Fico doente e já não preciso de ir ao médico para faltar ao trabalho? Quantas vezes por ano? Perguntas e respostas sobre o que irá mudar nas baixas médicas - TVI

Fico doente e já não preciso de ir ao médico para faltar ao trabalho? Quantas vezes por ano? Perguntas e respostas sobre o que irá mudar nas baixas médicas

Persistência de sintomas. (Pexels)

Até agora, as baixas médicas eram apenas passadas por médicos, mas o Partido Socialista quer alterar esta situação para as baixas de curta duração – até três dias. Com a proposta socialista, os trabalhadores poderão fazer uma “autodeclaração de doença, sob compromisso de honra”. PS diz que se evitam mais de “600 mil atos médicos”

Se a proposta apresentada pelo Partido Socialista relativas às baixas médicas de curta duração, até três dias, for aprovada, os trabalhadores deixam de precisar de ir ao Centro de Saúde ou a uma unidade hospitalar para justificar a sua ausência do local de trabalho. Essa declaração poderá ser emitida através do serviço digital do Serviço Nacional de Saúde (SNS 24), após uma “autodeclaração de doença, sob compromisso de honra”.

Desta forma, as faltas ao trabalho até três dias seguidos estarão justificadas, sem uma declaração médica. 

A proposta socialista foi aprovada no grupo de trabalho que discutiu as alterações legislativas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, mas ainda irá, esta semana, à comissão Parlamentar do Trabalho, Segurança Social e Inclusão para que se ratifiquem as votações. Só depois disso poderá seguir para o plenário da Assembleia da República para aprovação final, estando previsto que isso aconteça na sexta-feira, dia 10 de fevereiro.

O deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro afirmou à TVI/CNN Portugal que, com esta proposta, “se vai libertar mais de 600 mil atos médicos”. Este terá sido o número de consultas que no ano passado serviram para atribuição de baixas de curta duração.

Estes atos “vão ser convertidos em consultas abertas para outras pessoas” que precisam de uma intervenção de um médico. Até porque as baixas de curta duração são habitualmente pequenas gripes ou febres e os utentes vão ao médico “apenas para terem atestados”.

Como poderá pedir a autodeclaração de doença?

A atribuição deste atestado “deverá ser feita através do SNS 24, mas não especificamente através da linha telefónica". "Pode ser através do site e estamos a trabalhar para isso. Até porque o certificado é digital e não se pretende ocupar a linha”, explica o deputado socialista. “Se as pessoas quiserem, também podem ligar e serão atendidas. Mas o objetivo é que possamos ter uma versão digital, como tivemos, por exemplo, com os certificados Covid. As pessoas iam ao site e auto-emitiam os seus certificados”, conclui.

O deputado frisou que a proposta “tem uma perspetiva de facilitação da vida das pessoas, de desmaterialização da relação com o SNS e de libertar os médicos de uma situação que existe atualmente”.

Quantas vezes se poderá recorrer a esta fórmula?

A proposta do PS refere que há um limite de utilização. Os trabalhadores só vão poder recorrer a esta modalidade duas vezes por ano. Também não é obrigatório que usufruam de três dias seguidos. Podem ser menos: um ou dois. 

“Está limitado a seis dias por ano, duas vezes”, afirma Tiago Barbosa Ribeiro, sendo que “o máximo é três dias de cada vez, mas pode ser menos”.

O deputado do PS não acredita que se vá promover o absentismo e explica: “As pessoas assim não têm remuneração e isso já é uma limitação séria para que não utilizem isto como um recurso abusivo para faltarem ao trabalho”.

E se emitirem as duas autodeclarações e ficarem novamente doentes?

A possibilidade existe, e a resolução volta a ser a fórmula tradicional: “Está doente e emite a autodeclaração. Passado algum tempo fica doente de novo e emite nova autodeclaração. Uma terceira vez já terá de ir ao médico, ao Centro de Saúde”, esclarece Tiago Barbosa Ribeiro.

Mas o deputado faz questão de acrescentar que “segundo os dados que existem é muito raro isso acontecer”, ou seja, é raro os trabalhadores recorrerem três vezes por ano a baixas médicas. “Nos mais de 600 mil atos médicos referidos, é residual”.

E se ao fim dos três dias continuarem doentes?

