Da contestação social ao diálogo, as semelhanças entre as maiorias de Cavaco e Costa - TVI

Da contestação social ao diálogo, as semelhanças entre as maiorias de Cavaco e Costa

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  • Mariana Espírito Santo
  • 11 mar 2023, 11:44
António Costa e Cavaco Silva

Depois da comparação feita por Marcelo, politólogos reconhecem algumas semelhanças entre a segunda maioria de Cavaco Silva e o atual Governo, como a multiplicação de manifestações e greves.

No dia que marcou o sétimo aniversário enquanto Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa lançou algumas farpas ao Governo que diz acreditar ser uma maioria “cansada”, fazendo uma comparação com a segunda maioria de Cavaco Silva. É possível traçar alguns paralelismos com essa época, nomeadamente pela contestação social e dificuldades no diálogo, assinalam os politólogos ouvidos pelo ECO.

Marcelo não se conteve na avaliação do Governo que saiu das eleições de janeiro de 2022: “Nasceu uma maioria requentada. As maiorias que não nascem de novo, que nascem com um governo com seis anos — um pouco como a segunda maioria do professor Cavaco Silva —, são maiorias cansadas”, disse, em entrevista ao Público e RTP esta quinta-feira.

Este conceito de requentado surge com o significado de “repetir a fórmula sem atender às novas circunstâncias”, aponta José Adelino Maltez, ao ECO. Há uma “repetição de gestos” que leva a que os discursos e atitudes comecem a perder o sentido e surja “cansaço”, defende.

Entre as semelhanças dos dois Executivos encontra-se a “fase de manifestações encadeadas de contestação social”, que se vivem agora nomeadamente com as greves dos professores e também de profissionais de saúde, por exemplo, que “também aconteceram no governo de Cavaco Silva”, recorda o politólogo.

Paula do Espírito Santo, investigadora e docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), também acredita que “há semelhanças na medida em que há contestação social intensa tal como na altura e percebemos também que há alguma incapacidade de diálogo institucional”, como por exemplo entre o Governo e os sindicatos que tem levado ao prolongamento de greves.

Com Cavaco Silva, há alguns célebres exemplos de contestação como o buzinão na Ponte 25 de Abril contra o aumento de 50% das portagens, em 1994, visto por alguns como o ponto de viragem do “Cavaquismo”. A relação com o então Presidente Mário Soares também azedou na segunda maioria, com este a criticar a estratégia do Governo na gestão da crise e deixar vários recados.

O na altura primeiro-ministro social-democrata chegou a responder à contestação social com a frase “Deixem-me trabalhar!”, numa fase em que apelidava os partidos da oposição como “forças de bloqueio”.

Paula Espírito Santo aponta assim que o “relacionamento institucional não era o melhor com o Presidente”, algo que atualmente até aqui não se podia tanto dizer. No entanto, podemos estar perante um ponto de viragem, sendo que na entrevista de quinta-feira o Presidente “ensaiou uma tentativa de discurso para se libertar” do peso de ligar o “Costismo” ao “Marcelismo”, considera Adelino Maltez.

“Como o Costismo está ligado ao Marcelismo presidencial, o que ontem fez o Presidente da República foi tentar distinguir-se, para não haver na história portuguesa a identificação”, acredita o politólogo.

Certo é que a comparação acabou por ser com um Governo que completou a legislatura até ao fim, ainda que Marcelo não deixe de parte a “bomba atómica” de dissolver o Parlamento, caso se justifique. Os politólogos não se arriscam a adivinhar se o Governo de Costa completa a legislatura, mas Adelino Maltez salienta que o “problema com estas maiorias é que podem matar-se a si mesmas”. “Os ciclos de regime, governos de maioria, costumam em Portugal cair de podre”, atira.

Paula Espírito Santo também salienta que “não sabemos ainda o desfecho: se Governo vai manter-se ou se vai entrar num processo de implosão”.

Ainda assim, para a politóloga, esta comparação entre os dois Governos pode mesmo “levar a refletir sobre as vantagens ou limitações das maiorias absolutas no plano democrático”. Isto já que “podem motivar maior falta de diálogo e de capacidade dos Executivos para resolver problemas de urgência muitas vezes com base económica”, sendo que vivemos agora com um abrandamento económico e na altura a época também não era de crescimento elevado.

Mesmo assim, admite que pode ser apenas uma “convergência de fatores”, sendo que há o “ponto comum às democracias da liberdade de expressão”, além de que “há grupos e setores que nunca estão plenamente satisfeitos”. “Por outro lado, acaba por haver uma contra-resposta por parte do sistema, percebe-se que tem de forçar o diálogo porque estes Governos [de maioria] são mais estáveis e menos permeáveis a qualquer tipo de agitação“, considera.

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