Banco de Portugal prepara-se para dar uma folga num dos critérios que os bancos têm de aplicar na hora de conceder crédito. Mas o que é esta taxa de stress? Para que serve e porque é agora revista?
O que é esta taxa de stress?
Quando concede um empréstimo para aquisição de casa, o banco avalia a capacidade do cliente de reembolsar o crédito em função dos seus rendimentos e da prestação que vai ficar a pagar mensalmente – no caso de um contrato com taxa variável.
Desde 2018 que está estabelecido um limite de taxa de esforço de 50%. O que significa que determinada família não pode ter encargos com o empréstimo da casa que representem mais de metade do seu rendimento: se tem os rendimentos mensais de 1.000 euros, a prestação não pode ultrapassar os 500 euros.
Esta taxa de esforço – tecnicamente conhecida como Debt Service-to-Income (DSTI) – tem por base a taxa de juro do empréstimo a que se soma uma taxa de stress de 300 pontos base (3%). Isto é, a família tem de mostrar capacidade para pagar o empréstimo mesmo num cenário em que se verifica um choque de 3% nos juros.
Nestas circunstâncias, se a taxa de esforço superar os 50%, o banco pode recusar o crédito à família — no ano passado, quase 10% dos novos contratos tiveram um DSTI acima dos 50%.
O que vai mudar agora?
Introduzida há cinco anos, esta medida macroprudencial vai agora ser revista pelo Banco de Portugal. Pelo menos foi o que indicou a vice-governadora, Clara Raposo, em entrevista ao Jornal de Negócios – confirmando, de resto, uma ideia que já tinha sido lançada no início do ano.
“Faz sentido. (…) Estamos a olhar no sentido de vermos se baixa, eventualmente, um pouco o choque extra”, referiu a responsável.
O que está em cima da mesa? Na prática, uma revisão em baixa da taxa de stress de 300 pontos base. Os clientes terão de continuar a cumprir o rácio DSTI abaixo dos 50%, mas será mais fácil cumprir este requisito com um cenário de stress menos gravoso.
Clara Raposo não desvendou quanto esta taxa de stress poderá baixar. A ideia é dar alguma folga a um critério que se tornou demasiado restritivo perante o disparo das taxas de juro nos últimos meses.
Porque é que o Banco de Portugal vai rever esta medida?
Quando o Banco de Portugal avançou com esta medida em 2018, o mercado deparava-se com taxas perto de 0% e o objetivo do supervisor era assegurar que os bancos (e também os clientes) estavam precavidos para um choque e que os créditos da casa continuariam a ser pagos mesmo num cenário adverso de disparo dos juros, baixando o risco de incumprimento.
Cinco anos volvidos, este choque materializou-se, após as taxas Euribor – indexantes que serve de base para o cálculo da prestação da casa – terem subido mais de 400 pontos no último ano e meio, por conta do aperto do Banco Central Europeu (BCE) para controlar a escalada da inflação.
Se a medida macroprudencial se revelou premonitória e, de alguma forma, ajuda agora a evitar um cenário mais preocupante em termos de incumprimento do crédito, o que acontece é que bancos e clientes deparam-se agora com o critério do DSTI muito mais apertado na hora de celebrarem um novo crédito.
Embora a taxa de stress se mantenha nos 300 pontos base, agora, em vez de uma taxa de juro perto de 0%, tem de se somar uma taxa de juro que em muitos casos excede os 5% (spread+indexante).
Assim, cumprir um rácio de DSTI igual ou inferior 50% tornou-se mais complicado, e isto quando já não é expectável um novo choque nas taxas de juros dado que estamos a aproximar do fim deste ciclo iniciado no ano passado. A vice-governadora espera que o verão traga maior previsibilidade sobre a evolução das taxas de juro para se poder avançar com o alívio na taxa de stress de 300 pontos.
Este alívio vai facilitar acesso ao crédito?
“Se baixarmos este choque, em princípio teremos mais famílias que poderão vir a aceder” ao crédito, admitiu Clara Raposo na entrevista ao Jornal de Negócios.
A verdade é que o mercado do crédito à habitação tem vindo a abrandar no início deste ano, devido à conjuntura pouco favorável com a subida dos juros e da inflação, a que se junta incerteza na economia.
Não se sabe quantos créditos terão sido recusados por incumprimento da regra do DSTI, mas uma taxa de stress mais folgada tornará o crédito da casa mais acessível para as famílias – isto é, será mais fácil uma prestação da casa não superar 50% dos rendimentos se a taxa de stress for inferior aos atuais 300 pontos base.
Vou pagar menos pelo crédito?
Não. A taxa de stress diz respeito apenas a uma taxa simulada pelo banco num cenário de choque nos juros. Faz uma previsão dos encargos que assumirá caso as taxas subam mais 300 pontos base e se continuará a ter a capacidade de pagar a prestação face aos rendimentos.
Quanto à taxa que efetivamente paga pelo empréstimo, em nada esta revisão do Banco de Portugal vai mexer. Só mesmo a evolução das Euribor determinará se vai pagar mais ou menos ao banco.
Há mais medidas de travão ao crédito?
Além dos limites no DSTI, o Banco de Portugal introduziu mais dois travões no crédito da casa em 2018:
- limites ao rácio entre o montante do financiamento face ao valor do imóvel que serve de garantia (o chamado Loan to Value);
- limites à maturidade dos empréstimos até 40 anos, medida que foi revista em 2022: o prazo máximo dos contratos baixou para 37 anos para os mutuários com idade superior a 30 anos e inferior ou igual a 35 anos; e para 35 anos para os mutuários com idade superior a 35 anos.
Não há perspetiva de alterações nestas duas regras.