Cancro do cólon é silencioso, indistinto e fácil de confundir. Como se deteta e trata um dos cancros que mais matam em Portugal - TVI

Cancro do cólon é silencioso, indistinto e fácil de confundir. Como se deteta e trata um dos cancros que mais matam em Portugal

Cancro do cólon (Foto: BSIP/Universal Images Group via Getty Images)

Em Portugal, o rastreio do cancro do cólon está recomendado para quem tenha mais de 50 anos, mesmo sem sintomas. Até porque este tipo de cancro raramente dá sinais até estar numa fase avançada, deixando pouca margem para a cura

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O cancro da mama é aquele que mais mata mulheres em Portugal, o cancro da próstata é o mais mortífero para os homens, mas, segundo dados do mais recente Relatório Oncológico Nacional, com números de 2019, depois destes vem o cancro do cólon, que é igualmente letal para ambos os sexos: em Portugal foram diagnosticados 5.483 casos, atrás dos 8.482 cancros da mama e 5.912 cancros da próstata.

O cancro do cólon é uma doença silenciosa, aponta Carlos Sottomayor, oncologista do Hospital Pedro Hispano. Tem sintomas "inespecíficos" e, por isso, é muitas vezes detetado já em fases avançadas e com pouca margem para a cura. Daí ser tão importante a adesão aos rastreios gratuitos do Serviço Nacional de Saúde. "O mais importante na deteção deste cancro é mesmo a deteção precoce", declara o especialista. E essa deteção precoce faz-se pela pesquisa de sangue oculto nas fezes e, havendo sinal de alarme, por uma colonoscopia. "Em geral, as pessoas não gostam de fazer esses exames, por causa da preparação e do exame em si. É importante sensibilizar para aderirem" admite o médico. Até porque, se for diagnosticado tardiamente, o cancro do cólon termina muitas vezes numa situação incurável. "Hoje em dia, mesmo nos casos mais avançados, já se consegue uma sobrevida de dois, três anos, com tratamentos de quimioterapia", refere o oncologista.

A atriz norte-americana Kirstie Alley morreu no início do mês, aos 71 anos, depois de uma "curta batalha" contra um cancro do cólon. A família confirmou que Alley descobrira a doença recentemente, o que realça a importância da deteção precoce, antes de o cancro alastrar para "metástases ao nível do fígado ou do pulmão", indica o oncologista Carlos Sottomayor. Outra celebridade que morreu devido ao cancro do cólon foi o ator norte-americano Chadwick Boseman, aos 43 anos, que lutou durante quatro anos com a doença que acabaria por lhe tirar a vida em 2020. E o ex-futebolista brasileiro Pelé, internado recentemente, foi diagnosticado em setembro de 2021 com este tipo de cancro.

Apesar da importância da deteção precoce, a pandemia de covid-19 não veio ajudar os programas de rastreio: segundo o documento com a avaliação e monitorização dos resultados dos rastreios oncológicos de base populacional em 2019 e 2020, da Direção-Geral da Saúde, o rastreio para o cancro do cólon - que foi pela primeira vez implementado em Portugal em 2008 - em 2020, por causa da covid-19, esteve parado entre março e julho em todas as Administrações Regionais de Saúde do país. Ainda assim, em 2020, a taxa de adesão ao rastreio foi de 41%, comparada com 32% em 2019.

Já o relatório anual sobre o acesso a cuidados de saúde no SNS, relativo a 2021, informa que a cobertura geográfica do rastreio do cancro do cólon e reto tem vindo a aumentar desde 2017: em 2021 foram convidados 376.706 utentes a aderirem, dos quais 188.722 foram rastreados com pesquisa de sangue oculto nas fezes. Destes, 5.994 apresentaram teste positivo, tendo sido realizadas 2.111 colonoscopias e referenciados para avaliação hospitalar 549 doentes com lesões positivas. A taxa de adesão ao rastreio do cancro do cólon e reto - usa-se o mesmo exame para despistar as duas doenças - foi, em 2021, de 50,1%, metade da população que deveria ser abrangida por estes exames. 

O oncologista Carlos Sottomayor admite que a pandemia levou a que aparecesse um maior número de casos "em situação mais avançada" e menos casos de diagnóstico precoce. "Há estudos publicados que mostram isso, mas julgo que está a haver agora uma recuperação desse panorama", acrescenta, numa nota positiva.

