Durante 119 dias ninguém quis Fiona, uma cadela doente, sem pelo e barriguda. Até que apareceu uma menina de cinco anos - TVI

Durante 119 dias ninguém quis Fiona, uma cadela doente, sem pelo e barriguda. Até que apareceu uma menina de cinco anos

A cadela Princesa Fiona (Bill O'Leary/The Washington Post)

Depois de vários donos e de uma estadia prolongada num abrigo de Washington, uma família apaixonou-se pela beleza singular da cadela pit bull

Em Washington, nos Estados Unidos, a história de uma cadela arraçada de pit bull, doente, quase sem pelo e barriguda, conheceu um final feliz. As semelhanças com a personagem do filme "Shrek" são óbvias: afinal, também esta Princesa Fiona tem uma aparência invulgar.

A barriga é tão protuberante que quase roça no chão e as falhas na pelagem não conseguem ser disfarçadas mesmo com camisolas natalícias. São 22 quilos de puro amor, mas também ansiedade: sofre de hiperadrenocorticismo, uma condição que leva à produção excessiva de uma hormona associada ao stress, o cortisol. Bebe muita água, e urina ainda mais. Onde quer que vá, desce a sua barriga gigante até ao chão e deixa uma poça de urina, como que marcando de forma inequívoca a sua presença. 

Há, porém, uma diferença em relação ao filme da Dreamworks. Fiona adota permanentemente a forma de ogre no final de “Shrek”, mas os veterinários acreditam que a condição de saúde da cadela pode ainda vir a melhorar se encontrar um lar mais tranquilo do que um abrigo. A solidão da pandemia levou a um aumento exponencial de adoções e compra de animais domésticos, não só nos Estados Unidos. Com o fim das restrições e o regresso à normalidade, também as adoções abrandaram – e a Princesa Fiona acabou por ficar para trás, no abrigo “Humane Rescue Alliance”, entre tantos outros animais e voluntários sem mãos a medir.

Fiona completou o sétimo aniversário este ano, já depois de o primeiro dono a ter deixado no abrigo em janeiro. A barriga dilatada e a incontinência falavam por si: algo estava errado com a cadela, disse o dono, mas não tinha condições para a tratar.

O olhar expressivo, com rugas vincadas no topo da cabeça, rapidamente conquistou um novo adotante. A princípio, comprometeu-se a administrar a medicação necessária, mas as cápsulas de Vetoryl chegavam a custar quase 100 euros por mês e revelaram ser uma despesa incomportável. A Princesa Fiona regressou em agosto, com um estado de saúde agravado e uma barriga ainda mais inchada do que o habitual. 

O abrigo de animais estava sobrelotado, mas mesmo assim garantiu a Fiona um tratamento digno de princesa, com direito a medicação regular, passeios frequentes e a sua maior perdição: guloseimas de queijo. 

"Ogre", "hipopótamo terrestre", "batata": são muitos os nomes pelos quais é conhecida no abrigo, mas os voluntários assumem que a característica mais adorável da Princesa Fiona é o olhar meigo e expressivo. (Christina Gephardt/Humane Rescue Alliance)

Amor (e empatia) à primeira vista

No primeiro sábado de dezembro, a Humane Rescue Alliance organizou uma nova campanha de adoção num centro comercial de Washington. Não era o primeiro evento que contava com a presença de Fiona, mas os voluntários diziam-se esperançosos que alguém – qualquer pessoa, por entre a multidão atarefada com as compras natalícias – parasse e conduzisse a cadela ao seu final feliz, qual príncipe encantado.

Algumas pessoas detinham-se, mas não para admirar Fiona. Uma família parecia apaixonada por um cachorrinho, enquanto um casal afagava a pelagem longa e macia de outro. Os voluntários garantiam a quem passava que Fiona era “adorável” e “super tranquila”, mas a cadela não ajudava. Escondeu-se num recanto da loja de animais e fez uma poça de chichi; entrou noutro corredor e deixou novamente a sua marca.

