BCE desacelera subida de juros. Mas não há ilusões: cenário de regresso a taxas perto de zero não está no horizonte – veja quanto vai aumentar a prestação da casa - TVI

BCE desacelera subida de juros. Mas não há ilusões: cenário de regresso a taxas perto de zero não está no horizonte – veja quanto vai aumentar a prestação da casa

Christine Lagarde - Banco Central Europeu

As taxas Euribor continuam a subir, mas a um ritmo cada vez menor. Ainda assim, quem tiver contrato a ser revisto em janeiro voltará a sentir uma subida na prestação. Veja as simulações

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O Banco Central Europeu (BCE) prepara-se hoje para subir novamente as principais taxas de juro de referência, mas a um ritmo que deverá ser inferior ao realizado nas duas últimas vezes em que Christine Lagarde reuniu o seu conselho de governadores.

Depois de uma primeira subida de taxas em meio ponto percentual em julho, seguiram-se duas subidas ‘Jumbo’, de 0,75 pontos percentuais, em setembro e em novembro. Num ápice, os juros que se encontravam a zero e até negativos, subiram dois pontos percentuais.

Foi a solução encontrada pelo BCE para responder (para alguns economistas de forma tardia face aos restantes bancos centrais) às pressões inflacionistas que já se faziam sentir desde meados do ano passado, mas que se intensificaram de forma abrupta com a invasão da Ucrânia pela Rússia e fizeram a taxa de inflação ultrapassar os 10% em outubro em termos homólogos. Um valor cinco vezes superior aos 2% que o BCE tem como referência para a estabilidade dos preços.

Hoje, o cenário é diferente. E essas diferenças serão suficientes para que a subida de juros seja de apenas meio ponto percentual. Pelo menos essa é a convicção de 51 dos 60 analistas consultados pela agência Reuters.

Uma previsão a que não será alheio o facto de a economia da zona euro poder já estar a entrar em recessão, deixando o BCE no dilema entre uma maior subida de juros para fazer curvar a inflação e a possibilidade de, dessa forma, penalizar ainda mais uma atividade económica já de si débil.

A maioria dos economistas ouvidos pela Reuters acreditam mesmo que a economia do euro irá entrar em recessão técnica recuando para valores negativos no quarto trimestre deste ano e no primeiro do próximo.

Um cenário que o BCE não apontava nas suas últimas previsões (feitas em setembro e que hoje deverão ser revistas), onde previa um crescimento de 0,9% em 2023 e uma taxa de inflação de 5,5%. Apenas num cenário mais adverso o BCE admitia uma recessão no próximo ano, com a inflação a ficar nos 6,9%.

E, se estes dados são importantes para a decisão que Lagarde terá de anunciar esta quinta-feira, também não serão menos importantes os valores de novembro da inflação na zona euro. Depois de mais de dez meses em que a subida dos preços acelerou consecutivamente, em novembro, a taxa de inflação homóloga foi de ‘apenas’ 10%, um recuo face aos 10,6% de outubro.

Razões suficientes para Philip Lane, economista-chefe do BCE dizer na semana passada que estava “razoavelmente confiante” de que o pico máximo de inflação na zona euro estaria perto. Antes disso, no final de novembro, já o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, tinha dito que a subida de juros do BCE de hoje deveria ser inferior às duas últimas.

Nota do editor

O BCE tem três taxas de juro de referência:

- A taxa das operações principais de refinanciamento. A taxa à qual os bancos podem contrair empréstimos junto do BCE pelo prazo de uma semana: está atualmente nos 2%, mas foi de zero entre março de 2016 e julho deste ano;

- A taxa de depósito, que determina os juros que os bancos recebem pelos depósitos realizados junto do BCE: está atualmente em 1,5%. Mas entre julho de 2012 e junho de 2013 era de zero. E entre junho de 2013 e julho deste ano era negativa, obrigando os bancos a pagar pelos depósitos que faziam no BCE;

- E a taxa de cedência de liquidez, que determina o juro que os bancos pagam quando contraem empréstimos junto do BCE pelo prazo de um dia (overnight). Está atualmente em 2,25%.

Juros vão continuar a subir? Sim

E se é provável que a subida de juros por parte do BCE deverá começar a desacelerar hoje, também parece certo que a subida de taxas ainda tem um longo caminho para fazer.

Para a economista Sofia Vale, “o BCE subirá a taxa de juro de referência enquanto a reserva federal norte-americana o fizer também”, até porque, prossegue a professora do ISCTE, “ao proceder assim, o BCE evita fugas de capitais e a depreciação do euro que encareceria as importações de petróleo, agravando o problema da inflação na Europa”. (Leia as respostas completas de Sofia Vale aqui).

Esta quarta-feira a Reserva Federal norte-americana decidiu subir a sua principal taxa de referência em 0,5 pontos percentuais para um intervalo entre 4,25% a 4,5%. Uma subida que fica abaixo das quatro últimas, de 0,75 pontos percentuais, e que ocorre depois de a taxa de inflação de novembro se ter ficado em 7,1% contra os 7,7% de outubro.