Sintomas numa fase avançada da doença

António Araújo, diretor do Serviço de Oncologia do Hospital de Santo António, explica antes de mais que, apesar de ser comum falar em despiste do cancro colorretal, trata-se de uma simplificação, uma vez que o rastreio serve para detetar ambos os cancros, mas são problemas diferentes. "E cada vez mais se nota que o comportamento biológico da doença é diferente se estivermos a falar de um cancro do cólon à direita ou à esquerda do intestino grosso, e é completamente diferente de um cancro do reto, mesmo em termos de tratamento", explica o oncologista.

"O cancro do cólon começa com lesões benignas ou pré-malignas, normalmente com o aparecimento de pólipos ou lesões ulceradas que, com o tempo, vão adquirindo mutações genéticas e se vão transformando em lesões malignas que depois se podem desenvolver, invadir ou metastizar", esclarece António Araújo. Quando há metástases, os primeiros órgãos afetados são os gânglios linfáticos periregionais, depois o fígado e a seguir os pulmões, pelo que é frequente que os doentes procurem assistência médica quando têm sintomas que já estão a ser causados pelo alastrar do cancro do cólon a outros órgãos. "O tumor pode crescer para o interior do tubo digestivo e ir alargando. Se for grande, causa obstrução intestinal e os doentes vêm à urgência com sintomas de obstrução e são operados de urgência", revela o diretor de Oncologia do Hospital de Santo António. 

Chamam-lhe doença silenciosa precisamente porque os sintomas surgem já numa fase avançada: as manifestações mais ligeiras podem ser facilmente confundidas "com a vida normal das pessoas", nomeadamente as alterações do trânsito intestinal, como obstipação ou diarreia. Numa fase mais avançada, pode surgir sangue nas fezes ou dor abdominal.

"As pessoas têm tendência a culpar a alimentação dos últimos dias, ou um estado mais ansioso pelo qual possam estar a passar. Demoram a ir ao médico de família para que este possa solicitar os exames devidos e isto justifica o grande número de doentes que podem ser diagnosticados em caso avançado", explica António Araújo. Para tratamento, além da cirurgia, que é "o ideal", os médicos recorrem normalmente à quimioterapia e, em alguns casos, "à imunoterapia, que obriga a fazer a pesquisa de um biomarcador. Mas o número de doentes com cancro do cólon que tem esse biomarcador é baixo, anda na casa dos 10 a 15%", refere António Araújo. 

De realçar que, em Portugal, e segundo a mais recente monitorização da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), divulgada esta semana, os tempos máximos de espera previstos na lei para consultas e cirurgias de pessoas com cancros e doenças cardíacas - as doenças que mais matam em Portugal - foram ultrapassados em grande percentagem nos hospitais públicos nos primeiros seis meses deste ano.

Sem distinguir tipos de patologias cardíacas ou diferentes cancros, a ERS indica que, mesmo os hospitais tendo aumentado o número de consultas e cirurgias oncológicas e de cardiologia, o esforço não foi suficiente para diminuir as listas de espera, que se agravaram desde a pandemia. Cerca de um quarto dos doentes com cancros que foram operados entre janeiro e junho deste ano esperaram mais tempo do que aquele que está definido na lei para o seu nível de prioridade: um doente com cancro deve ser operado no SNS entre 15 a 45 ou 60 dias, dependendo da gravidade da doença. 

Idade e estilo de vida como fatores de risco

O cancro do cólon está normalmente ligado ao estilo de vida, nomeadamente à alimentação, e também a algumas fragilidades genéticas. "Há um grupo relativamente pequeno de doenças genéticas e hereditárias que aumenta o risco de cancro do cólon. A mais comum chama-se síndrome de Lynch, uma alteração no DNA que faz com que os doentes normalmente tenham muitos e grandes pólipos", explica Carlos Carvalho, médico oncologista e diretor da Unidade Multidisciplinar de Cancro Digestivo do Centro Clínico Champalimaud. Mas, no conjunto de doentes que não tem outras causas mais diretas para desenvolver a doença, o cancro do cólon relaciona-se com padrões de alimentação, "sobretudo com pouco uso de fibra", indica Carlos Carvalho. "As alimentações mediterrânicas clássicas, com muitos vegetais, hortaliças, grãos, são alimentações que têm quantidade de fibra alta e isso, ao longo dos anos, tende a reduzir o risco". 

