garantiu oito vereadores, o PS elegeu seis; o Chega ficou com dois e a CDU com um. Em reunião camarária, a oposição tem nove mandatos - mais um dos que o PSD/CDS/IL. Já na Assembleia Municipal, a oposição chega aos 43 deputados locais, sendo que a coligação “Por ti, Lisboa” fica-se pelos 32, ficando em minoria.
Em Sintra, os sociais-democratas conseguiram eleger quatro mandatos, o PS também e o Chega acabou com três vereadores. Já na Assembleia Municipal, a oposição conta com 28 eleitos contra 20 da coligação PSD/IL/PAN.
Por outro lado, em Vila Nova de Gaia, a candidatura de Luís Filipe Menezes não conseguiu mais vereações do que a da oposição - ficou cinco para o PSD, cinco para o PS e um para o Chega -, mas obteve uma vitória importante na Assembleia Municipal, onde após distribuídos os cargos dos presidentes de Junta, a coligação PSD/CDS/IL conseguiu 29 representantes, mais um do que a restante oposição.
No Porto, Pedro Duarte (PSD) e Manuel Pizarro (PS) elegeram ambos seis vereadores para a Câmara, tendo Miguel Côrte Real, do Chega, garantido um mandato, que eventualmente poderá significar o desempate em propostas que tenham de ser aprovadas em reunião de Câmara. Na Assembleia Municipal, contudo, a oposição totaliza 26 deputados municipais, deixando a coligação social-democrata em minoria com 20.
Em Cascais, o PSD elegeu apenas 5 mandatos e deixou de ter a maioria absoluta na Câmara Municipal. Agora, o Executivo divide-se entre o PS, o independente João Maria Jonet e o Chega, cada um com duas vereações e o poder de influenciar a passagem ou não de medidas. A maioria também foi perdida na Assembleia Municipal, onde haverá 16 sociais-democratas e 19 representantes da oposição.
Em Braga, onde venceu o social-democrata João Rodrigues, a situação também obriga a acordos de governação com o movimento movimento independente Amar e Servir Braga e as coligações lideradas pelo PS e pelo PSD a dividirem três vereações cada, sendo que a Iniciativa Liberal e o Chega conseguiram eleger um mandato cada um. Na Assembleia Municipal, a oposição tem clara maioria, com 52 eleitos versus 23 do PSD.
Na Câmara Municipal de Almada, onde o PS foi o partido mais votado, os socialistas elegeram quatro mandatos, a CDU três, o PSD dois e o Chega também dois. Assim sendo, o Executivo de Inês de Medeiros terá sempre de contar com um dos partidos da oposição para aprovar medidas e elaborar o Orçamento. Terá, igualmente, de encontrar pontes na Assembleia Municipal, onde tem menos 10 deputados do que a oposição, que totaliza 24 mandatos.
Na mesma linha, na autarquia da Amadora, onde o PS voltou a vencer a Câmara Municipal e elegeu quatro mandatos, Vítor Ferreira terá também de contar com os seis vereadores da oposição (4 do PSD, 2 do Chega e 1 da CDU) se quiser aprovar projetos, concursos ou adjudicar empreitadas. Também na Assembleia Municipal, os socialistas ficam sujeitos a coligações negativas com a oposição a totalizar 22 eleitos contra 17 do PS.
Assim, no conjunto dos dez municípios mais populosos do país, apenas Matosinhos, onde o PS garantiu seis vereadores - mais um do que toda a oposição - e elegeu 25 deputados municipais - mais sete do que o total de eleitos do PSD, Chega, CDU, Iniciativa Liberal e Livre - consegue governar sem necessidade de acordos pós-eleitorais tanto a nível legislativo como executivo.
Alianças "fora do comum" e contra a mensagem dos partidos
Para o politólogo e professor catedrático na Universidade Lusófona José Filipe Pinto, a fragilidade destas maiorias autárquicas leva a uma dependência dos vencedores de acordos pouco convencionais ou coligações negativas, que condicionam a governação local. “Podem acontecer aquilo que se chama as maiorias negativas ou bloqueadoras, que verdadeiramente entravam todo o processo do Executivo. E acabam por condicionar de tal forma a sua ação, que o Executivo quase que exerce o poder com um programa que verdadeiramente não submeteu ao eleitorado”, explica.
O politólogo acrescenta que o primeiro grande teste a esta sensibilidade de governação será a elaboração e a aprovação do orçamento municipal, a principal ferramenta da autarquia que tem de, numa primeira fase, ser aprovada em Reunião de Câmara e, numa segunda, conseguir maioria na Assembleia Municipal. “O primeiro grande teste destas arquiteturas será o orçamento”. “Quando há o orçamento, ele tem de ser aprovado. E, para ser aprovado, um partido que disponha de maioria relativa tem de conseguir ou a abstenção ou o voto a favor de outras forças partidárias ou de grupos de cidadãos eleitores. Muitas vezes, isso é objeto de negociações que não seguem a estratégia nacional do partido, mas sim a realidade local”.
Isto é, poderemos ver o Chega a auxiliar o PS em nome da estabilidade ou a CDU a dar a mão ao PSD se isso garantir às estruturas locais uma lógica de vitória. “As linhas vermelhas que podem ser traçadas a nível nacional não funcionam a nível local”, explica José Filipe Pinto. “Porque o partido que detém a presidência do executivo vê-se obrigado a fazer acordos que viabilizem o orçamento e as suas grandes linhas de atuação. [...] Mesmo que haja uma indicação a nível nacional, prevalece sempre o nível de decisão individual.”
Isto acontece porque, como analisa a politóloga e professora universitária Paula do Espírito Santo, muitas vezes no poder autárquico conta mais a ideia de obra feita do que a ideia de entrave nas negociações com um partido rival. “Muitas vezes acabam por prevalecer os assuntos, os projetos, a obra a fazer, e menos até as relações de cumplicidade partidária e os vínculos ideológicos”, explica, acrescentando que esse plano “muitas vezes acaba por ficar muito mais secundarizado do que no caso nacional, onde os alinhamentos são mais clássicos do ponto de vista ideológico e político, e são mais escrutinados.”
No plano local, como a atuação dos partidos é objeto de menor escrutínio, afirma Paula do Espírito Santo, as opções dos eleitos acabam por pender mais para os “objetivos” do que propriamente para aquilo que a “base partidária e ideológica exige”. “Poderemos ver mais alianças fora do comum no plano autárquico do que a nível nacional, porque o importante é atingir metas concretas, mesmo que isso vá contra a mensagem principal das estruturas nacionais”, sublinha.