Na Convenção em que se consolidou na liderança cada vez mais única do partido, André Ventura insistiu que não viabilizará "geringonças" à direita e que o foco agora é tornar o partido "estável" para "governar Portugal". Mas para isso terá de se polir (e moderar) - e foi isso o que o Chega terá tentado mostrar ao longo de três dias. Até ao discurso final do presidente, que deixou claro que, afinal, o partido é o mesmo de sempre. "Este é o momento em que os assessores vão começar a dizer para cortar", afirmou Ventura. E ele sabe bem porquê.
Ao contrário de convenções anteriores - e de notar que o Chega já teve mais congressos do que anos de vida - o encontro em Santarém surgiu mais polido do que nunca. Desde a própria organização, até à imagem mais moderna e profissional do púlpito (sem nunca abandonar os estandartes do partido e de Portugal), também as intervenções dos delegados surgiram sem grandes surpresas.
Esta é, aliás, uma questão que ficou à porta do CNEMA de Santarém: é que talvez não se tenha levantado poeira porque os delegados que pudessem contestar e agitar as águas - e provavelmente agir contra a estratégia do partido - não foram eleitos para esta convenção.
Perdeu-se na democracia interna, ganhou-se no controlo do discurso. E à falta das posições mais radicais (e momentos bizarros), houve, sim, um pouco de tentativa de stand-up comedy:
De um primeiro congresso em Évora onde se propôs retirar o útero a mulheres que abortassem, passando pela polémica tentativa de acabar com a eleição de delegados em Viseu em 2021 (marcado pela oposição interna e pelas fortes críticas à comunicação social), Santarém viu serem apresentadas - e aprovadas - 23 moções temáticas que indicavam a necessidade de repovoar o interior, erradicar a pobreza ou apoiar as estruturas locais do partido.
Duas das moções foram aprovadas com apenas uma abstenção e nenhum voto contra: a que coloca as “principais preocupações políticas” dos jovens do partido, para servirem “de base para as propostas a defender e apresentar no futuro”, e a que fala em “unir o partido no combate ao socialismo”.
Nas várias intervenções, ouviram-se declarações contra a “onda de revisionismo histórico” da “esquerda bem pensante”, em defesa das Forças Armadas ou dos professores. Mas foi sobretudo o elogio ao presidente do partido que mais se fez notar. Aliás, um militante até apelidou André do “verdadeiro antivírus” contra os interesses instalados.
Sangue, suor e lágrimas (e amigos da Europa)
Aparentemente mais polido, o Chega continua a ser André Ventura. E André Ventura continua a procurar consolidar o partido. Houve, aliás, mudanças subtis até na forma de se dirigir aos militantes: a trilha sonora apoteótica, por exemplo, (que era uma constante a cada chavão) surgiu cada vez menos. Permaneceu, contudo, o discurso agregador de vitimização coletiva e bandeiras que sabe que vão galvanizar o público - e que não abdica, como o tema da corrupção e as críticas ao governo socialista. Mas há outro alvo: o PSD.
"Eu quero que todos compreendam que a mensagem que sai deste congresso é uma e só uma: nós queremos ser Governo em Portugal, mas não estamos dispostos a 'geringonças' de direita porque elas nunca funcionaram e connosco também não vão funcionar", salientou, defendendo que, após as próximas eleições legislativas, "a direita terá uma escolha: ou há governo com o Chega ou não há governo de todo". Ventura não quer acordos parlamentares, mas pastas serão outra conversa.
Recusando que o partido esteja “mais moderado”, André Ventura considerou que “há um grande amadurecimento político" e "um grande amadurecimento institucional, uma grande participação" no final desta Convenção.
Mas André Ventura viria a mostrar que o Chega, afinal, não se moderou assim tanto. No último discurso, proferiu pela primeira vez na Convenção as bandeiras antigas mais radicais: com expressões como "portugueses de bem", "linhas LGBT mais qualquer coisa" e "subsidiodependentes", em vez de piscar o olho a um eleitorado maior, agradou aos amigos da Europa que estavam presentes.
Na plateia, estava a extrema-direita europeia, representada em força por vários dirigentes - que interviram com discursos acesos - entre os quais Jordan Bardella, que sucedeu a Marine Le Pen como líder do partido francês Rassemblement National. Também falou Tino Chrupalla, do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Geert Wilders, do Partido da Liberdade (PVV), dos Países Baixos, Tom Van Grieken, do Vlaams Belang (VB), da região belga da Flandres, e Boris Kollar, do movimento eslovaco Sme Rodina (Somos Família). Também Rocio Monasterio, líder do Vox em Madrid, Espanha, Kinga Gál, vice-presidente do Fidesz, partido no poder na Hungria, e Cláudiu Tarziu, da Aliança para a União dos Romenos (AUR) marcaram presença.