A Europa tem cada vez mais carros elétricos em nome do planeta, mas está a despachar os usados para África - com um impacto ambiental "dramático" - TVI

A Europa tem cada vez mais carros elétricos em nome do planeta, mas está a despachar os usados para África - com um impacto ambiental "dramático"

  • Filipe Maria
  • 3 jun 2023, 22:00
Trânsito

O continente africano é o destino final de 40% de todos os veículos ligeiros usados. A maioria tem entre 16 e 20 anos e chega sem peças ao destino, onde continua a poluir mais do que o normal até ao fim de vida

Relacionados

O parque automóvel europeu está cada vez mais elétrico, a competição entre os fabricantes é cada vez maior e tudo por causa da decisão da Comissão Europeia em acabar com os motores a combustão em 2035, em nome do planeta. Dentro de poucos anos, só poderão ser vendidos veículos movidos a energias alternativas, embora já se fale numa exceção para os motores que utilizem combustíveis neutros em carbono.

No entanto, com o fim à vista dos motores movidos a combustíveis fósseis, surge uma outra questão: o que vai acontecer aos carros usados neste grupo? Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), o continente africano é já o destino final de 40% de todos os veículos ligeiros usados.

Maioria dos usados são exportados sem condições

A exportação de carros usados para África tem estado a crescer nos últimos anos, tendo havido apenas uma quebra em 2020 devido à pandemia de covid-19, segundo a UNEP. A previsão é que o volume de exportações continue a aumentar, sendo que estes veículos têm como origem a Europa, os Estados Unidos, o Japão e a Coreia do Sul.

Só a União Europeia (UE) foi responsável pela exportação de 4,9 milhões de ligeiros usados para fora da região entre 2015 e 2020, indicam dados da UNEP. O número equivale a quase metade (49%) de todos os usados negociados pela UE, de um total que ascende a mais de 11,5 milhões de veículos. Questionada pela CNN Portugal, a Associação Automóvel de Portugal (ACAP) disse não ter números sobre as exportações nacionais de usados.

Segundo um estudo conduzido pelos Países Baixos, a maioria dos usados que exporta não têm inspeção válida e têm entre 16 e 20 anos de utilização. Como tal, o estado em que estes veículos chegam ao destino - países de rendimento baixo a médio - fica, muitas vezes, abaixo dos standards impostos nos países de origem.

Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, explica à CNN Portugal que só entre 2014 e 2018 saíram 14 milhões de veículos da Europa, metade dos quais para África. Dentro deste grupo de veículos, 80% falham do ponto de vista ambiental e/ou de segurança. Um dos problemas, refere, é que a exportação destes veículos coloca em causa a economia circular.

“Em Portugal, se o meu veículo chegar ao fim de vida, ele é desmantelado de acordo com regras. O que significa que os fluidos de ar-condicionado, que são perigosos para o ambiente, são recuperados, e faço a reutilização e reciclagem de mais de 95% dos materiais”, esclarece Francisco Ferreira.

Se, por outro lado, o veículo usado é exportado para África, a “performance ambiental é dramática”, salienta o presidente da Zero, pois peças como o catalisador ou o filtro de partículas são retirados. Do ponto de vista da segurança, também deixa de haver as mesmas exigências que são impostas nos países de origem, além de que “o carro dura o tempo que durar e, quando chegar ao final de vida, resta um conjunto brutal de resíduos por lidar que ficam no país de destino”, acrescenta.

O impacto ambiental e a possível solução

Além do desmantelamento que não é devidamente feito, enquanto os veículos usados exportados andarem, especialmente com falta de peças como o catalisador, é “quase certo” que estes irão poluir mais do que aquilo que já faziam antes. Francisco Ferreira nota, por outro lado, que isto tem um impacto não só a nível local no que toca à qualidade do ar, mas também a nível global, dada a emissão de gases com efeito de estufa.

Adicionalmente, a falta de inspeção válida nestes veículos faz com que representem um risco para a própria segurança das pessoas. De acordo com o Fundo de Segurança Rodoviária das Nações Unidas (UNRSF), registam-se no continente africano 60% das mortes nas estradas a nível mundial, embora o seu parque automóvel represente apenas 2% de todos os carros no mundo.

Para Francisco Ferreira, a solução passa pela proibição da exportação de carros a partir de uma certa idade, pelo menos ao nível europeu. No entanto, o dirigente da Zero alerta que a exportação de usados nestas condições acontece tanto dentro como fora da Europa, nomeadamente na Europa de Leste.

Ferreira sublinha que Portugal também importa muitos carros da Alemanha, embora existam regras uniformes em relação às condições dos veículos para toda a União Europeia. O mesmo nem sempre acontece nos países europeus fora da UE.

Contudo, o especialista em ambiente também considera que existe vontade política para solucionar este problema. No ano passado, os Países Baixos e a Alemanha levantaram este problema e referiram que qualquer solução deveria ser aplicada à escala da União Europeia.

Em paralelo, também os países africanos já começam a impor as suas regras. Em 2020, Benin e 14 outros membros da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental concordaram em aplicar uma idade limite de 10 anos nos veículos usados importados, bem como um limite ao nível de emissões de carbono.

Continue a ler esta notícia

Relacionados