Também Filipe Garcia, da IMF - Informação de Mercados Financeiros, aponta para a continuação da subida dos juros na Europa. O economista começa por salientar que atualmente o mercado continua a ser mais influenciado pela taxa de depósito do BCE e que a expectativa dos mercados é a de que esta taxa, atualmente em 1,5%, possa continuar a subir. “As expectativas de mercado estão bem calibradas, colocando a taxa de depósitos entre 2,75% e 3%, máximo a atingir no primeiro semestre de 2023.”

Para além da esperada subida de 0,5 pontos percentuais (50 pontos base) na reunião de hoje, Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, aponta para novas subidas na taxa de depósito. “Está prevista também atualmente pelo mercado uma subida de igual dimensão de 50 pontos na primeira reunião de 2023, a 2 de fevereiro, seguida de aumento de 25 pontos base na segundo reunião em 2023 do BCE a 16 de março, fixando-se nessa altura a taxa de juro dos depósitos do BCE nos 2,75%, muito perto da sua taxa terminal esperada atualmente, que o mercado antecipa (…) na zona euro à volta dos 2,8%”. (Leia as respostas completas de Paulo Rosa aqui)

E no futuro? Descidas, poucas. Taxas perto de zero, nem pensar

E mesmo num cenário de maior controlo dos preços, e já depois de as taxas de juro na zona euro terem batido no máximo, a ideia de que poderão voltar a recuar para níveis como os que existiram na última década é pouco realista, segundo os economistas ouvidos pela CNN Portugal.

“O mercado incorpora a manutenção de taxas perto do seu nível terminal por bastante tempo”, adianta Filipe Garcia, adiantando que, atualmente, os mercados de futuros para a Euribor a 3 meses apontam para uma descida “das taxas a partir de meados de 2024 de 3% para 2,5%, ficando nesse nível durante o resto das maturidades (pelo menos até 2028)”.

E pensar num regresso a taxas próximo de zero é irrealista, segundo o economista. “Acho muitíssimo improvável. O BCE viu-se apanhado num cenário de ‘armadilha de liquidez’ que lhe retirou uma parte importante do seu arsenal de política monetária e só uma situação muitíssimo especial levaria a que se voltasse a meter de novo ‘nesse buraco’ de onde o Banco do Japão tenta sair há décadas”.

Paulo Rosa sublinha, no entanto, que é muito difícil fazer previsões para as taxas de juro e apenas admite que estas venham a descer se se confirmar que a economia da zona euro venha mesmo a entrar em recessão e a inflação “sinalizar uma visível desaceleração”. Ainda assim, prossegue o economista, essa descida nunca seria para níveis próximos de zero. “Taxas de juro novamente próximas de zero é um cenário atualmente muito pouco expectável, mas tudo dependerá da evolução da inflação nos próximos anos.”

Sofia Vale sublinha que a partir do momento em que as taxas de juro atinjam o seu ponto máximo tudo vai depender da inflação. “Se as taxas de juro atingirem um teto, é expectável que passem a oscilar com a inflação, descendo se a inflação descer e subindo se a inflação subir, recuperando aquela que era a prática tradicional até à crise financeira e que conduziu a convergência das taxas de juro para um limite inferior.” Mas a economista também afasta o cenário de as taxas regressarem ao passado recente. “De futuro, creio que os bancos centrais farão o que estiver ao seu alcance para que a taxa de juro não se volte a aproximar de zero”, conclui.

Prestação da casa volta a subir em janeiro

A perspetiva de que o BCE irá continuar a subir as taxas de juro a um ritmo mais lento reflete-se nos mercados e as taxas Euribor, que servem de indexante aos contratos de crédito à habitação, não são exceção: têm continuado a subir, mas também a um ritmo mais lento.

A subida das Euribor começou, aliás, logo no início do ano, mas a um ritmo lento e muito antes da primeira subida de juros decidida pelo BCE que, recorde-se, apenas ocorreu em julho.

Mas a partir de meados do ano, com a perspetiva de que o BCE iria mexer nas taxas diretoras, a subida das Euribor começou a acelerar. E em setembro atingiu a velocidade máxima, com a Euribor a 12 meses, por exemplo, a subir quase um ponto percentual face a agosto.

A partir de setembro o ritmo de subida voltou, no entanto, a reduzir-se consecutivamente. Em novembro, a média da Euribor a 12 meses apenas aumentou cerca de 0,2 pontos percentuais face a outubro. E, com base nos dados de dezembro conhecidos até agora, é possível verificar que, muito provavelmente, as taxas continuarão a aumentar, mas, mais uma vez a um ritmo inferior. Com os dados dos primeiros 14 dias de dezembro, a subida face a novembro na Euribor a 12 meses é de apenas 0,03 pontos percentuais.

A ‘luz ao fundo do túnel’ que se começa, assim, a ver não é, no entanto, suficiente para impedir que os detentores de contratos de crédito à habitação a ser revisto em janeiro escapem a uma nova e significativa subida da prestação mensal que terão de pagar ao banco.

