A decisão do Governo de tirar brilho aos Certificados de Aforro colocou os bancos e os depósitos de novo no centro da discussão pública. O Presidente da República pediu mesmo um “esforçozinho” aos banqueiros para remunerarem melhor os seus clientes.
Embora os juros dos depósitos tenham vindo a subir progressivamente nos últimos meses, os depositantes ainda não têm muitas razões para sorrir. O governador do Banco de Portugal reconheceu o esforço dos bancos, mas pediu mais. A taxa de juro média dos novos depósitos de particulares chegaram agora aos 1%, enquanto nas empresas ascende 2,3%. Estes cinco gráficos mostram que a subida vai continuar a ser lenta.
1. Depósitos estabilizam em abril
Depois da fuga registada no início do ano, sobretudo com as famílias a retirarem as suas poupanças dos bancos para apostarem nos Certificados de Aforro, os depósitos estabilizaram nos 240 mil milhões de euros em abril, deixando as instituições financeiras menos pressionadas.
Em quatro meses, as famílias tiraram mais de oito mil milhões de euros das suas contas bancárias, mas os meses de maiores saídas já terão ficado para trás. Em abril os bancos já só tiveram saídas de 450 milhões de poupanças dos particulares, quando no mês anterior tinham superado os 3 mil milhões.
Já as empresas estão a depositar mais dinheiro no banco pelo segundo mês seguido e, em abril, as entradas já compensarem as saídas de dinheiro dos particulares.
Depósitos travam fuga
Nesta situação deixa de existir incentivos para os bancos aumentarem a remuneração dos depósitos. “Que entidade, financeira ou não, baixa o preço do produto quando as vendas estão em alta?”, questiona Mário Trinca, diretor-geral da Alvarez & Marsall com experiência em consultoria na banca.
2. Crédito trava a fundo
Os bancos precisam dos depósitos para financiarem a sua atividade, nomeadamente a concessão de crédito à economia. Mas também nesta frente as perspetivas não são as mais positivas, já que a procura está a abrandar, o que não são boas notícias para os depositantes. Os últimos dados do Banco de Portugal revelam que os empréstimos às empresas e famílias estão a travar há vários meses, de uma forma mais intensa do que se passa na Zona Euro.
Resumindo: se os bancos estão a conceder menos crédito e preveem um abrandamento da procura nos próximos meses, também se sentirão menos pressionados na parte dos depósitos. “Essa é uma justificação relevante”, explica Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros.
Empréstimos abrandam
“O custo é, sem dúvida, um efeito dissuasor da procura de crédito”, refere Filipe Garcia. “A falta de confiança das empresas relacionada com a possibilidade de uma desaceleração da atividade e a boa capitalização de muitas delas levam a que se procure menos crédito”, acrescenta.
Para Mário Trinca, é natural que, num contexto de grande volatilidade, “os agentes económicos tenham uma maior precaução sobre as suas decisões de consumo e investimento”.
3. Rácio com pouca transformação
A evolução dos depósitos e do crédito deixa os bancos relativamente confortáveis quanto às condições comerciais que oferecem aos seus depositantes, pois não estão tão dependentes deles como estavam na anterior crise financeira.
No final do ano passado, o rácio de transformação de depósitos em crédito situava-se à volta dos 80%. Isto significa que por cada 100 euros de depósitos, 80 euros tinham sido emprestados.
A fuga de depósitos registada no primeiro trimestre terá aumentado o rácio, mas os bancos já contiveram as saídas e também não perspetivam que venham a emprestar muito dinheiro.
Caixa com rácio mais baixo
o final do primeiro trimestre, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) era quem registava o rácio de transformação mais baixo, a rondar os 63%. Por esta perspetiva, o banco público é o que está menos pressionado a subir os juros dos depósitos, isto apesar de muitos, incluindo políticos, esperarem que seja quem promova maior concorrência.
4. Liquidez no dobro
Para fazer face a fugas de depósitos, os bancos têm de cumprir um rácio de cobertura de liquidez de pelo menos 100%. Ou seja, isto implica que tenham ativos líquidos e não onerados que possam ser facilmente vendidos nos mercados com pouca ou nenhuma perda de valor e suficientes para suportar um período de stress de 30 dias.
Em Portugal, esse rácio é cumprido de forma muito confortável pelos bancos portugueses, na ordem dos 240%. O que significa que tinham ativos líquidos para dois meses e meios de saídas.
Bancos líquidos
A verdade é que este rácio incluía cerca de 15 mil milhões de euros em operações de TLTRO – empréstimos baratos do BCE, sete mil milhões dos quais vencem este mês. “A evolução das taxas de juro dos depósitos dependerá diretamente dos níveis de liquidez dos bancos portugueses, que têm sido elevados”, aponta o responsável da Alvarez e Marsal.
5. Juros perto de atingir pico
O BCE está cada vez mais perto da taxa terminal, depois da subida vertiginosa que empreendeu no último ano. Também as taxas do mercado se aproximam do pico e já se perspetiva um alívio a partir do final do ano, como mostram os futuros para a evolução das Euribor.
Ou seja, uma boa parte da normalização da política monetária está realizada e a inflação começa a dar sinais de alívio. Não sabendo o que o futuro reserva, as perspetivas atuais não favorecem um acelerar dos juros dos depósitos. Deverão continuar a aumentar, mas de uma forma lenta, antecipa Filipe Garcia, mas sobretudo por causa da pressão pública que tem sido exercida sobre a banca.
Subida das Euribor perto do fim
Mário Trinca aponta ainda como fatores para esta situação a inércia e a falta de literacia financeira, que “se reflete na falta de alternativas para a aplicação das poupanças” e mantêm os depósitos como “rei absoluto.