Burla “Olá mãe/Olá pai”: número de queixas triplicou e há quem tenha perdido milhares de euros - TVI

Burla “Olá mãe/Olá pai”: número de queixas triplicou e há quem tenha perdido milhares de euros

Em entrevista exclusiva à CNN Portugal, a Polícia Judiciária admite “um crescimento exponencial” da burla e explica o que os cidadãos devem fazer para não cair na burla

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A burla que ficou conhecida como “Olá mãe/Olá pai” continua a aumentar e a fazer vítimas. Os números da Polícia Judiciária refletem isso mesmo. Nos últimos meses de 2022 (de setembro a dezembro) foram registadas 393 queixas. Mas este ano, só de janeiro a meados de fevereiro, o número já vai em 435 processos. “Um crescimento exponencial”, assume a PJ em entrevista exclusiva à CNN Portugal.

Nesta burla, recorde-se, é recebida uma mensagem através do WhatsApp de alguém que se faz passar por filho/filha, usando diversos argumentos para estar sem telemóvel, e dizendo que é um número novo ou temporário. Também há casos de "falsos" netos, irmãos e até amigos. Todos pedem ajuda, ou seja, dinheiro.

“Diria que o fenómeno possa ter vários meses, mas eu assinalaria setembro como um marco”, antes disso há apenas “casos pontuais”, afirma Paulo Gonçalves, Inspetor-Chefe em Coordenação na Secção Central de Investigação da Criminalidade informática e Tecnológica da UNC3T.

“Na Polícia Judiciária, a nível nacional, a partir de setembro temos 393 processos. A partir de janeiro de 2023 e até meados de fevereiro, portanto estamos a falar de um mês e meio, temos 435 queixas. Isto significa que comparativamente a quatro meses do ano passado temos um crescimento exponencial”, sublinha. Segundo os dados da PJ, o número de queixas diárias triplicou. E a estes falta somar os casos reportados pela GNR e PSP. 

O valor das burlas em causa também está longe de ser pequeno. “A nível de Polícia Judiciária, já ultrapassa um milhão e duzentos mil euros à vontade”, indica o responsável. O valor pedido aos pais, avós, familiares ou até amigos, nas abordagens pelo Whastapp “é variável, temos de 700 euros, dez mil euros, quinze mil euros”. 

Os mais elevados “são um acumular de pedidos”. Além disso, “os casos em que as vítimas pagam dez/quinze mil euros são residuais, não são a média”. “A média paga é sempre superior a 1.500 euros, depois temos 700/800 e dois/três mil ou cinco mil euros”, exemplifica.

Uma pessoa detida até agora

“Há estrangeiros e nacionais entre os autores, o nível de consciência da ilicitude é que ainda estamos a tentar perceber”, assume Paulo Gonçalves. “Este é um fenómeno que não é exclusivo de Portugal. Está a acontecer noutros países”, acrescenta.

Até ao momento, apenas foi noticiada a detenção de uma pessoa, em outubro passado, relacionada com esta burla. “Há pessoas identificadas, referenciadas melhor dizendo. Mas mais detenções não há porque é prematuro fazer detenções ‘ad hoc’, sem investigação”, afirma.

“O que nós estamos a tentar investigar é o fenómeno. Não interessa deter pessoas só por deter, sem perceber o verdadeiro envolvimento. Primeiro temos de identificar o fenómeno, identificar como é que ele é executado, os vários níveis de participantes e participações. É preciso perceber o tempo em que os indivíduos estão envolvidos no fenómeno para depois lhes ser imputada, ou não, uma continuidade no tempo. Uma coisa é uma burla isolada e outra coisa é uma burla continuada. Em termos penais faz toda a diferença e em termos de medidas de coação que venham a ser aplicadas igualmente”, esclarece o inspetor da Polícia Judiciária.

Admite também que alguns autores estejam a atuar do estrangeiro: “Temos indicadores nesse sentido.”

“Há organização nisto”

As contas para onde são transferidos os valores "são todas verdadeiras". "São moneymules [mulas de dinheiro, na tradução literal, uma espécie de correio]. Muito dificilmente será o autor a receber diretamente”, indica Paulo Gonçalves. Só que “há vários tipos de moneymules e isso tem a ver com o grau de ilicitude. Ou seja, a consciência da ilicitude, porque isso é relevante para a punibilidade”.

E o que acontece a esse dinheiro? Depende, há várias situações", segundo a PJ. "Há contas bancárias, há referências multibanco, há compras de cartões pré-pagos, há passagens para carteiras de criptomoedas, há remessas por casas de câmbio. Isso depois faz parte da investigação. Tentar encontrar um padrão e na lógica do ‘follow de money’, ou seja, seguir sempre o rasto do dinheiro." 

