Uma mulher do Seixal ficou sem a casa depois de ter pedido um empréstimo de 11 mil euros para pagar o casamento do filho. O esquema envolveu quatro pessoas acusadas de crimes de burla qualificada e usura agravada. Uma das suspeitas é atualmente psicóloga e mantém presença ativa nas redes sociais.
Uma decisão tomada em 2013 para ajudar o filho a casar acabou por custar a casa de Maria de Fátima Gonçalves, uma funcionária da Câmara Municipal do Seixal. O que parecia ser um simples empréstimo de 11 mil euros, rapidamente se transformou numa das maiores angústias da sua vida.
O caso remonta a uma época de crise financeira em Portugal, momento em que Maria de Fátima, na tentativa de ajudar o filho a custear o casamento, procurou soluções de crédito online. Ao encontrar a empresa White Finance, entrou em contacto com Liliana Lopes, que se apresentou como "consultora especializada em financiamentos". A mulher mostrou-se cordial e prestável, ao ponto de ir buscar Maria de Fátima à sua casa e levá-la até Santa Maria da Feira, onde assinariam o que acreditava ser um contrato de concessão de crédito.
Segundo a própria vítima, a assinatura foi feita sem a leitura dos documentos, sob a promessa de que se tratava de uma hipoteca para garantir o pagamento do empréstimo. Maria de Fátima afirma ter recebido três cheques, num total de 11 mil euros, e começou a pagar mensalidades de 250 euros.
Aumento das mensalidades e mais assinaturas
Quando as dificuldades financeiras da família aumentaram, a prestação passou a ser um encargo difícil de suportar. É então que entra em cena Hugo Lopes, irmão de Liliana, que propôs renegociar a dívida. A mensalidade subiu para 750 euros, mas acabou por baixar para 400 euros após nova intervenção de um homem chamado Pedro Melo.
Maria de Fátima, juntamente com o marido, foi convencida a assinar mais documentos, desta vez numa conservatória na Costa de Caparica. A assinatura de novos papéis, segundo os familiares, foi feita sob o pretexto de "regularizar o valor da prestação". No entanto, o que estava a ser assinado era, na verdade, a venda da própria casa.
"Fiquei sem chão"
O caso só veio à tona quando a filha do casal, Alexandra Gonçalves, percebeu que os pais estavam com dificuldades financeiras e os pressionou para saber o que se passava. Ao procurar ajuda de uma solicitadora, foi revelado o choque: a casa já não pertencia à sua mãe. A solicitadora informou que a propriedade tinha mudado de mãos e já tinha passado por vários donos, o que provocou um impacto emocional devastador na família.
“Fiquei sem chão. Nem pedra nem cimento. Não houve chão que ficasse debaixo dos meus pés”, desabafa Maria de Fátima.
Burla em rede: uma rede familiar de suspeitos
O caso levou à descoberta de um esquema que envolvia várias pessoas. A casa, inicialmente transferida para uma empresa controlada pelos irmãos Liliana e Hugo Lopes, acabou nas mãos de Marta Melo, irmã de Pedro Melo, o mesmo homem que havia "renegociado" a dívida de Maria de Fátima.
Para a advogada Rita Garcia Pereira, especialista em Direito do Trabalho e que acompanha o caso, este tipo de burla é mais comum do que se pensa. "As pessoas são sucessivamente enganadas e levadas a fazer negócios jurídicos cujo sentido e alcance não entendem", afirma, sublinhando que o que parecia ser uma hipoteca acabou por se transformar numa venda de imóvel.
Alerta do Banco de Portugal chega tarde demais
Em 2016, o Banco de Portugal emitiu um aviso público alertando que a White Finance, a empresa inicialmente responsável pelo crédito, não tinha autorização para conceder empréstimos em território nacional. Esta informação, no entanto, chegou demasiado tarde para Maria de Fátima e para outros potenciais lesados.
Maria de Fátima apresentou queixa-crime em 2020. Nos últimos meses, o Ministério Público avançou com a acusação de quatro suspeitos, incluindo Liliana Lopes e Hugo Lopes, assim como Marta e Pedro Melo. São acusados de burla qualificada e usura agravada.
A advogada Rita Garcia Pereira explica que ainda há uma possibilidade de Maria de Fátima recuperar a casa: "Esta mulher pode recuperar a casa através da via cível, designadamente demonstrando que as declarações negociais que emitiu estavam viciadas porque ela não tinha conhecimento dos negócios que efetivamente estava a fazer".
Liliana Lopes, de "consultora de créditos" a psicóloga motivacional
Atualmente, Liliana Lopes apresenta-se como psicóloga nas redes sociais, onde publica vídeos de motivação e bem-estar. Quando contactada pela equipa de reportagem da rubrica “Acontece aos Melhores”, não prestou declarações.
Enquanto aguarda a decisão do tribunal, Maria de Fátima vive sob o risco de despejo. O marido faleceu em 2023 e, nos fins de semana, procura refúgio junto de familiares numa aldeia em Arganil. Agora, a sua esperança reside na justiça e na possibilidade de anular os negócios que levaram à perda da casa.