O problema da droga na Colômbia está pior do que nunca. A solução é radical - TVI

O problema da droga na Colômbia está pior do que nunca. A solução é radical

  • CNN
  • Stefano Pozzebon
  • 26 nov 2022, 09:00
Plantações de coca no município de Tibu, departamento de Norte de Santander, Colômbia, em 29 de outubro de 2022 (Schneyder Mendoza/AFP/Getty Images)

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Quando assumiu o cargo em agosto, Gustavo Petro, o primeiro presidente progressista da Colômbia, traçou uma agenda ambiciosa.

O seu governo alcançaria finalmente uma paz estável com as múltiplas organizações rebeldes da Colômbia; lutaria contra a desigualdade taxando os 1% mais favorecidos e tirando milhões da pobreza; e abandonaria uma abordagem punitiva ao controlo das drogas que já custou milhões de vidas em todo o mundo com poucos resultados.

Três meses depois, há razões para otimismo: a Colômbia e o maior grupo rebelde ainda ativo no seu território, o Exército de Libertação Nacional ELN, assinaram um compromisso de reiniciar as negociações de paz após um hiato de quatro anos; e o Congresso aprovou um plano fiscal que visa arrecadar quase 4 mil milhões de dólares em novos impostos no próximo ano.

Mas as drogas continuam a ser o maior desafio para Petro.

Mais cocaína do que nunca

A produção de drogas na Colômbia cresceu durante a pandemia.

A área total dedicada à plantação de folhas de coca – o principal ingrediente da cocaína – cresceu 43% em 2021, de acordo com um novo estudo anual do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Ao mesmo tempo, a quantidade potencial de coca produzida por hectare cresceu mais 14%, segundo a ONU, deixando os especialistas com a convicção de que a Colômbia está a produzir mais cocaína do que nunca na sua história.

Em muitas zonas rurais do país, a produção de drogas ilícitas tornou-se a única atividade económica durante os confinamentos da pandemia, explica a ONU, à medida que os mercados e as rotas agrícolas se foram fechando e os agricultores passaram de culturas alimentares para a coca.

De acordo com Elizabeth Dickenson, analista sénior do International Crisis Group, o aumento na plantação tornou-se tão evidente que até mesmo o viajante informal pode constatá-lo.

“Há alguns anos, era preciso conduzir durante horas para se ver plantações de coca. Agora são muito mais comuns, encontram-se a menos de um quilómetro da autoestrada principal”, disse à CNN após uma recente viagem de estudo a Cauca, parte da região sudoeste colombiana que viu um aumento de +76% na área plantada.

O presidente colombiano Gustavo Petro fala durante uma conferência de imprensa sobre os primeiros 100 dias do seu governo em funções, em Bogotá, no dia 15 de novembro. (Colombian Presidency/Handout/Anadolu Agency via Getty Images)

Na reserva indígena de Tacueyo, em Cauca, o aumento na plantação de coca e canábis tem causado uma profunda preocupação nos líderes da comunidade, de acordo com Nora Taquinas, uma defensora ambiental indígena que tem recebido múltiplas ameaças de morte de organizações criminosas.

Existem dois sinais que mostram um tráfico de droga mais sustentado do que nos últimos anos, diz Taquinas: pontos de controlo informais na estrada que leva a Tacueyo e uma tendência preocupante de abandono escolar à medida que as crianças locais são pressionadas a trabalharem para organizações criminosas em tarefas simples em torno da produção de narcóticos.

“Os cartéis pagam cerca de 15 mil pesos colombianos (cerca de três euros) para limpar uma libra (menos de meio quilo) de brotos de canábis. Uma criança consegue fazer até seis libras por dia, e nesta região já é dinheiro a sério. É difícil impedi-lo.”

O único aspeto positivo, segundo Taquinas, é que o aumento da produção e do comércio de drogas na sua comunidade não tem levado a níveis mais elevados de violência. “Estamos vigilantes. Mas em breve, os cartéis irão começar a competir pelas plantações aqui, e a competição entre eles é até à morte. Neste momento, sente-se a calma antes da tempestade.”

