Os certificados de aforro mudaram: tudo o que se sabe sobre a série F (que pode ser comprada já a partir de segunda-feira) - TVI

Os certificados de aforro mudaram: tudo o que se sabe sobre a série F (que pode ser comprada já a partir de segunda-feira)

O Governo terminou com a série E dos certificados de aforro, depois de os portugueses terem aderido em força a esta forma de poupança com juros superiores aos da banca, e criou a série F - uma alternativa que paga menos, aumenta o prazo do investimento máximo e, no final, premeia os que aguentarem os 15 anos

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O fim da comercialização da série E dos certificados de aforro está a dividir opiniões: se, por um lado, há quem aplauda a "racionalidade" da medida, uma vez que o Estado tem formas mais em conta para se endividar, também há quem acuse o Governo de "ceder" aos interesses e pressões da banca. No meio disto tudo, Marcelo Rebelo de Sousa apelou aos bancos para que façam um "esforçozinho" para "tornar mais atraente a situação para os depositantes portugueses".

Afinal, o que está em causa com esta medida? E será que o Bloco de Esquerda e o PCP têm razão quando acusam o Governo de ceder à banca? A CNN Portugal responde a estas e outras questões.

O que muda na subscrição de certificados de aforro?

O Governo anunciou na sexta-feira a suspensão da série E dos certificados de aforro, numa altura em que se verificava uma elevada procura por este produto financeiro, com uma taxa de juro de 3,5%, a que acrescia um prémio de permanência de até 1%, numa duração máxima de 10 anos.

A partir de segunda-feira terá de subscrever uma nova série de certificados de aforro - a série F, que, tal como a série anterior, também varia consoante a Euribor a três meses, mas, desta feita, a taxa máxima será de 2,5%, a que acresce um prémio de permanência que pode ir até 1,75%, num prazo máximo de investimento de 15 anos. O valor mínimo para subscrição dos certificados de aforro mantém-se nos 100 euros, com o montante máximo a ascender aos 50.000 euros, e a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) ressalva que o valor acumulado dos certificados de aforro das séries E e F será limitado a 250 mil euros

Além disso, vai passar a ser possível subscrever certificados de aforro através do portal AforroNET ou nas lojas dos CTT, nos Espaços Cidadão ou “nas redes físicas ou digitais de qualquer instituição financeira ou de pagamentos inscrita no Banco de Portugal e indicadas para o efeito pelo IGCP”. Uma alteração que, de acordo com Paulo Ferreira, comentador da CNN Portugal, "não é de todo benéfica" para os bancos, uma vez que, "no fundo, passam a comercializar no seu balcão o produto de poupança que mais concorre com os seus depósitos". Mas, "para os aforradores, é obviamente benéfico, porque torna-se mais fácil subscrever esse tipo de produtos", sublinha.

Porque é que o Governo tomou esta decisão?

Para o economista João Santos, o "grande objetivo" do Governo passa por "diminuir a despesa associada aos juros do endividamento" dos certificados de aforro. Uma vez que a taxa de juro dos certificados de aforro varia consoante a Euribor a três meses, que está muito perto dos 3,5%, "o Estado quer, no curto e médio prazo, diminuir a despesa associada ao endividamento a partir de certificados de aforro".

"Perante a subida muito acentuada das Euribor, as famílias portuguesas desataram a correr ao investimento em certificados de aforro e essa correria foi tão intensa que, nos primeiros quatro meses do ano, houve um aumento de 11 mil milhões de euros de investimento em certificados de aforro", explica o economista à CNN Portugal.

Neste contexto, "o Estado foi muito hábil" ao suspender a comercialização da série E dos certificados de aforro, avalia o economista, uma vez que, ao "baixar os custos associados ao endividamento com esta nova série, cujo juro máximo é de 2,5%, volta a ter um saldo francamente positivo" nesse endividamento.

Também Paulo Ferreira considera que o Governo foi "muito racional" ao aplicar esta medida, que permite um financiamento do Estado a "um custo mais baixo".

"Quando subscrevemos certificados de aforro estamos, no fundo, a ir buscar dinheiro ao Estado e o Estado paga-nos uma taxa de juro. Até agora, pagava 3,5% no máximo e, agora, a partir de segunda-feira, vai passar a pagar 2,5%. Cada Governo que está em funções deve financiar-se à menor taxa possível, porque os juros são pagos por todos nós, todos os anos, através dos impostos que pagamos no Orçamento do Estado. É essa a racionalidade dessa medida: o Governo tentar financiar-se a um custo mais baixo, o que faz todo o sentido", argumenta.

