Apocalipse? Não - TVI

Apocalipse? Não

Quase quatro meses após a OpenAI ter atordoado a indústria tecnológica com o ChatGPT, a startup está a lançar a próxima geração da tecnologia que alimenta o chatbot viral. Foto: Adobe Stock

Este artigo não foi escrito pelo ChatGPT. Mas fala muito sobre ele

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“O ChatGPT é apenas o princípio” de uma revolução que vai obrigar o mundo a pensar. Da economia à educação passando pela saúde, quase todas as áreas das nossas vidas vão ser afetadas por esta tecnologia. Há profissões que podem desaparecer, métodos de ensino que têm de mudar e progressos na área da saúde que vão alterar a forma como as pessoas se relacionam com a saúde. Foi esse o ponto de partida que aproximou especialistas de vários sectores para debaterem as potencialidades desta tecnologia, bem como os seus desafios, num conjunto de debates moderados pelo jornalista Pedro Santos Guerreiro e organizados pela Universidade Nova e pela CNN Portugal.  

“O ChatGPT é uma revolução ou de evolução? É uma evolução na continuidade. Estes modelos de linguagem já estão connosco há anos. Está a evoluir rapidamente, muda em anos e não em décadas ou séculos. Do ponto de vista da perceção pública, é uma revolução. O ChatGPT é apenas o princípio”, afirmou Arlindo Oliveira, professor catedrático do Instituto Superior Técnico.

A velocidade a que estes algoritmos estão a evoluir é um dos factos que têm tido maior impacto do ponto de vista da opinião pública e muitas pessoas temem que os algoritmos que suportam estes modelos de linguagem estejam tão mais competentes que acabem por se tornar uma ameaça à segurança de muitos sectores no futuro.

Para Cátia Batista, professora da Nova Nova School of Business & Economics (Nova SBE), essa relação não é clara e a história demonstra-nos isso. “Estas revoluções acontecem há séculos. O fator surpreendente é a velocidade. Em poucos meses, tivemos uma grande evolução. Empregos substituídos por máquinas? A experiência não nos mostra isto”, recorda.

No entanto, a professora de Economia admite que este processo dificilmente irá correr “sem dificuldades”, embora possa vir “a permitir às pessoas conseguir fazer mais e melhores coisas”. Um exemplo dado por Cátia Batista é a utilização da inteligência artificial por parte dos Estados Unidos para alocar profissionalmente os refugiados.

“Esta inferência do passado não é garantia de futuro. Eu não tiraria diretamente a conclusão de que não vamos ver uma forte substituição por sistemas deste tipo. O que não digo é que isso seja necessariamente mau. O passado pode não ser uma boa garantia”, frisa Arlindo Oliveira.

FOMO

Ao contrário dos motores de busca, que nos permitem chegar a milhões de resultados com uma pesquisa, o ChatGPT “afunila” a nossa pesquisa, considera Afonso Eça, diretor executivo de Inovação do BPI. Este modelo de linguagem inteligente dá-nos apenas um resultado à nossa intereção, embora bem mais detalhado. “O motor de busca abre horizontes. Esta tecnologia afunila. Não dá uma múltiplas respostas. Afunila”.

Dessa forma, o especialista acredita que devemos começar a treinar as pessoas para começarem a aprender a trabalhar com o ChatGPT e ferramentas semelhantes. “Abrimos a caixa de pandora e já não é possível voltar para trás, temos de aprender a trabalhar com ele”, insiste.

Para Sofia Terneiro, da Deloite, esse processo desencadeou nas empresas uma espécie de FOMO (Fear of Missing Out), que perceberam “que não podem não experimentar” este mecanismo e estão a tentar compreender quais as melhores formas de capitalizar esta ferramenta.

“O ChatGPT permite às pessoas trazerem mais criatividade, ao invés de perder tempo com tarefas mais repetitivas. Quanto melhor a pergunta ao ChatGPT, melhor o resultado. Isto permite libertar pessoas para pensar de forma criativa sobre como trabalhar com os nossos clientes”, afirma Sofia Tenreiro.

O emprego não é mesmo para a vida

Poucas áreas tiveram um impacto tão forte e imediato como a área da educação. Como na vasta maioria dos casos, os alunos são avaliados de forma escrita - e alunos de todo o mundo começaram a utilizar o ChatGPT para passarem nos seus exames. A Nova SBE tomou a decisão de incorporar esta aplicação na sua avaliação, pouco menos de um mês depois de ter aparecido.

“Nós tomámos uma posição e não podíamos tomar outra posição. Era como tentar parar o vento com as mãos. Há cadeiras que em dezembro que já estavam a incorporar no ChatGPT nos seus processos de avaliação, fazendo com que os nossos alunos fiquem ainda mais preparados”, afirma Pedro Oliveira.

