“Estes são os tipos que têm o dedo no gatilho nuclear”. China substitui elite nuclear numa mudança militar de surpresa - TVI

“Estes são os tipos que têm o dedo no gatilho nuclear”. China substitui elite nuclear numa mudança militar de surpresa

  • CNN
  • Brad Lendon, Simone McCarthy e Wayne Chang
  • 2 ago, 18:00
Xi Jinping com os novos líderes da Força de Mísseis Wang Houbin à esquerda e Xu Xisheng à direita, após a sua promoção ao posto de general em Pequim, a 31 de julho de 2023. Li Gang Xinhua via AP

A China anunciou esta semana dois novos líderes da Força de Mísseis do Exército de Libertação Popular (ELP), numa mudança surpresa que levantou questões sobre o funcionamento interno no topo do ramo militar que supervisiona o poderoso arsenal de mísseis nucleares e balísticos do país.

Esta segunda-feira, os meios de comunicação social estatais identificaram Wang Houbin como comandante da Força de Mísseis e Xu Xisheng como comissário político da força, numa notícia que destacava a promoção de ambos ao posto de general pelo líder chinês, Xi Jinping.

Os meios de comunicação social estatais ainda não divulgaram qualquer informação sobre o anterior chefe, Li Yuchao - um veterano da força que desempenhava as funções de comandante apenas desde o início do ano passado, um mandato relativamente curto -, nem sobre o anterior comissário, Xu Zhongbo.

A substituição de duas figuras de topo da Força de Mísseis de uma só vez por militares de fora do ramo - Wang vem da marinha e Xu Xisheng da força aérea - é uma medida invulgar, dizem os especialistas. E surge uma semana depois de o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Qin Gang, ter sido súbita e dramaticamente afastado do seu cargo sem qualquer explicação.

A remodelação da Força de Mísseis segue-se a várias semanas de rumores de uma mudança de liderança, já que Li não tem sido visto em público, rumores esses agora ainda mais alimentados pela falta de confirmação da sua atual posição no opaco sistema político chinês.

A última vez que Li e Xu Zhongbo foram mencionados como líderes da Força de Mísseis foi numa declaração de 6 de abril do governo local da cidade de Suzhou, onde participavam numa cerimónia de comemoração de colocação de coroas de flores, de acordo com uma pesquisa da CNN.

Embora ainda não esteja claro o que desencadeou as mudanças, ou se Li ou Xu foram transferidos para posições diferentes, os especialistas dizem que a mudança sugere potenciais preocupações de Xi quanto à liderança da força.

Elas também surgem numa altura de grande importância para o ramo, que gere os programas de mísseis da China, desde as suas armas nucleares até aos mísseis de menor alcance utilizados na sua recente intimidação do governo autónomo de Taiwan, que o Partido Comunista da China, no poder, reivindica como seu e não excluiu a possibilidade de tomar pela força.

“O abalo é bastante significativo”, disse Yun Sun, diretor do programa para a China do Stimson Center, um grupo de reflexão sediado em Washington, acrescentando que isso é especialmente verdade se se verificar que isto faz parte de um inquérito mais vasto sobre a força.

“Especialmente numa altura em que a China está a tentar construir o seu arsenal nuclear para dissuadir uma potencial intervenção dos EUA numa contingência em Taiwan, a remodelação do pessoal e as causas subjacentes (levantariam) o ceticismo sobre a capacidade da força para levar a cabo essa missão de forma fiável e bem-sucedida”, disse.

Controlo apertado

Xi, o líder da China mais assertivo numa geração, supervisionou uma extensa expansão das forças armadas e consolidou o seu controlo sobre as suas fileiras desde que chegou ao poder, em 2012.

Esta ação incluiu uma extensa repressão da corrupção, com investigações a atuais e antigos líderes militares de topo, incluindo no seio da Comissão Militar Central do Partido Comunista, embora nos últimos anos tenham sido anunciadas menos medidas de grande visibilidade.

Na terça-feira, dia do 96º aniversário do Exército de Libertação Popular (ELP), o jornal militar oficial publicou um comentário apelando aos militares para serem leais, apoiarem, salvaguardarem e defenderem Xi como o “núcleo” do Partido Comunista.