Mesmo depois de adornarem Fiona com uma camisola de cores extravagantes, os elogios dos voluntários pareciam não ser ouvidos pelos potenciais adotantes – até que Monica Whitaker e a filha de cinco anos entraram. Tencionavam adotar um gato, mas pararam, curiosas, perante a figura caricata da cadela.

“Está grávida?”, perguntou Monica. Não, explicaram os voluntários, apenas sofria de uma doença crónica. O filho de 16 anos observava a cena do exterior, mas recusou-se a entrar com um aceno de cabeça quando chamado pela mãe. “Adolescentes…”, comentou a irmã mais nova, a pequena Myanni Whitaker, centrando novamente as atenções na cadela e estendendo-lhe uma guloseima de queijo.

Fiona devorou-a de um trago – adorava aperitivos, tal como Myanni. Para a criança, era sinal de não precisava de procurar mais: tinha encontrado uma nova amiga. “Aceitam cartão de crédito?”, perguntou, sem sequer consultar a mãe. De qualquer modo, Monica estava absorta, de olhos húmidos fixos na cadela.

O filho mais velho, de 19 anos, tinha tido um acidente de bicicleta aos seis que deixara sequelas para o resto da vida. Fora - e continuava a ser - uma dura batalha para garantir que o filho era tratado como um menino normal pelas restantes crianças e adolescentes, mesmo com um atraso no desenvolvimento intelectual e um distúrbio da fala que também prejudicavam as suas capacidades sociais. Dissera-lhe, vezes sem conta: “só porque alguém tem problemas médicos, não quer dizer que não mereça a vida que deseja”. Olhando para Fiona, desajeitada e parcialmente careca, soube que esta máxima também se aplicava à cadela – e quem melhor para a proporcionar do que esta família?

A Princesa Fiona olhava em redor, curiosa com a súbita atenção, mas ainda inconsciente da sorte que a esperava. “Vais dormir na minha cama”, prometeu Monica.

Monica e Myanni Whitaker, no primeiro encontro com Fiona. "Adotem-me", dizia um sinal colado à camisola da cadela. (Bill O'Leary/The Washington Post)

O fim de um ciclo, e o começo de outro

A manhã seguinte foi agridoce. A mais demorada residente do abrigo ia finalmente conhecer a sua casa permanente, mas também despedir-se de todos aqueles que cuidaram dela durante 119 dias – e já a consideravam, de certo modo, parte da família. “Batata”, “hipopótamo terrestre”: a Princesa Fiona era conhecida por vários nomes, mais ou menos depreciativos, mas todos eles carinhosos. Vestiram-na com a mesma camisola da sorte do dia anterior e despediram-se com vozes embargadas.

“Pensei que ia ter de levar-te para casa comigo durante o Natal, para que não ficasses sozinha”, troçou Emily MacArthur, a médica veterinária. “Nunca mais te quero ver.” Um último beijinho no rosto meigo de Fiona, contrariando implicitamente o que acabara de dizer.

O beijo de despedida entre a médica veterinária Emily MacArthur e a Princesa Fiona, deitada numa das suas posições preferidas. (Christina Gephardt/Humane Rescue Alliance)

A família Whitaker levou para casa medicação suficiente para um mês, um aparelho para ajudar Fiona a subir degraus e muitas, muitas guloseimas de queijo. Continuaram em contacto com o abrigo de animais e fizeram questão de comunicar todos os pormenores. Monica garantiu que bastaram uns dias para que a barriga parecesse menos inchada, e os detalhes do seu novo quotidiano ajudaram a comprová-lo. O filho mais velho era responsável pelos passeios matinais e, já em casa, fingia sempre não ouvir a regra básica da mãe: “Não quero a Princesa Fiona no sofá.” Não só a deixava subir, como ainda a envolvia numa manta cor-de-rosa com padrão de unicórnios que outrora pertencera à irmã. Fiona é uma Princesa, afinal.

A Princesa Fiona, repousando na sua nova manta de unicórnios. A família Whitaker ainda experimentou resolver o problema de incontinência com fraldas, mas depressa mudou de ideias: Fiona conseguia sempre removê-las. (Monica Whitaker)

 

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