A educação tem de “repensar a maneira de fazer as coisas”. A taxa de adoção do Chat GPT por parte dos alunos na Nova SBE roça os 100%, pelo que o grande desafio está do lado dos professores, que têm de compreender as necessidades das empresas e incorporar esta tecnologia nas suas cadeiras.

“Temos de olhar para este problema de outra forma. A avaliação serve para favorecer a aprendizagem. Quando há acesso à internet não há só acesso ao ChatGPT, há acesso ao Google e ao explicador. Mas no mundo real as pessoas têm acesso a estas ferramentas”, afirma Ana Balcão Reis.

Por isso, o problema nos próximos tempos prende-se em como ajudar os alunos aprender e a melhorar as suas capacidades com este modelo de linguagem. “O desafio do professor é muito maior. A universidade não está preparada, mas estamos a preparar-nos. Os nossos professores não estavam preparados para isto mas acredito que em breve estaremos”, sublinha.

Apocalipse? Não

Tudo isto vem acabar com a “noção de que o emprego é para a vida”. Manuel Lima, Global Head of Design da Interos.Ai, sugere que o ensino deve passar por incutir “pensamento crítico, adaptabilidade, criatividade” nos alunos para que estes possam tirar proveito dos benefícios da tecnologia. “Não vejo o ChatGPT com um olhar apocalíptico. Preparar pessoas para o futuro e não pessoas para empregos.”

Mas a velocidade a que tudo está a mudar pode causar alguma incapacidade para ver as novas oportunidades que podem estar a surgir. As próprias funções que estão a ser formadas para criar inteligência artificial estão a ser elas próprias alteradas por estes próprios mecanismos, explica Nuno Schiappa Cruz, head of Digital Transformation da NOS.

“Vai haver uma disrupção da educação. Esta é a primeira de muitas disrupções que estão no nosso horizonte de dez a 20 anos. As pessoas que estão num negócio têm de compreender suficientemente a tecnologia para perceber que valor é que podem extrair com ela”, destaca.

Na saúde, a Inteligência Artificial já tem várias aplicações e algumas delas já chegaram a Portugal. Paula Brito Silva, administradora executiva da CUF, admite que ainda “não temos a plenitude do potencial” daquilo que a inteligência artificial tem para dar mas a tecnologia já é capaz de avaliar sintomas, dando uma probabilidade de diagnóstico e encaminhando o utente para um enfermeiro ou para um médico.

“É uma espécie de pré-rastreio que funciona com a inteligência artificial. Além disso temos outros projetos-piloto onde estamos a tentar perceber a receptividade das pessoas. Estamos a criar um chatbot para pós-cirurgias, que faz o follow-up”, revelou Paula Brito Silva.

Nódulos nos pulmões

É precisamente na área da relação entre os utentes e os prestadores de saúde que veremos os maiores impactos. As “formas de relacionamento de cidadãos com o sistema de saúde” vão agilizar-se bastante com a incorporação desta tecnologia, acredita o professor catedrático Pedro Pita Barros. Mas não só - existem outros processos que podem estar prestes a ser revolucionados.

“A procura de interações entre moléculas que possam ser novas é muito mais fácil de fazer com recurso à inteligência artificial porque consegue fazer ligações a que nós, no nosso pensamento humano, ainda não tínhamos lá chegado. Encontram cruzamentos improváveis”, explica o professor.

Além disso, os algoritmos de inteligência artificial já têm capacidade de analisar e detetar anomalias com recurso a imagem, conseguindo detetar de forma “muito precoce” alterações que o olho humano ainda não encontra nas imagens. A própria gestão das unidades de saúde vai mudar. "O ChatGPT vai ajudar a gerir o sistema de saúde. Vai pegar em processos que já existem e fazê-los de formas mais rápida”, diz Pedro Pita Barros.

O grande forte da inteligência artificial é a deteção de padrões. Dessa forma, com acesso a bancos de imagens, estes sistemas já conseguem detetar e diferenciar nódulos nos pulmões. “É possível perceber se um nódulo é maligno ou é maior ou menor”, refere Helena Canhão, diretora da Nova Medical School, que acrescenta que esse facto permite a esta tecnologia prestar um “importante apoio à decisão” dos médicos.

“O salto que demos com este tipo de tecnologias é absolutamente brutal. Há um misto de algum entusiasmo com alguma curiosidade para ver como é que isto vai evoluir e como é que vai ser a resposta da sociedade a tudo isto”, refere Liliana Pereira, presidente da Fraunhofer Portugal, que tem já vários projetos de deteção de melanoma, deteção de parasitas da malária nas amostras de sangue e na deteção de padrões que chamem os alertas dos médicos. A empresária aproveitou também para alertar para os perigos de fornecerem versões enviesadas da realidade, com a alimentação de dados incompletos.

“Temos de ver de que forma é que estas tecnologias vão ser utilizadas no futuro. De que forma podemos garantir a diminuição dos vieses que estão dentro dos dados [fornecidos ao algoritmo]. É preciso garantir também que os dados usados para treinar estes modelos são privados”, concluiu.

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