As pessoas que vivem (mesmo) em aviões - TVI

As pessoas que vivem (mesmo) em aviões

  • CNN
  • Jacopo Prisco
  • 11 fev 2023, 10:00

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Depois de perder a sua casa num incêndio, Jo Ann Ussery teve uma ideia peculiar: viver num avião.

Comprou um Boeing 727 que se destinava ao ferro-velho, mandou-o para um terreno que já tinha e passou seis meses a renová-lo, fazendo a maior parte do trabalho sozinha. No final, tinha uma casa totalmente funcional, com mais de 140 m2 de área útil, três quartos, duas casas de banho e até uma banheira de hidromassagem - onde antes ficava o cockpit. Tudo por menos de 28.000 euros, cerca de 56 mil nos dias de hoje.

Ussery, uma esteticista de Benoit, no Mississippi, Estados Unidos, não tinha qualquer ligação profissional com a aviação e seguiu a sugestão do seu cunhado, controlador de tráfego aéreo. Viveu no avião de 1995 a 1999, até este ficar irreparavelmente danificado depois de cair do camião que o transportava para um local próximo, onde iria ficar em exposição.

Embora não tenha sido a primeira pessoa a viver num avião, a impecável execução do seu projeto teve um efeito inspirador. No final dos anos 90, Bruce Campbell, um engenheiro elétrico com licença de piloto, ficou impressionado com a sua história: "Ia a conduzir a caminho de casa e ouvi na rádio a história da Jo Ann, e foi uma sorte não ter saído da estrada porque o meu foco estava naquela história. E, na manhã seguinte, lá estava eu a fazer telefonemas", conta.

Um 727 na floresta

Campbell vive agora num avião - também um Boeing 727 - há mais de 20 anos, na floresta de Hillsboro, no Oregon: "Ainda conto com o apoio da Jo Ann e estou grato pela prova deste conceito." Não se arrepende, claramente. "Nunca viveria numa casa convencional. Nem pensar. Se o Scotty me despachasse para o interior da Mongólia, apagasse as minhas impressões digitais e me obrigasse a viver numa casa convencional, faria o necessário para sobreviver - caso contrário, para mim, será sempre num avião."

Isto não significa que não pudesse ter feito diferente. “Cometi muitos erros, inclusive o pior: contratar uma empresa de salvados. Evitar isso e usar uma logística de transporte superior reduz muito os custos”, explica.

O projeto custou-lhe 205.000 euros (cerca de 350 mil atualmente), dos quais quase metade foram para a compra do avião. A aeronave pertencia à Olympic Airways, da Grécia, e até foi usada para transportar os restos mortais do magnata proprietário da companhia aérea, Aristóteles Onassis, em 1975. "Na altura, não conhecia a história do avião. E não sabia que tinha um interior antigo, do estilo do 707. Era horrível, em comparação com os padrões modernos. Era funcional, mas parecia velho e tosco. Talvez a pior escolha para uma casa."

Por esta razão, Campbell teve de trabalhar no avião durante alguns anos antes de poder viver nele. Os interiores são simples, com um chuveiro primário feito com um cilindro de plástico e um sofá-cama para dormir. Nos períodos mais rigorosos de inverno, Campbell vai para Miyazaki, uma cidade no sul do Japão com um clima subtropical, onde tem um pequeno apartamento. Mas a pandemia tornou tudo mais difícil e nos últimos três anos tem vivido no 727.

Em 2018, com a ideia de montar outra casa-avião no Japão, esteve quase para comprar um 747, mas o negócio acabou por não se concretizar porque a companhia aérea (Campbell não revela qual) decidiu manter o avião em serviço por mais tempo. “Tivemos de colocar o projeto em espera e assim continua até hoje.”

Campbell recebe frequentemente visitas e até oferece alojamento gratuito no avião, quando no verão organiza eventos públicos de maior dimensão com atrações de parque de diversões: "Os artistas atuam na asa direita, os convidados dançam à frente ou atrás da asa, na floresta, que nos grandes concertos fica repleta de todo o tipo de espaços recreativos. Não estão ao nível da Disneyland - apenas cabines portáteis com diferentes curiosidades e pequenas recreações, mas são divertidas."

Fuselagem a dobrar

Os dois aviões de Joe Axline: um para viver, outro para renovar. Cortesia Joe Axline

Se acha que viver num avião já é extravagante, que tal viver em dois? Este é o plano de Joe Axline, dono de um MD-80 e de um DC-9, colocados lado a lado num terreno em Brookshire, Texas. Axline vive no MD-80 há mais de uma década - desde que se se divorciou no dia das mentiras, em abril de 2011 - e planeia renovar o DC-8 e equipá-lo com áreas recreativas, como um cinema e uma sala de música. Ele chama ao seu grande plano "Projeto Liberdade".