“Devemos reforçar a governação militar (...) persistir nos esforços para retificar a conduta, incutir a disciplina e combater a corrupção”, diz o comentário.

As mudanças na liderança militar também ocorrem no meio de um abalo na liderança diplomática da China, depois de Qin, que foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros no final do ano passado, ter sido subitamente demitido após um mês de ausência pública e substituído pelo seu antecessor, Wang Yi.

Pequim não deu qualquer justificação para a mudança, tornando o caso mais um exemplo da falta de transparência do sistema político chinês.

O analista Carl Schuster, do Havai, antigo diretor de operações do Centro de Informações Conjuntas do Comando do Pacífico dos Estados Unidos, disse que a mudança no topo da Força de Mísseis faz provavelmente parte da tentativa de Xi de garantir que os que ocupam as posições mais poderosas do ELP lhe são absolutamente leais.

“Xi parece estar a colocar a lealdade a ele acima da experiência e dos conhecimentos técnicos e operacionais”, disse Schuster.

Os recém-nomeados chefes da Força de Mísseis ocuparam anteriormente cargos de adjuntos noutros setores das forças armadas.

Wang foi vice-comandante da Marinha do ELP, enquanto Xu foi vice-comissário político do Comando do Teatro do Sul, um dos cinco comandos de teatro do ELP. O comissário representa o Partido Comunista e supervisiona o seu controlo dentro do ELP.

Neil Thomas, um dos responsáveis pela política chinesa no Centro de Análise da China do Asia Society Policy Institute, disse que as mudanças não estão de acordo com as mudanças típicas de pessoal.

“É invulgar que Pequim nomeie pessoas de fora para liderar a Força de Mísseis, é invulgar substituir simultaneamente o comandante e o comissário político de qualquer força e é invulgar a forma como os anteriores líderes desapareceram durante os (últimos) meses”, afirmou.

Roderick Lee, diretor de investigação do Instituto de Estudos Aeroespaciais da Universidade Aérea da USAF na China, nos EUA, afirmou que “a parte mais invulgar do anúncio em si foi provavelmente a seleção de um antigo oficial da Marinha do PLA para comandante da Força de Mísseis. Isto é extremamente estranho, mas não totalmente inédito”.

A CNN contactou o Ministério da Defesa da China pedindo comentário sobre as mudanças de liderança.

Novos silos de mísseis

A mudança de liderança ocorre num momento em que as evidências apontam para uma força nuclear chinesa em expansão – o que atribui um papel ainda mais importante à Força de Mísseis, que até 2016 era conhecida como a Segunda Força de Artilharia do PLA.

Nos últimos anos, fotografias de satélite mostraram a construção do que parecem ser centenas de silos para mísseis balísticos intercontinentais nos desertos chineses, e o Departamento de Defesa dos EUA prevê um crescimento exponencial do número de ogivas nucleares no arsenal de Pequim na próxima década.

A China poderá ter cerca de 1500 ogivas nucleares em 2035 se continuar a aumentar o seu arsenal ao ritmo atual, de acordo com um relatório do Departamento de Defesa dos EUA de 2022 sobre o desenvolvimento militar da China.

Isto criou preocupação entre alguns analistas sobre a falta de transparência em torno das últimas mudanças de liderança, especialmente dada a necessidade de comunicação internacional em torno do armamento nuclear - e no contexto da atual falta de comunicação militar de alto nível entre a China e os Estados Unidos.

“Estes são os tipos que têm o dedo no gatilho nuclear. São responsáveis pelo manuseamento e entrega das armas nucleares da China”, disse Drew Thompson, investigador sénior da Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew da Universidade Nacional de Singapura.

“Este tipo de rotatividade de pessoal, sem transparência e sem comunicação, reduz a confiança, aumenta o risco de perceções erróneas e sublinha a necessidade de os EUA e a China manterem (...) diálogos autorizados sobre a dinâmica nuclear estratégica”, afirmou Thompson.

 

Foto de topo: O líder chinês, Xi Jinping, ao centro, com os novos líderes da Força de Mísseis Wang Houbin, atrás à esquerda, e Xu Xisheng, atrás à direita, após a sua promoção ao posto de general em Pequim, a 31 de julho de 2023. Li Gang/Xinhua/AP

 

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