Se quiser, o Governo pode avançar para os tribunais com um pedido de indemnização aos laboratórios clínicos condenados pela Autoridade da Concorrência por causa de um cartel nas análises clínicas, durante seis anos, nomeadamente nos testes à covid-19 no período mais crítico da pandemia.
Em causa, segundo a condenação conhecida na semana passada, a fixação de preços em violação das leis da concorrência.
Na prática, os principais laboratórios do país juntaram-se, segundo a condenação, para fixar preços e ter mais poder negocial contra os clientes privados e em especial o Estado, incluindo nos testes covid, levando o governo da época da pandemia a subir os preços que pretendia e deveria pagar.
"É o próprio Estado que já disse que esta infracção aconteceu"
Miguel Sousa Ferro, especialista em Direito da Concorrência, admite que “é particularmente chocante que num período de pandemia um sector inteiro se organizasse para fazer subir os preços a cobrar por testes essenciais para a saúde pública”.
Abel Mateus, antigo presidente da Autoridade da Concorrência, tem a mesma opinião e ambos defendem que o Estado, através do governo, tem de avançar com um pedido junto dos tribunais para ter direito a uma indemnização pelo muito que pagou em excesso por causa do alegado cartel.
“Se a multa é de 48 milhões de euros será de esperar que os danos tenham sido superiores a 200 milhões, pelo menos, o que significa que o Estado foi lesado na ordem dos 100 milhões de euros ou mais”, explica Miguel Sousa Ferro, que recorda que “é o próprio Estado, através da Autoridade da Concorrência, que já disse que esta infracção aconteceu”.
Abel Mateus sublinha que estamos a falar de “um custo adicional para o Serviço Nacional de Saúde que podia ser empregue para melhorar os meios da saúde pública”.
Governo não responde
Contactado, o Ministério da Saúde recusa fazer qualquer comentário, nem esclarecer se o governo pretende ou não pedir uma indemnização pelo alegado cartel.
A investigação ao cartel das análises clínicas nasceu da denúncia de um laboratório envolvido que entregou provas e duas empresas já aceitaram pagar as multas a que foram condenadas, mas a maioria vai recorrer para os tribunais.
A Associação Nacional de Laboratórios manifestou-se indignada com a decisão da Autoridade da Concorrência que também envolve esta associação no referido cartel.
Apesar dos recursos fazerem prever que o caso demore a transitar em julgado até ter uma decisão definitiva, Abel Mateus e Miguel Sousa Ferro defendem que o governo deve atuar desde já para adiantar trabalho, avançando com a queixa em tribunal, até para se “perceber os danos causados ao Estado - enquanto existem dados disponíveis”.