Tomando como exemplo um contrato de crédito a 30 anos, com um spread de 1% verifica-se que serão os créditos indexados á Euribor a 12 meses que mais sentirão o aumento, até porque, por um lado, será a primeira vez no espeço de um ano que verão a sua prestação a ser revista e ficam com a garantia que novos aumentos só os afetarão dentro de 12 meses.

De qualquer das formas, todos os contratos serão afetados, mesmo quem tenha o seu crédito indexado à Euribor a três meses e, recorde-se, nestes casos, esta já vai ser a quarta vez que sentem a subida das taxas de juro.

O aumento da prestação em janeiro varia consoante o montante do empréstimo, mas a subida pode variar entre 13 euros, para créditos de 25 mil euros com Euribor a três meses, e pouco mais de 255 euros para créditos de 150 mil euros indexados à Euribor a 12 meses.

Veja qual dos casos se assemelha mais à sua situação:

Quanto já aumentou e ainda vai aumentar a prestação da casa?

Empréstimo a 30 anos com spread de 1%

  EURIBOR 3 MESES
  Empréstimo de 25 mil € 
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 73,90  
Abril de 2022 74,85 0,95
Julho de 2022 77,69 2,84
Outubro de 2022 92,54 14,85
Janeiro de 2023 105,50 12,96
Aumento num ano   31,60
     
  Empréstimo de 50 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 147,80  
Abril de 2022 149,70 1,9
Julho de 2022 155,39 5,69
Outubro de 2022 185,08 29,69
Janeiro de 2023 210,99 25,91
Aumento num ano   63,19
     
  Empréstimo de 75 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 221,71  
Abril de 2022 224,56 2,85
Julho de 2022 233,08 74,85
Outubro de 2022 277,63 -21,78
Janeiro de 2023 316,49 38,86
Aumento num ano   94,78
     
  Empréstimo 100 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 295,61  
Abril de 2022 299,41 3,80
Julho de 2022 310,78 11,37
Outubro de 2022 370,17 59,39
Janeiro de 2023 421,98 51,81
Aumento num ano   126,37
     
  Empréstimo 125 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 369,51  
Abril de 2022 374,26 4,75
Julho de 2022 388,47 14,21
Outubro de 2022 462,71 74,24
Janeiro de 2023 527,48 64,77
Aumento num ano   157,97
     
  Empréstimo 150 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 443,41  
Abril de 2022 449,11 5,70
Julho de 2022 466,17 17,06
Outubro de 2022 555,25 89,08
Janeiro de 2023 632,97 77,72
Aumento num ano  

189,56

 

  EURIBOR 6 MESES
  Empréstimo de 25 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 74,3  
Julho de 2022 82,28 7,98
Janeiro de 2023 111,68 29,4
Aumento num ano   37,38
     
  Empréstimo de 50 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 148,61  
Julho de 2022 164,57 15,96
Janeiro de 2023 223,35 58,78
Aumento num ano   74,74
     
  Empréstimo de 75 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 222,91  
Julho de 2022 246,85 23,94
Janeiro de 2023 335,03 88,18
Aumento num ano   112,12
     
  Empréstimo 100 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 297,22  
Julho de 2022 329,13 31,91
Janeiro de 2023 446,7 117,57
Aumento num ano   149,48
     
  Empréstimo 125 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 371,52  
Julho de 2022 411,42 39,9
Janeiro de 2023 558,38 146,96
Aumento num ano   186,86
     
  Empréstimo 150 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 445,83  
Julho de 2022 493,7 47,87
Janeiro de 2023 670,06 176,36
Aumento num ano   224,23

 

  EURIBOR 12 MESES
  Empréstimo de 25 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 74,78  
Janeiro de 2023 117,3  
Aumento num ano   42,52
     
  Empréstimo de 50 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 149,55  
Janeiro de 2023 234,6  
Aumento num ano   85,05
     
  Empréstimo de 75 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 224,33  
Janeiro de 2023 351,91  
Aumento num ano   127,58
     
  Empréstimo 100 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 299,1  
Janeiro de 2023 469,21  
Aumento num ano   170,11
     
  Empréstimo 125 mil €
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 373,88  
Janeiro de 2023 586,51  
Aumento num ano   212,63
     
  Empréstimo 150 mil € 
  Pagava Aumento
Janeiro de 2022 448,65  
Janeiro de 2023 703,81  
Aumento num ano   255,16

Perante o que parece ser uma inevitável subida das taxas de juro e consequente aumento das prestações com o crédito à habitação, é sempre possível renegociar com o banco, quer seja um alargamento do prazo, um spread mais baixo ou, no caso de quem tenha poupanças, realizar amortizações antecipadas do empréstimo que permitem diminuir essa mesma prestação.

Os especialistas em finanças pessoais explicam que perante um cenário em que o detentor do crédito sente que vai ter dificuldade em pagar as prestações deve colocar essa situação ao banco de forma a encontrar uma solução em conjunto.

Recorde-se ainda que perante este cenário de subida de taxas de juro o Governo aprovou um decreto-lei que permite a renegociação do crédito à habitação sem penalizações para as famílias, obrigando mesmo os bancos, em determinadas condições, a apresentar soluções. As novas regras, que já se encontram em vigor, podem ser consultadas aqui.

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