A proliferação de grupos armados nos últimos anos é uma das maiores falhas no processo de paz colombiano, que em 2016 pôs fim a mais de meio século de guerra civil.

Antes do acordo, a maioria dos grupos guerrilheiros eram disciplinados como um exército normal e isso ajudou nas negociações de guerra entre as autoridades públicas e os grupos rebeldes. Agora, os agentes armados que não abandonaram a luta armada fragmentaram-se em cerca de sessenta grupos diferentes, muitas vezes em competição contra si mesmos, de acordo com as Nações Unidas.

Mesmo que a recém-anunciada negociação de paz com o ELN venha a ser bem-sucedida, o governo terá de lidar com pelo menos outros 59 grupos envolvidos no tráfico de droga.

Competir com a cocaína

Convencer os agricultores a parar de cultivar coca tem sido um dos maiores problemas da Colômbia nos últimos cinquenta anos.

A solução tradicional tem passado por punir os agricultores destruindo as suas culturas através de medidas cada vez mais sofisticadas e vigorosas: fumigações aéreas, campanhas de erradicação forçadas, monitorização aérea e o envio de tropas para as regiões produtoras de coca.

Mas estas medidas custam milhões de dólares, financiadas principalmente através de ajuda militar dos Estados Unidos à Colômbia, e tem custado a vida de milhares de agricultores e soldados colombianos em confrontos e violência relacionada com as drogas. Até este ano, poucos ousavam questioná-las a partir de uma posição de poder.

Embora Petro não tenha responsabilidade pelos mais recentes aumentos na produção – o relatório detalha as tendências de narcóticos até dezembro de 2021, antes das eleições deste ano –, a sua mensagem de abandono da guerra às drogas faz eco nas conclusões por parte das Nações Unidas de que os milhares de milhões de dólares investidos para impedir que os agricultores colombianos cultivem coca poderiam ser mais bem utilizados.

“A primeira coisa a observar no relatório é o fracasso total da guerra contra a droga”, diz o Ministro da Justiça da Colômbia, Nestor Osuna, e uma das pessoas encarregadas de encontrar uma nova solução para o problema das drogas.

O plano do governo, disse Osuna à CNN, está centrado em três momentos-chave.

No imediato, o governo de Petro pretende limitar imediatamente a propagação da violência relacionada com as drogas, mesmo que isso signifique permitir novos aumentos na área das plantações de coca nos próximos anos.

A fim de evitar o confronto com as comunidades produtoras de coca e reduzir as ações de retaliação dos cartéis, a campanha de erradicação da coca na Colômbia será reduzida, sem ser completamente suspensa, e o ministério da Justiça irá iniciar uma série de “consultas voluntárias” para convencer as comunidades a substituir as culturas ilícitas por culturas legais, em troca de incentivos financeiros.

Consequentemente, a substituição de culturas acabará por ocorrer em grande escala, expandindo a fronteira agrícola da Colômbia, diz Osuna.

“Se oferecermos uma alternativa sustentável aos agricultores que plantam coca, eles vão aceitá-la. É verdade que, de momento, não há nenhum produto agrícola que possa competir com os lucros produzidos pela coca, mas também é verdade que a coca continua a ser ilegal, e acreditamos que os agricultores indicaram-nos que preferem trabalhar dentro da lei, mesmo com margens mais pequenas, do que na ilegalidade”, disse o Ministro da Justiça.

O plano passa por deslocalizar milhares de agricultores que estão atualmente a plantar coca para áreas agrícolas não utilizadas, começando do zero com culturas legais. No mês passado, o governo colombiano acordou a compra de até três milhões de hectares à associação de agricultores do país para aumentar os terrenos agrícolas.

A Colômbia já tentou a substituição de culturas no passado, mas não conseguiu suplantar o apelo da coca. O arbusto de coca pode produzir uma colheita até seis vezes por ano e requer cuidados mínimos, dado que é uma planta invasora que cresce mesmo em condições desfavoráveis.