Nesta situação, os trabalhadores devem “ao quarto dia” ir, aí sim, ao médico do Centro de Saúde para que este possa atestar se precisa ou não de um novo Certificado de Incapacidade Temporária.

Considerando que já foram usados três dias, sem remuneração, com a autodeclaração, a próxima baixa – independentemente dos dias - será paga na totalidade (as percentagens já previstas na lei). À TVI/CNN Portugal, Tiago Barbosa Ribeiro garantiu que a Segurança Social, “a entidade responsável pelos pagamentos, fará um cumulativo”. Desta forma, o trabalhador não será prejudicado.

Na perspetiva dos pagamentos, mudará alguma coisa?

Qualquer baixa médica só é paga a partir do quarto dia. Ou seja, atualmente, se um trabalhador faltar três dias com uma justificação passada por um médico, a empresa desconta esses dias, as faltas são justificadas, mas a Segurança Social não faz qualquer pagamento. E nesta perspetiva de pagamentos nada muda.

Mesmo quando é uma baixa médica que prevê uma ausência laboral maior (cinco, seis, dez dias), há sempre o desconto dos três primeiros dias. Por exemplo, numa ausência de cinco dias, a Segurança Social só garante o pagamento de dois dias.

E tal como explicado na questão anterior, se for necessário ao trabalhador continuar de baixa, os três dias iniciais, da autodeclaração, serão contabilizados.

Esta medida tem um custo financeiro para o SNS?

“Não. Esta medida não tem custo financeiro, mas vai abrir centenas de milhar de vagas para consultas, que hoje em dia estão tapadas para este tipo de situações burocráticas”, explica o socialista.

Esta proposta só está relacionada “com quem emite” as baixas, não faz mais alterações, “é uma alteração cirúrgica”. “As pessoas agora não têm opção, são mesmo obrigadas a irem ao médico, senão têm falta injustificada, não há volta a dar”. A aprovação desta proposta apenas irá dar mais uma alternativa aos trabalhadores.

Quais os pontos do Código do Trabalho que vão ser alterados?

A proposta do PS visa introduzir alterações no Artigo 254.º – Prova de motivo justificativo de falta, do Código do Trabalho, nos pontos 2 e 5.
Artigo 254.º
1 – [...].
2 - A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde, ou serviço digital do Serviço Nacional de Saúde, ou serviço digital dos Serviços Regionais de Saúde das Regiões Autónomas, ou ainda por atestado médico.
3 – [...].
4 – [...].
5 – A declaração do serviço digital do Serviço Nacional de Saúde, ou do serviço digital dos Serviços Regionais de Saúde das Regiões Autónomas, referida no número 2, é feita mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra, que apenas pode ser emitida quando a situação de doença do trabalhador não exceder os três dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano.
6 – [Anterior n.o 5].

“Todas as pessoas doentes têm direito a ser vistas por um médico”

O grupo de trabalho da Agenda do Trabalho Digno só fechou as votações indiciárias na especialidade na passada sexta-feira de manhã. O PS contou com o apoio do BE na proposta, mas o PCP e o PSD abstiveram-se.

Alfredo Maia, deputado do PCP, explicou à TVI/CNN Portugal que a proposta levanta várias questões. A primeira é que "visa retirar pressão ao SNS, seja nos Centros de saúde ou nos hospitais, para esconder o verdadeiro problema da falta de médicos”.

Além disso, “todas as pessoas doentes têm direito a ser vistas por um médico”, afirma o deputado, lembrando o “perigo do autodiagnóstico e do autotratamento”. “Parece que estamos a afastar ainda mais as pessoas do SNS”, conclui. “E se essa opção tiver efeitos negativos na vida da pessoa e a doença agravar?”, questiona.

Médicos contestam emissão destas baixas até três dias

Desde que se tornou pública, a proposta do PS tem recebido criticas dos médicos. A Ordem dos Médicos, através do bastonário, Miguel Guimarães, defende que não podem ser os enfermeiros da linha Saúde 24 a emitir baixas, por exemplo. Depois disso, o PS clarificou a proposta, colocando então a possibilidade da autodeclaração, sob compromisso de honra.

Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, defende que "a confusão da burocracia" dos centros de saúde não seria eliminada com esta medida, mas sim "transferida para o SNS24". 

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