O avanço da Autorização de Residência CPLP e o avanço da xenofobia - TVI

O avanço da Autorização de Residência CPLP e o avanço da xenofobia

    Amanda Lima
    Comentadora CNN
  • 22 mar 2023, 19:50

É importante que Portugal encare, com seriedade e habilidade, problemas estruturais que afligem toda a população, para o sucesso da política migratória e evitar mais ruídos xenófobos

A criação da Autorização de Residência (AR) da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) em Portugal representa um enorme avanço em vários sentidos. É a concretização de um sonho político antigo, de unir ainda mais os países que já são interligados por laços históricos, culturais, diplomáticos, linguísticos e humanos. 

Fora do ponto de vista simbólico, se for executada corretamente, é uma boa solução para uma política migratória mais controlada e que atende às necessidades do país - e também dos imigrantes. Há mais de uma década que Portugal tem sido a terra escolhida por milhares de brasileiros e outros estrangeiros para viver, trabalhar e concretizar sonhos, principalmente pelo idioma comum.

Não é uma novidade que os imigrantes representam uma importante força de trabalho e econômica ao país. Somente em 2022, a contribuição para a Segurança Social bateu recorde de 1.500 milhões de euros, um aumento de 19% em relação ao ano anterior. O montante ajuda a pagar benefícios sociais, pensões e aposentadorias, como qualquer governo civilizado oferece aos seus cidadãos. 

Outra contribuição importante, que não pode ser mensurada em dinheiro, é a continuidade da vida humana, com o aumento das taxas de natalidade. Em 2021, nasceram pelo menos 10 mil bebês filhos de imigrantes, o que representa 14% dos nascimentos. Assim como outras nações europeias, Portugal precisa aumentar o número de bebês para evitar se tornar um país envelhecido.

Esses dois fatores, comprovados com números, já mostram a importância dos estrangeiros ao país. São seres humanos exercendo seu direito de migrar, de ir em busca de experiências e sonhos longe de onde nasceram. Todos nós temos o direito de escolher a terra que queremos que seja a nossa, uma atitude que requer, acima de tudo, muita coragem, um elemento que certamente falta nas pequenas mentes xenófobas. 

Um guia da CNN Portugal sobre como solicitar a residência CPLP

Por outro lado, assim como ocorreu e ocorre em outros países, o fortalecimento das políticas migratórias em Portugal é um prato cheio para aumentar ainda mais a xenofobia e o racismo. Estes também são frutos de políticas antigas como a escravaturas e manutenção de colônias no passado. 

Basta ver nas postagens das notícias sobre o tema a enorme quantidade de comentários depreciativos e criminosos, diga-se de passagem. Os preconceitos são os mesmos de sempre: que os imigrantes vão "roubar" empregos dos portugueses, que a criminalidade vai aumentar e que até mesmo os maridos serão “roubados” (hipótese que só faria sentido se colocar uma arma carregada na cabeça da pessoa). 

Essa é uma realidade assustadora, porque realmente uma parte da sociedade portuguesa acredita em tais inverdades e estereótipos que há muito deveriam ter sido ultrapassados. Curiosamente, é parte da mesma sociedade que cresceu assistindo as novelas brasileiras, ouvindo música brasileira, lendo livros de autores brasileiros e saboreando as iguarias culinárias do nosso povo. Mostra que a força da cultura ainda não é maior do que a força do preconceito e das fake news que circulam amplamente, capitaneadas, especialmente, pela extrema-direita. 

A esperança está na geração que está crescendo agora em um país que tende a ser cosmopolita, uma mistura de sotaques, cores e culturas. Infelizmente, a esperança que descrevo quase se torna utópica em alguns cenários que se desenham. André Ventura, amigo de Bolsonaro e principal líder da extrema-direita em Portugal, orgulha-se de dizer que “uns são bem-vindos, outros não”, fomentando um discurso xenófobo que agrada parte da população. Uma estratégia que já vem sendo usada para alcançar o sonho de um dia ser governo. 

Associar imigração com criminalidade demonstra não só preconceito e falta de humanidade, mas também ignorância sobre o próprio país, uma vez que não cita os controles de segurança existentes, mesmo no caso das Autorizações de Residência CPLP. A criminalidade é praticada por seres humanos, sejam portugueses, brasileiros ou de qualquer nacionalidade. 

Ao mesmo tempo, é importante que Portugal encare, com seriedade e habilidade, problemas estruturais que afligem toda a população, para o sucesso da política migratória e evitar mais ruídos xenófobos. É de uma responsabilidade enorme dizer ao mundo que o país está preparado para acolher os estrangeiros, quando faltam médicos de família, vagas em creches e habitação digna aos próprios portugueses e imigrantes que aqui já vivem. Para cidadãos recém-chegados, tais problemas se tornam ainda maiores diante da fragilidade econômica e mesmo social que a mudança de país impõe muitas vezes.

Quando a Autorização de Residência CPLP foi lançada, no dia 10 de março, questionei o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, se Portugal estava preparado nesse sentido. A resposta, obtida com alguma insistência da minha parte, foi que “Portugal está preparado para garantir direitos, liberdades  e garantias” aos imigrantes, assim como para os portugueses. 

Sabemos quem torce para dar errado e a lista de motivos para torcer que corra mal. Mas também sabemos quem torce vivamente para que tudo corra bem e que juntos, portugueses, brasileiros, angolanos, ucranianos e todos os demais cidadãos, tornemos Portugal mais próspero, alegre, contemporâneo e humano.

* Amanda Lima escreve a sua opinião em Português do Brasil

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