Mas os criminosos não facilitam a vida aos investigadores. “Há contas estrangeiras em que aquilo parece uma dança de fazer circular o dinheiro, no sentido de nos confundir. A circular entre elas. Contas que são deitadas abaixo e voltam a nascer outras contas. Faz parte do jogo deles e do nosso que é tentar perceber o padrão, que às vezes é complexo”, insiste.

Uma coisa é certa, garante Paulo Gonçalves: “Há organização nisto. A regra são estruturas organizadas.”

E é por isso que insiste em dizer que “a ânsia da detenção nem sempre faz sentido”. “Quem é que eu vou deter, a moneymule? Nós temos angariadores, mas não interessa deter um angariador. O angariador está sozinho ou inserido num grupo? Certamente está inserido num grupo. Há alguém acima dele? Mas quem? Essa é que é a lógica.” 

E a investigação tem dois propósitos diferentes: consolidar a prova e desmantelar os grupos. “Não interessa estar a fragmentar um grupo que depois continua a atividade e, até, a vai refinar”, defende. “Deter dois indivíduos que depois não me dá a segurança que, de facto, ficam em prisão preventiva quando ainda não está consolidada a prova é um mau trabalho de investigação”, argumenta, sublinhando que a Polícia Judiciária “não trabalha para a imagem".

“Não interessa fazer à pressa uma detenção, a pensar que vou evitar mais vítimas, quando se calhar não vou evitá-las. Porque eles vão continuar”, justifica.

Não é fácil saber onde vão buscar os dados, mas na dark web [conteúdo que escapa aos motores de busca] tudo se vende e compra. “Uma coisa é certa, os dados são vendidos. Só não conseguimos, com rigor, saber em concreto de onde é que vem”, diz Paulo Gonçalves.

"Onde é que estás?", uma simples pergunta

Para as autoridades, os alertas e a prevenção são armas essenciais. E as pessoas precisam de se comportar no mundo virtual como no mundo real.

“Se a minha filha chegar a casa e disser assim: ‘pai dá-me 500 euros’, eu vou perguntar porque quer 500 euros. Se mandar mensagem a dizer ‘parti o telemóvel’, eu vou perguntar se está tudo bem, 'onde é que estás?', uma pergunta simples. Onde é que estás? O bandido sabe os locais que ela frequenta àquela hora? Não, por mais base de dados que colha”, afirma Paulo Gonçalves.

É preciso fazer perguntas, avisa o inspetor, e as perguntas certas, como faria se estivesse perante a pessoa que pede ajuda.

“Cada um sabe da sua realidade. Imagine que eles até têm acesso a uma base de dados e até sabem o nome da filha/o, mas uma coisa que uma base de dados não dá é quais as rotinas”, lembra. Mas não só. “Por exemplo, ‘qual é o nome do nosso cão?' Independentemente de eu ter cão ou não ter cão. Nem a NASA tem uma base de dados com esta informação”, assegura. Perante uma pergunta para a qual o autor da burla não tem resposta, “ele vai bloquear”.

Só que, da sua experiência na investigação, “no mundo virtual as pessoas não validam nada, aceitam tudo”. Algumas gerações nasceram antes de o digital fazer parte da sua vida, ao contrário dos mais novos. “As novas gerações sabem validar informação, porque foram preparados para fazer trabalhos académicos no ambiente digital, a pesquisar informação ou a validar, a saberem que nem tudo o que está na Wikipédia é verdadeiro”, aponta.

"Não sei se é esta a palavra, mas foi a melhor que encontrei ao longo dos anos. Nós temos de validar a informação. Eu não posso tomar tudo como certo, tenho de questionar. As coisas têm de fazer sentido, como a matemática. Não me deem uma fórmula que resolva todos os problemas, porque isso não existe, mas eu tenho de ser racional, tenho de pensar, tenho de validar, tenho de ter lógica”, explica.

Às vezes as mensagens parecem realmente verdadeiras e ter dúvidas é normal, diz a Polícia Judiciária. Mas antes de qualquer transferência de dinheiro, quem recebe a mensagem deve sempre tentar falar com a pessoa que supostamente a está a enviar, aconselham as autoridades. Não para o alegado “número novo”, mas para o antigo. Se não conseguir ligar para esse número, então sim, deve colocar perguntas que só a pessoa verdadeiramente aflita conheça as respostas. São pequenos gestos que podem fazer a diferença, garante a PJ.

Recorde alguns casos noticiados pela CNN Portugal de pessoas que receberam a mensagem “Olá Mãe/Olá pai”.

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