O Governo está a "ceder" à banca?

A corrida aos certificados de aforro tem impacto não só no financiamento do Estado, como também nas contas dos bancos, que perdem liquidez com a fuga de depósitos tradicionais. "Esta correria desenfreada ao investimento em certificados de aforro tem feito com que as famílias retirem muitos depósitos do sistema bancário nacional e isso pode criar um problema de liquidez aos bancos se não houver prevenção", explica o economista João Santos.

Neste contexto, houve quem defendesse uma "interrupção" da emissão dos certificados de aforro, argumentando que o Estado não deveria ter mais do que 15% da sua dívida em produtos a taxas variáveis.

Depois do anúncio do fim da comercialização da série E dos certificados de aforro, o Bloco de Esquerda e o PCP uniram-se nas críticas ao Governo, acusando-o de ceder aos interesses e pressões da banca. O PCP foi mais longe e pediu uma audição urgente do secretário de Estado das Finanças, denunciando o que considera ser "um favor do Governo à banca" ao "legitimar a continuação de níveis inaceitáveis de remuneração dos depósitos a prazo, em vez de aumentar os instrumentos que promovessem o fim deste abuso".

Este sábado, em declarações aos jornalistas no Ministério das Finanças, o secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, demarcou-se das críticas, assegurando que "não houve nenhuma pressão" dos bancos nesse sentido. "Há zero de cedência à banca [com o fim da série E dos certificados de aforro]", assinala.

Para o comentador da CNN Portugal Paulo Ferreira, "é difícil olhar para isto como uma cedência à banca", uma vez que "o Estado continua a pagar muito acima dos depósitos" tradicionais. "Se o Estado tivesse cortado a taxa [da série E dos certificados de aforro] de 3,5% para 1% ou 1,5%, isto é, para um nível de taxas de juro que fosse relativamente próximo do que os bancos pagam pelos depósitos, aí podíamos de facto pensar que havia um cenário favorável aos bancos", argumenta.

"Nós temos depósitos na casa dos 0,5% a 1% pagos pela banca, portanto, há um diferencial muito grande ainda, mesmo com esta redução para 2,5%, daquilo que o Estado vai pagar de juro pelos empréstimos que recebe dos particulares e o que a banca paga", sustenta o comentador.

Já o economista João Santos considera que o Governo quis antes "acautelar um problema de liquidez dos bancos", sobretudo depois do que aconteceu nos EUA, com a falência de três bancos. "Faliram por diversas razões, mas uma delas foi a subida acentuada dos juros diretores da reserva federal norte-americana que levou os norte-americanos a retirarem depósitos dos bancos para investir no financiamento do Estado norte-americano tal como está a acontecer aqui", observa.

"Portanto, esta diminuição da rentabilidade vai naturalmente desincentivar parte de investidores que voltam a sentir mais interesse pelo sistema bancário e o Estado diminui a despesa associada ao endividamento", resume.

Bancos vão aceder ao pedido de Marcelo para um "esforçozinho" nos depósitos?

O Presidente da República apelou este sábado aos bancos para que façam um “esforçozinho” no sentido de aumentarem as taxas de devolução de depósitos aos portugueses. Isto porque, na perspetiva de Marcelo Rebelo de Sousa, a corrida aos certificados de aforro é um sinal de que “os portugueses acham que a banca está a pagar pouco”.

Mas muito dificilmente os bancos vão aceder a esse pedido. É que, como explica Paulo Ferreira, "os bancos não precisam de captar mais poupanças em depósitos", logo, "não sobem as taxas de juro".

"Os bancos estão bem capitalizados neste momento. A transformação entre depósitos e empréstimos está muito mais baixa do que há 10, 15 anos, quando, por cada euro que tinham em depósitos, emprestavam mais de um euro em empréstimos", avalia o comentador.

No entender de Paulo Ferreira, os bancos só irão ponderar aumentar as taxas de juro se chegarem a "níveis de liquidez mais preocupantes". "Aí sim vão ter de batalhar com taxas de juro mais elevadas para captar essas poupanças. Se ainda não o fizeram até agora, é porque as contas que os bancos fazem indicam que eles não precisam de fazer esse 'esforçozinho'”, conclui.

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