Ser António Costa a assumir o “vazio” deixado por João Galamba é um cenário que resulta de duas condicionantes, considera o politólogo José Filipe Pinto: além da “dificuldade” em convencer alguém de fora do Executivo “a ocupar um cargo que se sabe que é a prazo - e, mais do que a prazo, que entra em gestão corrente em menos de um mês” -, há ainda o facto de Marcelo Rebelo de Sousa considerar que António Costa é responsável por toda esta situação.
“O tempo deu razão ao Presidente da República e pode sempre argumentar que teve razão no tempo certo. Isso é um ativo para a guerra entre Belém e São Bento”, afirma o politólogo, classificando a reunião de terça-feira como a “mais importante” desde o anúncio da dissolução da Assembleia da República. “Na interpretação pessoal, o Presidente da República entende que será António Costa a assumir porque foi quem causou tudo isto há seis meses” quando não aceitou a demissão de João Galamba, sublinha José Filipe Pinto.
Do lado de António Costa, o politólogo crê que o primeiro-ministro fez agora um ‘mea culpa’ pelo facto de não ter aceitado a demissão de João Galamba há seis meses e “predispôs-se a ser ele a assumir a responsabilidade porque entendeu que passa pelo primeiro-ministro a gestão corrente da pasta, uma vez que há seis meses não aceitou aquilo que parecia ser mais do que uma indicação do Presidente da República no sentido da demissão de João Galamba”. “Da parte de António Costa há uma mistura de um reconhecimento de um erro no passado, um assumir dessa responsabilidade, e simultaneamente a consciência de que não se pode indicar alguém para assumir um cargo quando afinal de contas tudo decorria do facto de ele não ter tomado a decisão no momento certo”, reconhece o politólogo.
Embora António Costa tenha afirmado no seu discurso deste fim de semana que, “com grande probabilidade”, não exercerá “nunca mais” qualquer cargo público, José Filipe Pinto defende que, “em política, 'nunca' nunca significa 'nunca'” e António Costa pode mesmo beneficiar deste acumular de funções, sobretudo depois de ter apresentado a demissão.
“António Costa vai passar para a penumbra. Secretário-geral morto, secretário-geral posto, mas pode aproveitar esta possível acumulação como um ativo que venha a rentabilizar no futuro”, diz o politólogo. “Se António Costa quiser recuperar mais tarde o protagonismo político pode ter como ativo este espírito de sacrifício com que aceitou esta pasta no fim do seu cargo.”
O politólogo olha para esta nomeação como um “exercício de remediação”, o que significa que, “sendo uma situação provisória e marcada temporalmente, António Costa está a tentar também, de alguma forma, remediar aquilo que o próprio tem de assumir que foi um erro da sua parte”. Apesar de “junto do eleitorado isto aparecer como uma assunção de culpa", ao mesmo tempo mostra que António Costa "aceita o sacrifício e as consequências que advêm desse erro". Dessa maneira, e num dia em que queira tentar novamente um cargo público, o primeiro-ministro demissionário "pode vir a colher frutos no médio prazo" junto do eleitorado precisamente porque demonstra que é capaz de se abnegar e de demonstrar humildade.
Esta decisão de António Costa ficar com as funções de Galamba só foi conhecida esta quarta-feira, apesar de o Presidente e o primeiro-ministro demissionário se terem reunido terça-feira durante duas horas. Era assim tão necessário este silêncio de um dia para o outro? José Filipe Pinto diz que há uma leitura que pode ser feita disso e que prova que o silêncio “ecoou a favor de Belém” - e a decisão agora anunciada prova isso mesmo: “O Presidente da República deu-se por contente por finalmente António Costa lhe apresentar a demissão do ministro [João Galamba] para que o pudesse exonerar, quando há seis meses o Presidente da República esperava que lhe tivesse sido apresentada essa proposta. Encerrou assim um processo com atraso de seis meses”.
Frederico André Branco dos Reis Francisco vai ser o secretário de Estado de António Costa
A Presidência da República anunciou esta quarta-feira as mudanças no Ministério das Infraestruturas, que surgem após a demissão de João Galamba - arguido num caso relacionado com a exploração de lítio em Montalegre. “Nos termos do número 2 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.º 32/2022, de 9 de maio, com a exoneração do ministro das Infraestruturas as suas funções foram assumidas pelo primeiro-ministro. Assim, o Presidente da República aceitou a proposta de recondução de Frederico André Branco dos Reis Francisco, anterior secretário de Estado das Infraestruturas, como novo Secretário de Estado Adjunto e das Infraestruturas, na dependência do primeiro-ministro", lê-se na nota a que a CNN Portugal teve acesso.
João Galamba apresentou a demissão na segunda-feira depois de "profunda reflexão pessoal e familiar" para assegurar à família "a tranquilidade e discrição a que inequivocamente têm direito". Na sexta-feira tinha dito que não se ia demitir.
O agora ex-ministro saiu assim de um Governo que permanece em funções até dezembro para a votação do Orçamento do Estado. O país segue para eleições a 10 de março.