Se para muitos o café é um impulsionador de energia e até fundamental para conseguir enfrentar os desafios diários, por tirar o sono e permitir uma maior capacidade de concentração, para outros não cumpre esse propósito ou tem até o efeito contrário.
O café “tem uma complexidade química muito interessante” e impacta de diversas formas o organismo de cada um, explica Conceição Calhau à CNN Portugal, professora catedrática de Nutrição da NOVA Medical School. “Efeitos de beber café são o resultado de um conjunto de substâncias com atividade biológica e da sua interação”, sublinha.
Ou seja, é também uma questão de genética. A diferença entre indivíduos reside, entre outros fatores, não tão comuns ou conhecidos, na capacidade de metabolizar os componentes do café, no número de neurotransmissores disponíveis para receber a cafeína e no poder de encaixe entre esses neurotransmissores e o composto químico.
À medida que o dia se desenrola, o organismo vai produzindo adenosina, um dos responsáveis pelo sono. Ao ligar-se aos recetores do cérebro este composto orgânico vai libertar ácido gama-aminobutírico (também conhecido pela sigla inglesa GABA), que inibe o sistema nervoso, provocando cansaço. Este é o ciclo - chamado de “ritmo circadiano” - responsável por nos manter acordados durante o dia e pela sonolência noturna.
A cafeína - quando resulta - vai atrasar este ciclo.
Segundo a professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Manuela Grazina, a cafeína é um antagonista da adenosina, isto é, bloqueia a libertação do GABA e “desencadeia efeitos estimulantes”, resultando num aumento da energia e numa sensação de bem-estar.
Contudo, a também investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) de Coimbra explica que certas variantes genéticas não conseguem produzir neurotransmissores suficientes para receber a cafeína ou as que produzem não permitem que a ligação seja concretizada.
Outro ponto em que a genética desempenha um papel nesta matéria é a capacidade metabolizadora das enzimas. O processo de metabolizar vai definir que quantidade da cafeína chega ao cérebro, bem como a sua rapidez, desencadeando um efeito mais forte ou mais fraco.
A genética pode também afetar o próprio ciclo biológico. “Os 'clock genes' fazem com que exista sintonia, ou não, entre os cronogenes [os genes associados aos relógios biológicos] e a exposição à cafeína e ao sono”, acrescenta Conceição Calhau.
Daniel Vieira Luís, investigador da HeartGenetics, Genetics and Biotchnology SA, aponta igualmente “outros fatores que influenciam o metabolismo da cafeína, aumentando-o - fumo do tabaco, vegetais crucíferos e inibidores da bomba de protões como o Omeprazol - ou diminuindo-o (contracetivos orais, fluoroquinolonas [associado a antibióticos] e o ISRS fluvoxamina [associado a antidepressivos])”.
Organismo pode estar a adaptar-se à cafeína
Para os que conseguem apoiar-se nas chávenas de café diárias para enfrentarem o dia, importa dizer que a cafeína não elimina a adenosina do organismo. A cafeína apenas bloqueia o processo natural, como se mascarasse a função intrínseca da adenosina. Desta forma, as células continuam a produzi-la e a adenosina vai-se acumulando no organismo. No momento em que a cafeína desvanece, o efeito de sonolência será, consequentemente, mais forte.
“Assim que a cafeína se desgasta obtém-se um nível muito elevado de pressão do sono”, indica Seth Blackshaw, neurocientista da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, citado pelo The New York Times.
E com o passar do tempo, os efeitos do café podem deixar de ter impacto, defendem alguns especialistas. Tal deve-se a uma adaptação, que torna o organismo tolerante à ação da cafeína.
“Os mecanismos neuroquímicos são absolutamente extraordinários e fascinantes. O cérebro adapta-se, o genoma adapta-se a ser traduzido, de forma a funcionar com a presença de certos componentes e ajusta-se", sublinha a investigadora Manuela Grazina. Também as proteínas responsáveis pela decomposição podem começar a multiplicar-se mais depressa, afetando o volume de cafeína que alcança o cérebro.
A solução para este problema não passa, contudo, por aumentar o número de doses, uma vez que pode ter efeitos nefastos para a saúde. “Não precisa de aumentar as doses continuamente, porque há um limite para os efeitos, o espaço estrutural biológico e metabólico, tem um limite”, adverte Grazina.
O neurocientista Seth Blackshaw recomenda, por exemplo, que se deixe de beber café durante uns tempos, para limpar o organismo da cafeína. Depois, poderá, gradualmente, voltar a introduzi-lo.
No entanto, no final de contas, a fórmula ideal para combater o cansaço é o respeito pelos ciclos de sono e dormir as horas necessárias, repondo os níveis de energia. Também a prática de exercício ou exposição ao sol contribuem para um melhor descanso.
A forte dependência da cafeína pode ainda ter outros efeitos, como é o caso das dores de cabeça, que são sintomas associados à privação, lembra a investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular de Coimbra.
Portanto, defende o professor Mark Stein, da Universidade norte-americana de Washington, “sono adequado e atividade física são as intervenções de primeira linha para problemas de atenção e sonolência". "A cafeína é um complemento útil, mas não deve querer ficar dependente dela”, avisa.