"Gastei menos de um quarto de um milhão de euros em todo o projeto", diz Axline, que tem poucas despesas correntes porque é o dono do terreno e construiu o seu próprio poço de água e sistema de esgotos: "A única coisa que tenho é a eletricidade."

Durante alguns anos morou no avião com os seus filhos. "Os miúdos já cá não estão, agora sou só eu. Quando se mora numa casa, há muito espaço, mas é tudo espaço desperdiçado. O meu quarto principal tem 3x5 metros, não é um mau para um quarto. Nele tenho duas televisões e muito espaço para circular. A minha sala de estar tem uma boa dimensão, a sala de jantar acomoda quatro pessoas, consigo cozinhar comida para muita gente. Também tenho chuveiro e sanita, por isso não tenho de sair do avião para ir à casa de banho. A única coisa que não tenho aqui e que teria numa casa são janelas que abrem", explica, acrescentando que apenas abre as portas do avião para deixar entrar ar fresco.

Da estrada é possível ver os aviões e Axline diz que muitos condutores - pela curiosidade - acabam por parar: "Aparecem três ou quatro pessoas todos os dias. Eu chamo-lhes os 'meus turistas'. Eles passam e pensam, é tão fixe. Na maioria das vezes aceno-lhes e digo que se tiverem tempo faço uma visita guiada. E se não tiver a cama feita nesse dia, que importa? Vamos ver como vivem as pessoas reais."

Axline também estava interessado num Boeing 747 - viver na "Rainha dos Céus" é o seu maior sonho - mas desistiu quando confrontado com os custos de transporte. "O avião custava cerca de 280.000 euros, mas o custo de transporte era quase 500.000. Meio milhão de euros para o transportar. Isto porque não era possível transportá-lo normalmente, teria de ser desmontado e montado novamente.”

O Jumbo Stay é um hotel no Aeroporto de Arlanda, em Estocolmo, Suécia. Cortesia Jumbo Stay

Avião “Faça você mesmo”

Há outros bons exemplos de aviões convertidos em casas. Um dos primeiros é um Boeing 307 Stratoliner, outrora propriedade do multimilionário e realizador de cinema Howard Hughes, que gastou uma fortuna a remodelar o interior para o transformar numa "Penthouse Voadora". 

Depois de ter ficado danificado por causa de um furacão, foi transformado num extravagante iate e comprado nos anos 80 por Dave Drimmer, residente na Florida, que o renovou extensivamente e a quem deu o nome "The Cosmic Muffin". Viveu no híbrido avião-barco durante 20 anos, antes de doá-lo ao Florida Air Museum em 2018.

O cantor country americano Red Lane, membro do Passeio da Fama de Nashville, que já tinha trabalhado como mecânico de aviões, viveu durante décadas num DC-8 convertido que salvou de um ferro-velho no final dos anos 70. Lane, que faleceu em 2015, também nunca não se arrependeu. “Jamais acordei neste lugar a desejar estar noutro”, revelou numa entrevista televisiva em 2006.

Quem quiser passar uma ou duas noites numa casa-avião tem alguns hotéis como opção; na Costa Rica, o hotel Costa Verde possui um Boeing 727 totalmente remodelado - com dois quartos e um terraço com vista para o mar; na Suécia, o Jumbo Stay é um hotel construído dentro de um Boeing 747, situado no aeroporto de Arlanda, em Estocolmo. E se quer apenas festejar, há outro Boeing 747 que pode ser alugado para eventos com até 220 pessoas, no aeroporto de Cotswold, em Inglaterra, a cerca de 160 km de Londres.

No entanto, se quiser deixar a sua casa para viver dentro de uma fuselagem, esteja preparado para desafios. "Tem de ter paixão por querer fazer isto, porque terá tantos problemas para resolver que pode tornar-se desgastante", diz Joe Axline, que enumera a aquisição da fuselagem certa e encontrar um local adequado para a mesma entre os maiores obstáculos.

A verdade é que, ao longo dos anos, vários visitantes de Bruce Campbell manifestaram interesse em adotar este estilo de vida, mas nenhum transformou o sonho em realidade. “Acho que é muito difícil: algumas pessoas estavam determinadas em avançar com a ideia e enviei-lhes instruções para ajudá-las passo a passo, mas nenhuma foi para a frente”, diz.

Mas não deixe que isso o desencoraje, acrescenta Campbell: "O meu conselho principal é que o faça. Não deixe que ninguém abale a sua confiança. Trabalhe toda a logística e avance, simplesmente."

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