Os compradores de coca, os cartéis de drogas, estão dispostos a pagar antecipadamente por uma colheita, muitas vezes em dinheiro, disponibilizando também o transporte, recolhendo a droga diretamente nas plantações – um incentivo significativo para os agricultores que vivem a horas de distância em estrada não pavimentadas das principais cidades de comércio. É por isso que o governo Petro quer deslocalizar toda a mão-de-obra da cocaína.

Membros da polícia antinarcóticos da Colômbia apreenderam uma carga de melaço misturada com cocaína em Cartagena, Colômbia, que iria ser enviada para Valência, Espanha, em 4 de fevereiro de 2022 (Sebastian Barros/Long Visual Press/Universal Images Group/Getty Images)

As áreas atualmente dedicadas à coca, depois de abandonadas, passariam por um processo de reflorestação, disse Osuna, graças a um novo fundo de investimento público no valor de 120 milhões de dólares que pagará aos agricultores para protegerem a floresta tropical ao longo dos próximos 20 anos. Cada família irá receber até 600 dólares por mês para lançar projetos de reflorestação em áreas afetadas pela plantação de coca, para além da exploração pecuária e madeireira ilegais.

Em última análise, o objetivo final de Petro é descriminalizar a cocaína. Mas Osuna está convencido de que o governo não irá tomar esta iniciativa de forma unilateral – o estatuto criminal da cocaína está codificado a nível global numa série de tratados internacionais.

Petro tem feito questão de revelar os fracassos da guerra contra a droga em todos os fóruns internacionais em que tem participado, desde a visita oficial do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro.

É uma estratégia que Osuna rotulou como uma “ofensiva irritante”, com a esperança de que o mundo um dia leve a cabo um debate informado sobre se os narcóticos devem continuar a ser considerados substâncias proibidas.

“Temos de reconhecer que o consumo de cocaína ocorre em todo o mundo, é evidente. Para muitas pessoas, este consumo é prejudicial, e é por isso que seria bom que os países pusessem em prática políticas públicas de saúde para lidar com este problema”, disse Osuna.

(Por sua vez, Osuna observou que a sua única experiência com drogas foi um cigarro de marijuana que fumou em Amsterdão quando estava na casa dos vinte anos e que o deixou doente durante dois dias.)

Pode ser conseguido?

Embora muitos líderes mundiais tenham insistido numa reavaliação global acerca da questão das drogas, esta é a primeira vez que um presidente em exercício da Colômbia – o maior produtor mundial de cocaína – apela abertamente a renunciar à guerra contra a droga.

De acordo com um estudo de 2019 da Universidade de Oxford, o tráfico de droga representa quase 2% do PIB da Colômbia. Ninguém pode prever como seria uma Colômbia livre do tráfico de droga, e Osuna está bem ciente de como é difícil a tarefa pela frente: “A guerra contra a droga tem falhado nos últimos cinquenta anos, não vamos conseguir resolvê-la em cinquenta dias”, disse à CNN.

Os críticos do governo, como o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, que presidiu a maior redução de plantações na história do país por intermédio de uma controversa campanha militar no início do século, acreditam que a legalização da cocaína só tornaria os cartéis mais ricos, e não mais pobres.

Mas os recentes desenvolvimentos na legislação relacionada com a canábis em todo o mundo, com países como Alemanha e Uruguai, assim como mais de quinze estados dos EUA, a aprovarem leis que permitem o uso recreativo, prova que é possível virar a maré, diz Osuna.

A Colômbia também está a discutir a legalização da canábis, um movimento que seria impensável há apenas três anos, e que, se for aprovado, tem potencial para legalizar o trabalho de dezenas de famílias em Tacueyo.

Já está em funcionamento um projeto-piloto para a produção de tecidos feitos de cânhamo, embora a procura por esta fibra seja muito pequena em comparação com a procura por marijuana por parte dos cartéis, diz Taquinas. “O que precisamos é de mais pontos de venda legais, não menos.”

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