"Sinto que vou ser esmagado..." Os relatos desesperados das 11 chamadas de emergência que antecederam a debandada em Seul - TVI

"Sinto que vou ser esmagado..." Os relatos desesperados das 11 chamadas de emergência que antecederam a debandada em Seul

Fizeram-se avisos desesperados, ouviram-se gritos de pânico e as descrições pintaram um cenário de verdadeiro horror. Das 11 chamadas, a polícia só mobilizou equipas para quatro locais. O primeiro pedido de socorro aconteceu quase quatro horas antes do desastre fatal

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Foram revelados novos detalhes sobre as chamadas de emergência que antecederam a debandada em Seul, na Coreia do Sul, durante os festejos de Halloween. Uma tragédia que resultou em 156 mortos e 33 feridos graves

O chefe da polícia da Coreia do Sul admitiu, na terça-feira, que a força de segurança recebeu múltiplos avisos antes da mortífera debandada, mas que reagiu inadequadamente. A polícia sabia que "uma grande multidão se tinha reunido mesmo antes da ocorrência do acidente, sinalizando um perigo urgente", reconheceu Yoon Hee-keun.

No total, foram realizadas 11 chamadas para a linha de emergência 112 a apelar que a multidão fosse controlada. Fizeram-se avisos desesperados, ouviram-se gritos de pânico e as descrições pintaram um cenário de verdadeiro horror. Por tudo isto, foram feitos inúmeros pedidos de responsabilização e a polícia lançou de imediato uma investigação interna. 

Na quarta-feira, a Agência da Polícia Metropolitana de Seul foi alvo de buscas, bem como esquadras, bombeiros e os locais onde são recebidas as chamadas de emergência. O objetivo era perceber se os agentes que atenderam aquelas chamadas tinham cumprido devidamente as suas funções e se tinham tomado as medidas adequadas. 

O aparato depois da debandada ter ocorrido (AP Photo)

18:34 - primeira chamada

De acordo com a BBC, a primeira chamada ocorreu várias horas antes da tragédia: 18:34 (horas locais, mais nove em Lisboa). Uma lojista de Itaewon, indentificada como senhora Park, disse que estavam a sair pessoas da estação de metro e a subir por uma rua estreita do Hotel Hamilton e do centro comercial Mall. Estas pessoas estavam a misturar-se com aquelas que estavam a sair daquela zona e com aquelas que faziam fila para entrar nos bares. 

"Ninguém está a controlar isto. A Polícia devia estar a controlar. Nós temos de deixar as pessoas saírem primeiro e depois deixar as outras pessoas entrar. Mas continuam a entrar cada vez mais pessoas sem que ninguém saia", relatou. 

Numa entrevista à rádio local CBS, Park contou que fez a chamada para o 112 depois de ter ido dar uma volta com a filha e o marido e os ter perdido no meio da multidão. Quando se conseguiram reencontrar, foram rapidamente para casa. 

"A polícia poderia ter tido um controlo mais forte, bloqueando estradas ou controlando o metro, se tivessem sabido que viriam mais pessoas. Mas não havia polícia [no local] que pudesse tomar qualquer decisão ou agir."

Por norma, a polícia sul-coreana envia uma mensagem de texto ao número que realizou a chamada de emergência a informar as medidas que foram tomadas. Mas Park disse não ter recebido nada. A agência de notícias Yonhap, a principal da Coreia do Sul, disse que foram mobilizadas equipas policiais para o local, contudo, não se sabe quantos agentes eram, nem o que fizeram. 

A rua estreita por onde estavam a tentar sair dezenas de pessoas em várias direções (GettyImages)

20:09 - mais três chamadas 

As chamadas seguintes ocorreram pouco mais de duas horas depois: 20:09. Pelas descrições feitas por três testemunhas, ficou claro que a situação se tinha agravado bastante. Já havia relatos de pessoas a tropeçar e a cair depois de serem empurradas. Também se viam pessoas feridas. 

"As pessoas estão a cair e as coisas estão ficar descontroladas, porque a estrada daqui está bloqueada nos três cruzamentos", disse uma das testemunhas.

20:53 - a quarta chamada 

Perto das 21:00, as autoridades receberam mais uma chamada a descrever uma situação aflitiva e angustiante junto à discoteca Bronze. "Sinto que vou ser esmagado... muitas pessoas estão a ser esmagadas... está caótico. Por favor, ajudem-nos".

O oficial de polícia garantiu, durante esta chamada, que ia enviar equipas para o local. Mas os registos mostram que tal não aconteceu. Na verdade, e de acordo com a BBC, dos 11 telefonemas a pedir ajuda em vários locais, a polícia só tomou medidas em quatro deles.  

Debandada em Seul, Coreia do Sul (AP Photo)

21:07 - a hora a que a polícia parou de mobilizar equipas 

A partir das 21:07, hora que antecedeu a debandada, a polícia não mobilizou mais equipas. Nesta noite, em Itaewon, estiveram 137 agentes que foram incapazes de domar uma multidão de milhares de pessoas. Parte disse deve-se ao facto de estarem claramente em inferioridade numérica. 

Nas redes sociais, chegou a circular um vídeo de um polícia sozinho a gritar desesperadamente e a tentar afastar as pessoas. Nas palavras do chefe da polícia da Coreia do Sul, tratou-se de uma resposta "inadequada", um tratamento de informação "insuficiente" e que resultou na morte de mais de 150 pessoasespezinhadas e asfixiadas. 

21:10 - chamadas começaram a ficar mais curtas

Todo este caos já levava três horas. Os telefonemas continuaram. Cada vez mais curtos, desesperantes e urgentes. "Acho que em breve haverá um verdadeiro acidente. Isto está uma loucura", disse uma sexta testemunha.  

Às 21:10 registava-se o oitavo telefonema, em frente ao restaurante Manam-e Kwangjang, a cerca de 100 metros do Hotel Hamilton, onde se tinha registado a primeira chamada, da senhora Park. Foi feita uma descrição de tamanho da multidão. Depois disto houve uma pausa de 40 minutos.

Ao final desse tempo, surgiu uma outra chamada muito acelerada e com muita informação. De seguida, uma décima testemunha em pânico que só conseguiu balbuciar algumas palavras. 

"Sim... no entanto, aqui... oh meu deus, para descer a rua estreita... tenho medo, as pessoas estão a empurrar-se e eu acho que vou ser esmagado, por favor, controlem isto... sim." 

Debandada em Seul, Coreia do Sul (GettyImages)

22:11 - a última das 11 chamadas 

A última chamada foi uma das mais curtas. Quem telefonou foi direto ao assunto: "Tenho a sensação que as pessoas podem vir a ser esmagadas aqui". Do outro lado, o agente perguntou repetidamente: "Onde é que estão exatamante? Qual é a vossa localização exata?". Mas não obteve uma resposta clara.

Agente: "Eu vou detetar a tua localização. Sim. Estás perto da estação de Yongsan, da estação Itaewon?" 

Testemunha: (ouvem-se vários gritos) "A estrada atrás de Itaewon"

Agente: "Ok. A polícia vai para aí"

A chamada foi desligada de forma abrupta. Quatro minutos depois, começou o arrastamento mortal. A causa ainda está sob investigação.

Sapatos recuperados pela polícia no local onde ocorreu a debandada. Foram exibidos num ginásio para que os familiares das vítimas conseguissem fazer o seu reconhecimento, mas também para os levarem (GettyImages)

 

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