Envelopes de 60 mil euros nos cofres de Alvalade, abordagens a dois árbitros de andebol e a um empresário do Desportivo de Chaves para beneficiarem o Sporting (clube que não é arguido) e um denunciante acusado de corrupção ativa. A leitura do acórdão do processo “Cashball”, que investiga um suposto esquema de compra de árbitros e jogadores, está marcada para esta terça-feira.
São três os acusados por corrupção desportiva, num total de 14 crimes, que vão conhecer o desfecho às 14:00 horas no Tribunal Judicial de Leiria. Entre eles, está Paulo Silva, o empresário que denunciou publicamente a existência de uma rede de corrupção que beneficiaria a equipa de andebol do Sporting. Estes são oito detalhes sobre o caso "Cashball".
O denunciante no banco dos réus
Foi este empresário que assumiu ter sido mandatado, através de intermediários, para corromper árbitros de andebol e jogadores de futebol adversários, de modo a favorecerem o Sporting. Terá oferecido a ambos, em 2017, 2.500 euros, com a intenção de os levar a beneficiar a equipa leonina em encontros com o ABC de Braga e o FC Porto.
No ano seguinte, “arrependido”, Paulo Silva viria a trazer este alegado esquema para a esfera pública, tendo inclusive dado uma entrevista ao Correio da Manhã e disponibilizado ao Ministério Público várias mensagens por whatsapp, que trocou com o empresário João Gonçalves e com o ex-funcionário do Sporting Gonçalo Rodrigues, onde são referidas abordagens a árbitros da Liga de andebol.
As mensagens por Whatsapp. “Eh pá, tem de dar aí uma mãozinha”
De acordo com as mensagens reveladas pelo jornal, numa dessas ocasiões, antes do Sporting entrar em campo com o Benfica no jogo que viria a dar aos leões o campeonato nacional 16 anos depois, Paulo Silva refere a Gonçalo Rodrigues que já “tratou da situação”. “Disse-lhes que se ganharmos dou-lhes um brindezinho. Falei-lhes no valor, claro, 1,5…e disse-lhes pá, pronto, ‘queremos muito ser campeões, se as coisas estiverem complicadas, eh pá, tem de dar aí uma mãozinha’. Ele garantiu-me que não nos vai prejudicar. E ficou assim a conversa”. Já Rodrigues respondeu: “Excelente, é isso mesmo. Também temos de ser competentes para fazer a nossa parte, é isso mesmo”.
Anteriormente, em abril de 2017, antes do jogo entre o ABC e o Porto, Paulo Silva escreve a João Gonçalves, empresário tido como interlocutor com André Geraldes, team manager do Sporting, a sublinhar que já tinha falado com o árbitro desse jogo decisivo. “Dei-lhe a entender que se o ABC ganhasse ao Porto eu dava-lhe um prémio. Um prémio agradável para ele passar uns dias com a família. O gajo não me disse nem que sim nem que não; não foi muito direto. Vou aguardar”. A isto, João Gonçalves responde: “Mas não é aquele gajo que tu já estiveste com ele? Porque é que não foste mais concreto com ele? Podias ter dito o valor e tudo: mil e quinhentos”.
E Paulo Silva revela que “este gajo… é um gajo chegado ao Porto, ok? E não quis estar com conversas muito claras porque estou a falar ao telefone. É o gajo com quem estive na Madeira, sim. Mas sei lá se o Porto não lhe ofereceu 2500 ou 3000 euros? E se eu lhe vou oferecer 1,5… o gajo diz: “Ó pá, este gajo vem com os putos à missa”.
60 mil euros em envelopes e mensagens de Paulo “Cash”
A Polícia Judiciária decidiu lançar a operação Cashball, em maio de 2018, após vários dias de escutas a Paulo Silva, que se tinha apresentado em março desse ano nas instalações da Diretoria do Norte da PJ, onde confessou estar envolvido num esquema de pagamentos a árbitros de andebol com o intuito de beneficiar o Sporting. Nessa operação, os inspetores realizaram buscas no estádio Alvalade XXI e encontraram no cofre do gabinete do então team manager do Sporting envelopes com pouco mais de €60 mil euros. Interrogado, Geraldes viria a explicar que este dinheiro corresponderia à venda de bilhetes pelo Sporting às claques, mas admitira, segundo avançava o Expresso na altura, ter recebido mensagens de um homem que se identificava como Paulo “Cash”.
Paulo Silva apontou Bruno de Carvalho como "chefe" do alegado esquema de corrupção
Já como a TVI avançou na altura, Paulo Silva chegou mesmo a apontar o nome de Bruno de Carvalho, ex-presidente do Sporting, como o "chefe" do alegado esquema de corrupção. Mas o anterior dirigente negou alguma vez ter conhecido este empresário: "Não conheço o Paulo Silva. Nunca falei com o Paulo Silva e se o Ministério Público avançar com alguma acusação terei dados para poder comentar seja lá o que for", afirmou Bruno de Carvalho na altura.
Esquemas atingiram também o futebol, com subornos a defesa do Chaves
A investigação viria a estender-se também ao mundo do futebol, mais precisamente ao Desportivo de Chaves. A decisão instrutória do caso, conhecida em 2022, revelava que Paulo Silva tentou corromper Leandro Freire, defesa do Chaves, com o intuito que este fosse mais permissivo na marcação a Bas Dost em dois encontros entre a formação leonina e flaviense, na temporada de 2016/17. O central brasileiro não aceitou o suborno que chegaria aos 25 mil euros.
Sporting não foi acusado, mas constituiu-se assistente no processo
Para além de Paulo Silva, João Gonçalves e Gonçalo Rodrigues, no processo Cashball chegaram a constar outros arguidos, como André Geraldes, na altura diretor desportivo do Sporting. Mas na acusação, caiu o nome deste empresário, tal como o do Sporting, clube que se constituiu assistente no julgamento que teve início em maio deste ano.
Árbitros contam abordagens: uma festa em Pombal e um falso jornalista
Numa das sessões de julgamento no tribunal de Leiria, Ivan Caçador, o juiz que arbitrou o encontro de andebol entre o Sporting e o FC Porto na temporada em que o emblema leonino foi campeão, contou como terá sido abordado por Paulo Silva para "favorecer o Sporting". "Ao telefone disse que era jornalista desportivo de A Bola e queria falar comigo pessoalmente. Depois disse que vinha da parte do Sporting".
Segundo o árbitro, Paulo Silva disse que "não queria que prejudicasse e que a favorecer alguém que fosse o Sporting", no entanto recusou que lhe tenha sido oferecido dinheiro. "Comigo a apitar o Sporting perdeu todos os jogos nessa época".
Já Roberto Martins, outro dos árbitros de andebol abordados, contou que Paulo Silva chegou ao seu contacto com o argumento de que tinha uma empresa de automóvel e queria participar nas Festas do Bodo, em Pombal, evento de que o árbitro fazia parte. "Percebi que a intenção dele era outra quando começou a falar do Sporting e de andebol e terminei a conversa logo ali", afirmou ao coletivo de juízes.
Procuradora pede absolvição dos arguidos
As testemunhas que depuseram em tribunal, no entanto, nunca mencionaram uma abordagem direta, nem uma oferta corruptiva clara de Paulo Silva e o conhecimento que tinham dos outros dois arguidos era nulo. Por isso, a procuradora do caso entendeu também não ter sido feita prova para condenar João Gonçalves e Gonçalo Rodrigues e admitiu também a absolvição de Paulo Silva, já que este poderá ter apenas praticado atos preparatórios. Assim, em julho, pediu a absolvição dos três arguidos.