O especialista assinala ainda que alguns alimentos têm sido referidos, por outro lado, como potenciais fatores de risco, nomeadamente alguns tipos de carnes mais processadas e enchidos. "Mas a associação tem sido mais difícil de estabelecer e, nestes casos, as associações nunca são lineares, há vários fatores que podem contribuir para este cancro. Também há associação com pessoas que fazem menos exercício físico, com aumento de peso, e haverá outros fatores que são relacionados com a ambiência e que não temos tanta facilidade em isolar, mas que podem ter um contributo", refere, admitindo que há hoje doentes cada vez mais jovens e com padrões de vida saudáveis que também são diagnosticados com esta doença.

Já a idade, explica o diretor da Unidade de Cancro Digestivo do Centro Champalimaud, é sempre "um fator em todos os tumores": a tendência geral é que os tumores sejam mais frequentes nas pessoas com mais idade, "admitindo que os fatores que podem ajudar ao desenvolvimento dos tumores demoram muitos anos a desenvolver-se e também porque as pessoas com mais idade podem ter menos capacidade na defesa contra tumores, quer por fatores imunológicos, quer nos mecanismos para reparar no ADN das células as alterações que vão surgindo".

Sendo certo que estilos de vida mais saudáveis são sempre importantes na prevenção, também há outros aspetos que não é possível controlar, nomeadamente a exposição à poluição ou a substâncias que poderão ser cancerígenas e "ainda não sabemos", acrescenta Carlos Carvalho. Mas se, em alguns tumores, os rastreios à população não são eficazes, no cancro do cólon essa medida preventiva é aplicável e não pode deixar de fazer parte das agendas dos maiores de 50 anos. "Em Portugal, os rastreios do cancro do colo do útero ou do cancro da mama foram desenvolvidos mais cedo e têm uma estrutura mais organizada. Já as colonoscopias são exames mais difíceis de aceder e os programas de rastreio foram mais tardios, mais difíceis de organizar e cobrem uma percentagem de população muito menor", alerta o oncologista. "Houve um grande esforço nos últimos anos, que foi cortado com a pandemia", sublinha, pedindo mais investimento e centros dedicados a este rastreio. "Nem todas as pessoas querem fazer uma colonoscopia, mas a pesquisa de sangue nas fezes pode ajudar", garante, ainda que admita que em Portugal há dificuldades com os programas de rastreio porque estes são normalmente ligados aos centros de saúde, que têm "dificuldades de funcionamento estruturais".

O avanço da tecnologia deverá permitir que, em breve, existam formas de rastreio do cancro do cólon mais simples e eficientes, dependentes de colheita sanguínea, assinala Carlos Carvalho. "Estão a ser desenvolvidos outros métodos ligados ao ADN para deteção de tumores, entre eles o tumor do cólon. Ainda não estão totalmente validados", resume o oncologista da Fundação Champalimaud, que prevê mudanças importantes em termos de tecnologia de rastreios "nos próximos anos". Mas, até lá, não facilite: em Portugal, existe um programa gratuito de rastreio do cancro colorretal, dirigido a pessoas entre os 50 e os 74 anos, sem que precisem de apresentar sintomas. Este rastreio é realizado de dois em dois anos, através do centro de saúde da área de residência, e normalmente inclui o teste de pesquisa de sangue oculto nas fezes. Caso seja detetada a presença de sangue, a pessoa é encaminhada para a realização de uma colonoscopia total, pois só este exame pode confirmar, ou não, a presença de tumor. Um dado importante: se tiver fatores de risco familiares, o acompanhamento terá de ser mais próximo e começar mais cedo.

Se fizer uma colonoscopia e o resultado for negativo para lesões malignas, pode deixar passar uma década até voltar a participar num rastreio. "Antes, este período era de cinco anos, mas se a colonoscopia for totalmente negativa os intervalos podem ser de dez anos, quando não há fatores de risco", tranquiliza o oncologista Carlos Carvalho.

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